"Amor e Queijo" | © Alambique Filmes

Amor e Queijo, a Crítica | Uma estreia promissora para Louise Courvoisier

A realizadora Louise Courvoisier convida-nos a Jura, em França, através da sua primeira longa-metragem – “Amor e Queijo,” também conhecido como “Holy Cow” no mercado anglófono e “Vingt Dieux” no original gálico.

Como muitos artistas em início de carreira, Louise Courvoisier virou-se para temas e questões familiares, cenários e idiomas muito próximos da sua experiência. Ou, pelo menos, da terra em que cresceu – Jura, perto da fronteira entre França e a Suíça. Trata-se de uma região rural, no sopé de montanhas e onde a produção do queijo comté tem um lugar de primazia, tanto na economia local como na identidade cultural da sua gente. Essas paisagens campestres têm servido como pano de fundo às curtas da realizadora e, agora, marcam a sua estreia no panorama das longas-metragens. “Amor e Queijo” é tanto drama humano como uma homenagem a Jura.

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Não que a fita se perca em idealismos bucólicos. Pelo contrário, Courvoisier afigura-se a favor de um cinema em tradição realista, onde se retrata a experiência das personagens sem nenhumas concessões ou sacrifícios feitos em prol das simpatias da audiência. Se ela consegue conquistar empatia para com a história e suas figuras, fá-lo através de um olhar genuíno, autêntico, sem papas na língua ou abstrações urbanistas sobre um sonho pastoral. De facto, a fita começa num gesto que arrisca a confrontação, apresentando-nos ao contexto socioeconómico da narrativa com as brincadeiras de mau gosto de uns rapazes locais.

Uma carta de amor a Jura, às paisagens, à gente.

amor e queijo critica
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Entre eles está Totone, o mais atrevido do grupo, pronto a despir-se no meio da feira e fazer-se bobo nu. Sob o sol de um verão francês, as suas sardas saltam à vista, memórias estivais numa pele alva que brilha. Os olhos são claros a condizer e o cabelo parece a palha com que se alimentam os animais das quintas em redor. O sorriso é uma promessa de sarilhos e rabinice, algures entre a provocação de um adulto libertina e a inocência de miúdo pequeno. Que mais se podia esperar de um bêbado bem-disposto que gosta de passar o tempo entre amigos, motas, cervejas e bailaricos? Dizer que o rapaz é uma presença magnética seria um eufemismo pobre para descrever a intensidade da sua presença em frente à câmara.

Intensidade da personagem e do ator que a interpreta – Clément Faveau, que ganhou um prémio Lumiere pelo seu trabalho. Intensidade que jamais trai o registo naturalista com que Courvoisier encenou o seu “Amor e Queijo.” Parte disso devém dos esforços da realizadora, parte devém de um processo de casting rigoroso que levou toda uma equipa à região de Jura, em busca de pessoas comuns da terra para interpretarem os papéis dramáticos como primeira experiência de ator. Ou seja, são todos amadores, existindo em cena mais do que interpretando o papel como o profissional faria. Seus limites, tal como as suas qualidades, conferem uma crueza ao exercício e reforçam a ideia de uma carta de amor à região.


Não é só a paisagem que Courvoisier quer honrar. São ainda as pessoas e o trabalho delas em comunhão com a terra. Nomeadamente, o queijo comté que envolve todo um processo artesanal onde, quase literalmente, se levam as mãos ao fogo. Mas, antes de chegar a essa obsessão, Totone há que sofrer a perda do pai, ficando sozinho no mundo com a irmã mais nova para sustentar. Também tem uma quinta e um emprego que rapidamente põe em risco quando briga com os colegas. Enfim, Totone é um desastre em forma humana, mas não é irredimível ou necessariamente mal-intencionado. A câmara observa-o sem julgamentos, até quando as escolhas dele tombam no crime.

