Abigail, a Crítica | Uma caixinha de surpresas sangrentas com Melissa Barrera e Dan Stevens

Nada é o que parece em “Abigail,” um divertido filme de terror da mesma equipa de realizadores, Radio Silence, que nos trouxe “Ready or Not – O Ritual.”

Por vezes, existe uma desconexão tão grande entre um filme e a sua campanha publicitária que a experiência do espetador sofre em consequência. Tal é o fado de “Abigail,” onde as reviravoltas mais inusitadas da trama são reveladas pelos trailers e até os posters, limitando o impacto da fita. Não estaríamos a criticar o gesto se a obra fosse construída com esse conhecimento em conta. Só que todo o primeiro ato de “Abigail” aponta para a ignorância da audiência, preparando uma reviravolta em que tudo fica desamparado. Mas não ficam, porque os segredos já são sabidos. É pena, pois há muito a apreciar no modo como esta caixinha de surpresas foi montada.

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Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett, mais conhecidos como Radio Silence, começam o seu mais recente trabalho numa intersecção do ballet e do thriller. Por um lado, a sua câmara circunda uma menina que dança para plateia vazia, uma qualquer bailarina de tenra idade cujos pais são ricos o suficiente para lhe alugarem um teatro inteiro. Há graciosidade nos seus movimentos, mas também sentimos uma angústia debaixo da superfície cor-de-rosa. O “Lago dos Cisnes” que ela interpreta remete para a desumanização do corpo que dança, sugerindo o animal, tão belo quanto violento. Essa carga simbólica exalta-se na figura, um calafrio pela espinha do espetador.

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© Cinemundo

Trata-se de uma introdução soberba ao mundo de “Abigail,” o filme e a rapariga a quem a jovem Alisha Weir dá vida. No entanto, ao mesmo tempo que nos familiarizamos com ela, toda uma equipa de criminosos prepara o seu sequestro. Não sabemos os seus nomes, mas cada um tem personalidade forte, quais arquétipos do cinema thriller, prontos para mais um trabalho ilícito. Num abrir e fechar de olhos, eles capturam a menina e levam-na para longe da metrópole, rumo a um casarão antigo onde o chefe da operação os espera. Lá, eles devem permanecer, à guarda da raptada e na espera pelo dinheiro pago em troca do seu regresso, sã e salva.

Nestes primeiros movimentos da história, os Radio Silence mostram um lado inesperado das suas habilidades. Depois de se especializar em terror lúgubre com traços cómicos como “Ready or Not” e os últimos filmes da saga “Scream,” esta parelha demonstra ser igualmente hábil a criar suspense clássico. Por outras palavras, as primeiras sequências de “Abigail” são exemplos de virtuosismo puro, montagens afiadas e um estilo visual que exalta o contraste entre a frieza da cidade com a arquitetura sombria da mansão. O trabalho de ator é igualmente forte, familiarizando-nos com a especificidade de cada personagem sem a necessidade de texto explicativo.


Tanto assim é que os diálogos nos parecem uma falha atroz. Acontece que, não obstante toda esta economia dramática, assim que os criminosos se encontram sozinhos, o argumento resvala no cliché. Cada figura é descrita sem jogo ou elegância, sublinhando toda a característica individual, ora desnecessária ou algo que um espetador atento já havia intimado. Em jeito sumário, digamos que a Joey de Melissa Barrera é a nossa protagonista, uma antiga enfermeira militar cuja toxicodependência a trouxe até ao submundo do crime. Ela é a única pessoa que se parece preocupar com a menina raptada, forjando um elo instantâneo a transbordar de compaixão.

