71º Festival de Cannes: O meu nome é “Diamantino”.
“Diamantino” é o novo craque de futebol português e o título do filme que a dupla Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt apresentaram na 57ª Semana da Crítica. Resta saber se quando vir o filme Cristiano Ronaldo vai achar graça?
Será que alguém já está a pensar clonar Cristiano Ronaldo? Ou ele próprio estará pensar encontrar uma forma de prolongar a sua notável carreira? Esta é a louca brincadeira e a fantasia pseudo-cientifica defendida de uma forma absolutamente genial por “Diamantino”, o filme que Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt, apresentaram na 57ª Semana da Crítica do Festival de Cannes.

A maior estrela de futebol do mundo é afinal o português de sotaque açoriano chamado Diamantino (Carloto Cotta). No entanto, ele está a perder os seus talentos futebolísticos e a sua carreira começa a entrar aos poucos em declínio. À procura de um novo objetivo para a sua vida, Diamantino inicia uma delirante odisseia pessoal, que mistura neofascismo, crise dos refugiados, modificação genética, a busca da origem da genialidade e afinal tudo se vai tornar mais simples graças ao amor.
Para fazer “Diamantino”, Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt, a dupla de realizadores de “A History of Mutual Respect” (2010) e “Palácios da Pena” (2011), começaram por se inspirar num ensaio do escritor norte-americano David Foster Wallace (1962-2008), que faz parte de um texto do livro “Uma coisa supostamente divertida que nunca mais vou fazer”, editado em Portugal, pela Quetzal, e com o título de “Federer: Carne e Não Só”. Trata-se de um brilhante ensaio filosófico onde Wallace decompõe por exemplo os movimentos dos tenistas Agassi-Federer na final do Open Americano de 2005, quando o segundo está já no fim da sua carreira desportiva. Este ensaio de David Foster Wallace publicado em 2006 no New York Times, dois anos antes de se enforcar, sob o título original de “Roger Federer as Religious Experience”. Entre as páginas 409 e 435 do volume de ensaios de DFW fala como Federer se sente, o melhor tenista do mundo, um dos melhores desportistas de sempre, um deus no Olimpo, o número 1 que só pára quando a mulher lhe disser que já chega. Abrantes e Schmidt inspiraram-se assim neste texto e tentaram adaptá-lo ao mundo de futebol, transportando-o para uma figura de ficção que é muito semelhante ao nosso Cristiano Ronaldo, — a começar pelo rosto e o corte de cabelo de Cotta — e que está com 32 anos e vê aproximar-se o final do seu glorioso percurso de futebolista e o seu estatuto de vedeta planetária.

“Diamantino” parece quase um filme Disney, contudo mistura outros géneros como o terror, os filmes de série b, comédia e uma ampla sátira política ao capitalismo e ao mundo do futebol. Todos este elementos mais ou menos irrealistas e claro do domínio da ficção confrontam-se com a actualidade do momento no mundo: a crise dos refugiados, ascensão da direita fascista, Panama Papers, modificação genética e com o culto da personalidade e vedetismo.
E além de ser um filme decerto modo fiel a uma narrativa de conto de fadas, acaba por seguir a linha de uma comédia romântica e de um romance improvável, entre a vedeta do futebol e uma refugiada negra. Diamantino é a personagem principal, um ícone universal, uma super-estrela do futebol português e da selecção nacional, um rapaz solitário, rodeado pela família e sobretudo pelas irmãs gémeas (Anabela e Margarida Moreira) que o exploram e lhe querem mais que nunca prolongar a carreira; conduz um Lamborghini amarelo e veste uma camisola com as cores — azul e branco — e o símbolo da monarquia portuguesa. Não é afinal o dinheiro e a fama que ele quer mas sim o amor. Por isso, Diamantino é uma figura fascinante com a sua pronúncia açoriana, doçura e simplicidade ajudando a realidade quase desapareça e fluía no meio de um filme tolo, bem-humorado e até por vezes absurdo: é notável por exemplo a sua entrevista no programa com a Manuela Moura Guedes. De repente, paramos de rir e sentimo-nos atraídos por essa criança grande, que gosta de meninos e meninas e cães felpudos, e que é bastante naïf.
Diamantino pode ser um jogador brilhante dentro do campo, mas é radicalmente inexperiente e ignorante em todos os outros aspectos da vida. A interpretação do Carloto Cotta é notável no seu corpo atlético e virginal — tem um tronco e pernas à Ronaldo — e o seu papel vai evoluído à medida que Diamantino faz o seu percurso: transforma-se numa figura quase mitológica — nascem-lhe carocinhos nos peitos e depois umas mamas, como consequência das intervenções da clonagem — algo tão importante nos dias de hoje e no culto das celebridades. Depois vem ao de cima uma transparência simples e uma história de amor que culmina num happy end que tem algo de mitológico.

“Diamantino” é um filme visualmente esmagador, divertido e oportuno, que conta a história de um craque do futebol imaginado, mas cria também perspectivas inesperadas sobre os conflitos da actualidade, da vida das celebridades e da sua necessidade de se imortalizarem. O filme tem dividido a crítica e seria uma surpresa ser o vencedor da 57ª Semana da Crítica. Há ainda pelo menos a esperança de ser o vencedor da Câmara de Ouro — para melhor primeira obra — e que o júri, que pela primeira vez vai atribuir um prémio de interpretação a um actor, se lembre de Cristiano Ronaldo e premeie Carloto Cotta.
José Vieira Mendes (em Cannes)
Artigos relacionados:







