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Close, em análise

O vencedor do Grande Prémio do Júri do Festival de Cannes 2022, “Close”, chegou ao nosso país com distribuição da Leopardo Filmes!

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Sensivelmente a meio de CLOSE, 2022, segunda longa-metragem realizada pelo belga Lukas Dhont (co-autor do argumento escrito em parceria com o seu compatriota Angelo Tijssens), podemos ouvir uma quase invocação pagã em memória de alguém que os espectadores sabem ser o amigo próximo do rapaz sobre o qual focamos a atenção, retratado nessa sequência central em sucessivos planos de conjunto onde o vemos rodeado por uma série de pessoas com diferentes idades e que de forma serena participam num funeral: “A cada Primavera, tudo recomeça. As árvores voltam a florescer. As aves regressam do Sul. A última neve derrete. E chega o Verão. As árvores ficam verdes. Cheias de folhas. Que se tornam amarelas, depois vermelhas. Depois castanhas, no Outono, até caírem. E as árvores nuas anunciam o Inverno. E dias curtos, escuros e frios. E depois reaparece o açafrão. E as flores… e assim por diante”. Para aqui chegarmos e sentirmos como a nossa própria dor se manifesta na presença virtual desta cerimónia fúnebre, o derradeiro adeus ao adolescente que até ali fora uma das peças fulcrais da complexa equação que motivara os contornos, nem sempre sólidos, de uma amizade singular, muita água já correra por baixo das pontes, sobretudo as que uniam a vida de Léo (interpretado por um fabuloso jovem actor, Eden Dambrine) e a do seu maior amigo, o falecido Rémi (personagem defendida pelo não menos competente Gustav de Waele).

O PESO DA CULPA E O DIFÍCIL SILÊNCIO DA EXPIAÇÃO.

Tudo começa do ponto de vista da montagem, com a introdução primordial das fantasiosas e inocentes brincadeiras de ambos, numa abordagem dinâmica aos parâmetros da narrativa que irão dar corpo a esta ficção e que, para os devidos efeitos, as irá integrar na mais pura e normal lógica de partilha existencial entre dois rapazes, dois corpos e almas livres prestes a abraçar o sentimento inebriante do que podemos apelidar o despertar da Primavera. Desde cedo que se observam os caminhos da sua aproximação pessoal, que o realizador logo estrutura para nos dar conta da vida feliz em que nasceu o quadro de uma precoce e aparentemente perene amizade masculina. Tudo parece ser lícito, na idade e no lugar certo, entre Léo e Rémi. De facto, daremos conta da evolução da sua amizade no decurso de um ciclo vital onde há um patamar familiar e seguro para que cada coisa aconteça na observação do seu devido ritmo. Porque o seu comportamento, sem máscaras ou cartas na manga, não nos faz duvidar ou afastar da realidade concreta dos valores e sentimentos que eles e as suas famílias defendiam para si e para os outros. Existe entre Léo, Rémi e o mundo em que se inserem, uma harmonia que faz lembrar a bíblica ressonância do Eclesiastes 3: 1-4: “Tudo tem o seu tempo determinado, e há um tempo para todo o propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer e tempo de morrer. Tempo de plantar e tempo de recolher. Tempo de matar e tempo de curar. Tempo de derrubar e tempo de edificar. Tempo de chorar e tempo de rir. Léo e Rémi partilham a vida e comportam-se como irmãos, num contacto físico que aos olhos de muitos pode surgir como estranho ou até mesmo contrário ao que as regras sociais e culturais, ou as cartilhas redutoras da conduta sexual, apontam como sendo o modo mais natural de ser e estar.

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Por isso, aquilo que parecia ser, e era, uma inocente relação no quotidiano de uma pacífica zona rural e na ainda mais pacífica intimidade do seu quotidiano, como dissemos, incluindo a dos núcleos familiares de cada um, quando se dá a conhecer sem grandes filtros fora desse quase “paraíso” original fica exposto aos mais desvairados equívocos, as mais diversas interrogações e, por vezes, a não poucas e manhosas provocações. De facto, Léo e Rémi, que não escondiam os sinais da sua proximidade no exterior da sua área de conforto, irão sofrer a pressão dos colegas de liceu que os observam e questionam de forma contundente, por vezes disfarçando mesmo a violenta pressão do seu sarcástico bullying fazendo-o passar por mera curiosidade do grupo. Não por acaso, em alguns destes actos sinuosos polvilhados com uma pitada de latente perversidade, destaca-se um grupo de raparigas que, no meio de risinhos e insinuações pueris, acabam por  interpelá-los fazendo-lhes por fim a pergunta canalha, que até ali não tinham querido verbalizar, ou seja, “Vous êtes un couple?”, ou seja, querem saber se são um casalinho. Léo e Rémi aguentam a pancada, as agressões verbais de outros alunos, mas algo se vai passar na cabeça do primeiro que, pouco a pouco, vai afastar o companheiro do seu círculo mais íntimo e de alguns frequentados por novas amizades, provocando assim uma ruptura, mais fictícia do que real, mas cujas consequências práticas se irão fazer sentir de um modo particularmente dramático. Léo procurava assim a integração no colectivo que a sua condição alegadamente gay não lhe permitia, pelo menos no curto prazo de um ano lectivo. Procura mesmo no desporto, o hóquei no gelo, jogo viril por excelência e onde prevalece um permanente medir de forças devido ao constante e vigoroso contacto físico, a redenção que valide a sua conduta masculina aos olhos dos outros. Desse modo, queria aparecer como um simples rapaz, mais um na equipa e na multidão circundante, uma personalidade sem rosto ou sensibilidade especial. Rémi, por contraste, persiste nos seus estudos musicais e quando o vemos assumir, nervoso e inquieto, o lirismo da sua prestação enquanto instrumentista, sabemos que será de algum modo inevitável que ele se distancie, por contraste, do universo “macho” onde Léo encontrara o seu refúgio e passara então a movimentar-se. Daqui até ao momento de separação e ruptura emocional vai o chamado passo de anão. E o filme da felicidade, onde até podíamos conceber um eventual posicionamento identitário, dá lugar ao filme da culpa e da silenciosa expiação.

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Na primeira parte de CLOSE, o perfil dominante era o da proximidade, se bem que a certa altura ferida e cruzada por contradições. Na segunda parte veremos um outro e muito diverso CLOSE, o da ausência, onde a morte e a dor a ela associada pode ser reprimida, mal disfarçada, mas não redimida pelo frágil jogo de querer continuar a viver a vida rumo a um qualquer futuro, como se para o perspectivar não existisse o peso de um luto passado que precisava de ser absorvido e relativizado no contexto pessoal e familiar. Tal como foi estruturada a narrativa de CLOSE, o funeral marca, por um lado o fim e, por outro, o princípio de um percurso de Léo, rumo a uma idade adulta que não irá esquecer o breve momento de fulgor de um pretérito e genuíno amor. Na articulação entre um antes e um depois reside a força, a razão e o maior impacto da proposta ficcional e primordial de CLOSE.

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Para dar consistência ao argumento, Lukas Dhont recebeu da parte do seu Director de Fotografia, Frank van den Eeden, uma imprescindível contribuição, constituindo o corpo visual de CLOSE um dos motivos maiores para apreciar este filme de grande sensibilidade que não descura os mais ínfimos pormenores da prestação dos actores protagonistas e secundários, exercício fílmico que nos permite sentir como nossa aquela que de outro modo podia surgir como mais uma interessante mas repetitiva história sobre as dores de crescimento, os ritos de passagem, ou juventudes mais inquietas do que irrequietas.




Close, em análise
Close

Movie title: Close

Date published: 19 de April de 2023

Director(s): Lukas Dhont

Actor(s): Eden Dambrine, Gustav de Waele, Émilie Dequenne, Léa Drucke

Genre: Drama, 2022, 105 min

  • João Garção Borges - 70
70

Conclusão:

PRÓS: O pior que Lukas Dhont, o realizador de CLOSE, poderia fazer com a matéria que escolheu (recordo a sua anterior primeira obra, GIRL, 2018, centrada no percurso de vida de um jovem queer) seria reduzi-la nesta segunda longa a um filme de contornos gay e da relação entre dois adolescentes, com a acção situada entre o campo e a cidade no seio de contextos familiares felizes, onde era visível a partilha íntima de sentimentos entre rapazes, que mostrava claramente ser de uma natureza muito especial. Felizmente, essa questão foi introduzida com frontalidade, aqui e ali com alguma ambiguidade, mas sobretudo sem folclores identitários. Sem dúvida, o eixo motor da narrativa foi construído na sombra e na luz do que o poeta chamou o “fogo que arde sem se ver”, aquilo que determina uma paixão ou um singelo e verdadeiro amor que a partir de certa altura vai sofrer uma reviravolta por causa de pressões exteriores. Por sua vez, esta situação irá alimentar entre os protagonistas uma ruptura que, não sendo propriamente uma surpresa, numa primeira abordagem podíamos descartar como inevitável.

Para além de outros prémios, recebeu em 2022 o Grande Prémio do Júri no Festival de Cannes.

Foi nomeado para os Óscares atribuídos este ano na categoria de Melhor Filme Internacional, representando a Bélgica, não obstante ser uma co-produção entre a Bélgica, os Países Baixos e a França.

CONTRA: Nada.

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