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O Processo do Cão | Entrevista a Laetitia Dosch (Parte 2)

Se acompanhaste a primeira parte da entrevista à atriz e realizadora franco-suíça Laetitia Dosch, a propósito do seu novo filme “O Processo do Cão”, estreado em Portugal na passada quinta-feira 10 de julho, podes finalmente ler a segunda parte, focada nos atores e nas suas personagens e na rodagem e pós-produção do filme.

Portanto, como referi na primeira parte, esta entrevista sobre “O Processo do Cão” aconteceu na quinta-feira 3 de julho, numa curta passagem da realizadora por Lisboa.

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Personagens muito complexas

O Processo do Cão
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Roseline e Lorene

Acho a construção das personagens igualmente perfeita. Para lá da sua personagem, Roseline e Lorene são personagens muito complexas porque, no fundo, elas adoram os animais. Sobretudo, o final é muito complicado, digamos assim. Portanto, qual acha que é o verdadeiro objetivo delas em matar o Cosmos?

De qualquer forma, a Lorene, para mim, é a personagem feminista do filme. Porque é uma mulher que foi mordida na cara. Ela está na Suíça, faz limpezas em casas, mas ela comporta-se como uma mulher livre o tempo todo. E é uma mulher que vai ganhando cada vez mais a sua liberdade. Conhecemo-la num salão de beleza onde ela vai tentar remover a ferida. É por isso que ela apresenta queixa, para ter dinheiro para reconstruir a sua cara. Mas é uma mulher que vai guardar a sua cara tal como está. E que se vai libertar disso.

E eu tinha uma frase que cortei na montagem. A personagem Lorene, Anabela Moreira, na última sequência do tribunal, de repente, ouvimo-la dizer: “Quero que deixemos este cão em paz”. Era muito bonito, mas com a cara dela, já o compreendíamos. Portanto, cortei a frase. É uma mulher que também se vai reconhecer no cão, a certa altura.

Também acho, sim.

Joachim

A propósito do Joachim, pensei também que é uma outra personagem muito complexa e penso também que ele poderia ter o seu próprio filme. Não sei se é uma ideia que tem, mas penso nisso porque há uma história com a família dele que poderia ser um outro filme paralelo, digamos assim.

Sim, de facto, ele poderia ter a sua própria história. Gostaríamos de saber mais sobre o que se passa na vida dele, o que vai ser desta criança também. Portanto, é uma criança que é vítima de violência. Não sabemos exatamente como. E é uma criança que tem uma personalidade muito louca, muito forte, muito engraçada, muito intensa e que esconde os seus segredos. E é uma criança que também admira muito as pessoas que vingaram na vida e que são vítimas de violência. É isso.

E, não sei, é verdade que eu… No início, no final do filme, ele tinha encontrado a sua coisa, que é subir aos telhados dos prédios. Ele fazia parkour, sabe? Ele fazia isso. Ah, sim, peço desculpa, não sei se estou a ser clara. O parkour… mas não há parkour! Ah, sim, ele faz um pouco na janela. Mas no argumento, víamo-lo no telhado de um prédio a saltar coisas. A sensação de risco, de facto.

A participação de Anabela Moreira em O Processo do Cão

O Processo do Cão
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Agora, sobre a Anabela Moreira. Como sou português, também tenho de lhe perguntar sobre…

Anabela Moreira, adoro-te. Tive a sorte de que tenhas vindo trabalhar comigo. És uma atriz magnífica.

Sim, também acho. Ela é muito conhecida, aqui em Portugal.

Sim, eu sei.

Já tinha a Anabela em mente ou fez um casting para ver outras opções?

Na verdade, foi o Gabriel Abrantes quem me falou da Anabela. Gabriel Abrantes, conhece?

Sim, sim, sim.

Bem, sim, não sei. E filmei com ele neste filme…

“Diamantino”, talvez?

O anterior. Ela entrou no “Diamantino”. Eu entrei numa curta-metragem que se chamava “Ennui ennui”.

Não vi. Vou procurar.

E também fiz a voz francesa da Princesa X [nota: Laetitia Dosch refere-se ao filme “Uma Breve História da Princesa X”, de 2016]. Bom, para saberem. Foi o Gabriel Abrantes que me falou da Anabela. Ele mostrou-me mesmo imagens do filme que ele estava a fazer, o último, com ela [nota: “A Semente do Mal”, lançado em 2023]. Ele não se enganou, ele tinha razão, era preciso… Esta mulher é uma mulher que é verdadeiramente incrível, que é… Eu tive a grande sorte de a conhecer. Uma mulher muito independente, muito autónoma, muito misteriosa, com muitos sentimentos diferentes. Adoro imenso, imenso, esta mulher e tive muita sorte que ela tivesse vindo interpretar esta personagem. Ela trouxe-lhe muito, muita força e muitos segredos e dignidade.