No crime e no amor. E no queijo, pois claro. Porque Totone envolve-se com Marie-Lise, uma criadora de gado local cujo leite de alta qualidade foi usado para a produção de queijo comté, valendo-lhe um prémio monetário que, agora, o órfão quer ganhar. Só que, sem vacas, ele vê-se obrigado a roubar o leite de Marie-Lise, usando as suas escapadelas eróticas como distração. É um esquema juvenil, condenado à catástrofe desde a génese da ideia, mas enfim. Totone acredita no impossível e, por milagre cinematográfico, a audiência acredita nele. Ou seja, estamos perante uma narrativa muito simples, meio convoluta, que só funciona pela qualidade das figuras em cena.

Totone é estrela de cinema, personagem do ano.

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Isso refere-se tanto aos atores como às personagens concebidas no argumento que Courvoisier assinou em colaboração com Théo Abadie e Marcia Romano. O simplismo do texto não significa uma abdicação de multidimensionalidade, somente uma certa modéstia. Tal pode impedir “Amor e Queijo” de chegar às antípodas da sétima arte, mas não implica um cinema pobre, sem deslumbramentos ou instantes que assombram. Todas as cenas entre Totone e sua irmã são pequenas joias, por exemplo, apoiando-se na química dos intérpretes, na observação sagaz do comportamento humano, na abordagem oblíqua que a realizadora faz ao luto dos jovens.

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Outra passagem de destaque é o momento da morte paterna, tudo comunicado pela sugestão audiovisual, sem ser necessário texto explicativo ou alguma revelação mais gráfica. Só são necessários o vulto desfocado de um carro despistado e os olhos lacrimejantes de Totone, um milagre conjunto do ator, a montagem de Sarah Grosset e a fotografia de Elio Balezeaux. Acerca desse último artista, temos que lhe dar algum destaque. Por muito que tentemos sublinhar quanto “Amor e Queijo” imagina Jura como algo definido pela sua população, a paisagem rural tem imenso impacto na fita. A 16mm, em registo arcaico nesta contemporaneidade digital, Balezeauz e Courvoisier capturam as mil texturas do campo agrícola, das vacas na pastagem, o céu azul sobre expansões verdejantes, pele beijada pelo sol de verão, sardenta e bronzeada. Se amamos “Amor e Queijo,” grande parte da paixão devém dessa sua beleza pictórica. É deslumbrante!

Amor e Queijo, a Crítica

Movie title: Vingt Dieux

Date published: 3 de June de 2025

Country: França

Duration: 92 min.

Director(s): Louise Courvoisier

Actor(s): Clément Faveau, Maïwene Barthelemy, Luna Garret, Mathis Bernard, Dimitri Baudry, Armand Sancey Richard, Lucas Marillier, Lorelei Vasseur, Damien Bilon, Jean-Marie Ganneval, Hervé Parent

Genre: Drama, Comédia, 2024

  • Cláudio Alves - 7.5/10
    7.5/10

CONCLUSÃO:

Entre as quintas de Jura, a câmara encontra Totone, um miúdo endiabrado que, no rescaldo da tragédia, fará o que for preciso para sustentar-se a si mesmo e à irmã. Esta é a história de “Amor e Queijo,” a estreia de Louise Courvoisier no panorama das longas-metragens. Trata-se de um começo de carreira promissor para a cineasta francesa que, com este projeto, também impulsiona uma série de outros artistas, incluindo um elenco que tem aqui a sua primeira experiência cinematográfica.

O MELHOR: A fotografia de Elio Balezeaux, a interpretação amadora de Clément Faveau, as ternuras entre irmão e irmã e aqueles momentos marcantes quando um filho confronta realidade da perda paterna.

O PIOR: As resoluções da narrativa são demasiado apressadas. De facto, todo o filme beneficiaria de mais algum tempo para desenvolver as ideias e as relações das personagens. Marie-Lise, em particular, precisava de mais uma cena ou duas entre o sentimento de traição e a absolvição de Totone.

CA

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