O mesmo não se pode dizer de Frank, um antigo detetive que Dan Stevens interpreta como uma caricatura patética. Dito isso, por muito desprezo que ele possa despertar no espetador, fica sempre a ideia de que, na situação certa, este homem pode ser muito perigoso. William Catlett é Rickles, um sniper com passado militar semelhante a Joey, enquanto Kevin Durand é Peter, uma montanha de músculos e pouca inteligência com um sotaque do Quebeque a completar a pintura. Kathryn Newton é Sammy, uma menina rica a passar o tempo como hacker, e Angus Cloud é Dean, o condutor da operação com traços sociopatas.

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© Cinemundo

Antes desta noite, eles não se conheciam, mas agora terão de confiar uns nos outros quando um flagelo demoníaco se abate sobre o casarão. Algo está muito errado neste cenário, a começar pela identidade da miúda, cujo pai poderá bem ser um dos mafiosos mais mortíferos do mundo. Quando uma primeira chacina acontece, precipita-se o medo de que algum vingador sanguinário venha em resgate da pequena bailarina. Mas depois janelas e portas são trancadas com barreiras intransponíveis, prendendo os criminosos no tormento. Sem escapatória, o jogo de gato e rato inverte-se, com os raptores tornados vítimas.

No fim deste primeiro ato, outra reviravolta tem lugar, alterando toda a fundação da fita, inclusive transformando o seu género. De um thriller, “Abigail” passa a ser terror desavergonhado, com toda a loucura sobrenatural que se possa imaginar e chacina a condizer. Há corpos dilacerados com as entranhas à mostra e decapitações também, uma explosão aqui e um geiser de sangue acolá, maquilhagens nojentas e efeitos especiais ainda mais grotescos. Entre o estilo de casa assombrada e a matança quase jovial, estamos perante uma experiência em pesadelos clássicos, sem medo de arriscar o absurdo da sua premissa ou as parvoíces mais doidas do cinema de terror.

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Dito isso, algumas peripécias sangrentas são um tanto ou quanto repetitivas e a tendência para a explicação desmesurada mantém-se por toda a fita. Diríamos até que se podiam cortar vinte minutos de duração sem perder muito. O argumento é o tendão de Aquiles, mas a direção podia ser mais multifacetada também. Falta alguma da veia satírica que tornou algumas das obras passadas do Radio Silence em triunfos bem-amados, mesmo quando a crueldade para com as personagens faz o ecrã reluzir rubi. Pelo menos, o âmago emocional sobrevive à estrutura malfeita, em parte porque Barrera e Weir conseguem dar profundidade aos papéis, enquanto Stevens se diverte enquanto presença antagónica. Em suma, “Abigail” tem demasiadas fragilidades para ser celebrado como grande cinema de terror, mas vale pelo entretenimento, pelos efeitos, e pelo bailado da carne dilacerada.

Abigail, a Crítica

Movie title: Abigail

Date published: 9 de May de 2024

Duration: 109 min.

Director(s): Matt Bettinelli-Olpin, Tyler Gillett

Actor(s): Melissa Barrera, Dan Stevens, Alisha Weir, Kathryn Newton, Kevin Durand, William Catlett, Angus Cloud, Giancarlo Esposito, Matthew Goode

Genre: Terror, Thriller, 2024

  • Cláudio Alves - 70
70

CONCLUSÃO:

Entre “O Lago dos Cisnes” e “Drácula,” o novo filme dos Radio Silence está sempre a metamorfosear-se, passando do thriller ao pesadelo clássico, com muito divertimento metido pelo meio. “Abigail” tem demasiados problemas textuais para se poder considerar no topo da filmografia dos seus autores, mas é um bom entretenimento para quem se diga fã do cinema de terror.

O MELHOR: Barrera e Weir, a elegância formal do primeiro ato antes do carnaval de horrores que se segue. O amor que os Radio Silence têm para com sangue e vísceras à mostra. Também se deve aplaudir o gosto pelo absurdo, mesmo quando isso detrai alguma da visceralidade à história.

O PIOR: O argumento, suas explicações constantes e diálogos fracos. Além disso, o maior problema é a campanha promocional pronta a estragar as maiores surpresas de “Abigail.”

CA

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