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A música em O Processo do Cão

Le Procès du Chien
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Então, uma outra coisa que acho que está muito bem conseguida é a música. Há mesmo uma pequena cena que me lembro no supermercado onde a música pontua imenso o encontro entre Avril e o homem. Mas este homem não aparece mais…

Sim.

Porquê? Mas a música é muito, muito, boa, muito bonita, nesta pequena cena.

Então, duas coisas. A primeira coisa é que, de facto, quando fiz a repérage do décor do supermercado para esta cena, ouvíamos muito as caixas registadoras e, dependendo se havia muita gente ou pouca gente, fazia PIP… PIP ou, então, PIP PIP PIP PIP PIP PIP PIP PIP. E achei muito romântico que, se houvesse duas pessoas que fossem namoriscar num supermercado e as caixas… Os bip da caixa soassem como o seu coração. E achei isso ótimo, é isso a primeira coisa.

A Avril, nós vamos acompanhar o seu percurso com os homens e vamos vê-la numa cena com um homem num supermercado onde poderíamos dizer que temos a impressão de que ele vai estar presente em todo o filme, porque é bonito, porque parecem amar-se. E não, vai durar apenas uma cena. Porquê? Porque a Avril tem este problema, porque quando é um homem a namoriscar-lhe, ela está… quando ela está com um homem, ela apaga-se. Ela dá demasiada atenção à pessoa à frente dela e esquece-se de si própria e não sabe fazê-lo de outra forma. E, portanto, ela corta todas as histórias de amor. Só que o cão vai, talvez, ajudá-la a encontrar a sua sexualidade. [risos]

Sim, um pouco. A cena com o cão na cama, é magnífica. [risos]

A imagem do filme O Processo do Cão

Le procès du chien
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Ok, última pergunta: porque decidiu utilizar… É uma pergunta um pouco técnica, mas achei que o filme tem uma iluminação muito escura.

Ah, não, é a correção de cor, isso. Mas digo-lhe… Faça a pergunta, desculpe.

Não, não, sem problema. Queria saber porque é que “O Processo do Cão” é tão escuro, durante a maioria do filme.

Então, eu tinha de pensar em como fazer uma comédia. As comédias em França são muito super-iluminadas, muito brancas. E acho que isso apaga as caras. Eu gosto imenso de ver os traços dos rostos, de ver a vida, a experiência que está marcada neles e ainda fazer piadas. Então, decidimos, com o meu diretor de fotografia, fazer imensos contrastes. Portanto, não sei se é escuro, mas é muito contrastado. Assim, vemos imenso os traços e puxámos também pelas cores. Assim, cria algo que não é naturalista, um pouco com uma espécie de conto e um conto um pouco perigoso. E achei que o contraste traz de volta o urbano, a cidade, a dificuldade das cidades que gostava imenso de ver. E as cores trazem de volta o POP, percebe? É isso.

Bom.

Bom, obrigado pela visita.

Muito obrigado também pela entrevista.

Obrigado pelas perguntas, foram muito simpáticas.

Obrigado.

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Conclusões sobre O Processo do Cão

O Processo do Cão
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Com a entrevista que fiz a Laetitia Dosch, pude, pois, descobrir mais sobre os bastidores do seu filme “O Processo do Cão”. Assim, se também já viste o filme, acredito que terás gostado de ler a minha entrevista à realizadora.

A saber, “O Processo do Cão” é um filme que parte de uma história real de um cão que foi eutanasiado por ter mordido uma mulher. Ou seja, Laetitia Dosch teve conhecimento deste caso e, com isso, quis fazer um filme.

Esta longa-metragem é, pois, uma comédia com uma história cheia de significado. Um filme pessoal onde a realizadora também é atriz e inspirou-se, por exemplo, em Woody Allen, Nanni Moretti e Phoebe Waller-Bridge, como tal.

Com um argumento impecavelmente bem escrito, fiquei igualmente contente por ainda dar à realizadora uma ideia para um próximo filme (já em off, perguntei-lhe se tinha novo filme em mente e ela respondeu-me que eu lhe tinha dado uma ideia): será que ela vai continuar a história de Joachim? Ficamos, pois, para ver.

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