Os Caçadores de Trufas © Festa do Cinema Italiano / Sony Pictures Classics

14ª Festa do Cinema Italiano | Os Caçadores de Trufas, em análise

Os Caçadores de Trufas, de Michael Dweck e Gregory Kershaw é facilmente um dos melhores filmes da 14ª Festa do Cinema Italiano. 

Hoje em dia são tantas as vezes que vamos ao cinema à procura de espectáculo, de um novo produto a ser consumido, sobre vangloriosos super-heróis que se enfrentam uns contra os outros e cujos músculos preenchem o ecrã, quase a darem o salto para o lado das cadeiras pela sua aura tão olímpica. Porém, poucas vezes vamos ao cinema para ver projetos sobre ofícios marginalizadas, praticamentes esquecidos pelo ser humano e que só os mais velhos conhecem. Nem sequer vamos ao cinema ver filmes protagonizados por homens maduros, cujas rugas são pesadas quase conseguem esconder um sorriso nos lábios ou um olhar brilhante de alegria.

Ainda bem que existe a Festa do Cinema Italiano, que na sua 14ª edição apresenta “The Truffle Hunters“, ou na tradução para o português “Os Caçadores de Trufas“. Assim, o mais importante festival dedicado à cultura italiana em Portugal aproxima-nos de exímios cavalheiros de boas maneiras, cujas mentes tão sábias não conseguem adaptar-se aos novos tempos dos efeitos especiais, do espectáculo e da ilusão, ou se quisermos, da mentira. Vivendo inclusive distantes das políticas consumistas que privilegiam as grandes corporações e tornam-se um russian roulette viciante para os mais jovens triunfarem no mercado de trabalho, “The Truffle Hunters” fala-nos das pessoas que ainda conseguem estabelecer o vínculo básico com o planeta-Mãe, aproveitando aquilo que a Terra de uma maneira contida, praticamente ancestral, lhes oferece.

Os Caçadores de Trufas | Trailer da Sony Pictures Classics

Verdade seja dita, porque ‘verdade’ é aquilo que vemos em “Os Caçadores de Trufas“, temos um filme documentário que não vai além daquilo que é filmado e, por sua vez, mostrado aos espectadores. As câmaras de Michael Dweck e Gregory Kershaw – a dupla de cineastas que realizou este filme com o apoio de produção do italiano Luca Guadagnino de “Chama-me Pelo Teu Nome” – tomam o seu tempo, para mostrar uma série de cenários e eventos quotidianos e repetitivos que pouco têm de ensaio e tornam-se apenas factos filmados. Da verdade, transparece apenas uma coisa mais: a enorme bondade dos octogenários. O enredo de “Os Caçadores de Trufas” não é romanceado, mas há algo que só as almas mais românticas conseguirão perceber. Nem todos os humanos deste mundo vivem agarrados ao telemóvel, às redes sociais. Há quem, nas suas humildes casas, procure o contacto com os animais domésticos, mas não vestindo-os a rigor para uma sessão fotográfica de Instagram ou vídeo engraçado de TikTok. Aqui, vemos cães como são, animais que precisam de afeto no seu lar, que acariciam os seus donos e que no campo são predadores, cujo sentido apurado do olfacto ajuda aqueles carinhosos velhinhos a descobrir a maior pedra preciosa: trufas. E não estamos a falar de trufas de chocolate…

Na companhia de homens e cães, seguimos longas caminhadas, algumas das quais arriscadas e com risco de queda ou eventual envenenamento dos animais, pelas serras da cidade de Alba, localizada na região de Piemonte, no norte de Itália. Aí, a caça à trufa branca tem sofrido prejuízos, o que afetou muitos dos restaurantes gourmets e hotéis de luxo que servem pratos com o tão caro cogumelo. Graças à inteligência dos animais, percebemos a coragem destes idosos de não querem fazer morrer a sua rotina, o seu quotidiano, mesmo sabendo que os ossos do esqueleto humano ou a visão não dão para mais. A certo ponto, um dos protagonistas, vive demasiado preocupado em encontrar um dono para a sua jovem cadela, porque tem medo de fazer uma longa viagem pela América, sem regresso. Noutro momento, parece que outro idoso está reticente em passar o seu conhecimento sobre o melhor caminho e zona para encontrar trufas a um insistente especialista, que irá colocar as trufas no mercado a preços exorbitantes.

Os Caçadores de Trufas
Os Caçadores de Trufas © Festa do Cinema Italiano / Sony Pictures Classics

Dessa forma, e apesar de ter apenas 84 minutos de duração, “Os Caçadores de Trufas” acaba por contrapor o estilo de vida rudimentar destes simpáticos camponeses, com a inveja e vontade de enriquecer dos comerciantes, que representam também uma geração mais nova, onde a sabedoria passou a ser algo que se pode adquirir. Numa das sequências de “Os Caçadores de Trufas”, um destes homens pedem a um idoso para dizer qual o seu preço, tentando adoptar uma atitude persuasiva, que lhe possa beneficiar no mercado face à concorrência. Afinal, estes homens nasceram acorrentados a uma sociedade frenética, já não têm tempo a perder, não sabem o que é estar no terreno, não conseguem ter tempo para procurar por eles mesmos algo tão puro e rudimentar. Nem sequer parecem estar interessados em saborear as trufas, porque o que apenas lhes importa é aquele alimento como produto, como fonte de riqueza.

A recusa do velhinho, faz-nos perceber que também nós estamos há demasiado tempo presos a uma cadeira de escritório, 40 horas por semana, sem colocar as mãos na terra, sem sujar as nossas unhas a procurar um alimento que nos faça continuar a viver. Nos dias que correm, é melhor destruir, que procurar na natureza… Mesmo que as trufas tenham um paladar sentido a quilómetros de distância, não parámos para captar o seu cheiro, porque somos completamente bloqueados pelo cheiro do dinheiro e da sua abundância.

Os Caçadores de Trufas

Tudo isto, porque as trufas em “The Truffle Hunters” acabam expostas em feiras ou sobem em tronos almofadados, rodeadas de vinhos da região de Piemonte, e dessa forma servem de objeto para leilões ridículos – contra factos não há argumentos e as trufas brancas de Alba podem superar os 100 mil euros. Aqui a fronteira acaba por apresentar as suas próprias nuances, porque não serão estes os únicos caçadores? Não são eles quem, pelas forças das circunstâncias e do funcionamento da economia, enganam quem não conhece o valor do seu produto e por intermédio não sabe como se valorizar?

The Truffle Hunters” não é apenas um filme sobre quem caça e quem é a presa, é um filme sobre a necessidade de preservar os solos, que devido ao aquecimento global não favorecem o crescimento das trufas. Portanto, o filme não poderia estrear em melhor altura, uma vez que decorre até ao próximo dia 12 de novembro a COP26 – Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas. A Humanidade está a deixar morrer o conhecimento, está a deixar morrer quem conhece as melhores técnicas para salvar o planeta. E não são apenas as trufas, em breve não haverá alimento que ‘case’ bem com as trufas não pela nossa falta de instrução, mas pela nossa arrogância.

Este é um filme tão subtil, que a crítica não chega a ser tão extremista. Não temos entrevistas nem reportagens com especialistas da preservação da trufa, e as câmaras apenas estão ali, a aguardar pacientemente por aquilo que dizem os nossos protagonistas e por aquilo que fazem os seus cães.  Obviamente, seria preciso ir um pouco mais a fundo para deixar o alerta, do quanto é imprescindível educar as crianças e talvez adoptar um melhor trabalho de proteção para com a caça à trufa, que define uma região e define a identidade dos seus conterrâneos.

The Truffle Hunters
The Truffle Hunters © Festa do Cinema Italiano / Sony Pictures Classics

Os Caçadores de Trufas” é um principais destaques da 14ª Festa do Cinema Italiano. A ser exibido no próximo dia 7 de novembro às 16h30 no cinema UCI El Corte Inglés em Lisboa, contará inclusive com o evento paralelo do Cine-Jantar, que regressa à Festa do Cinema Italiano, para que os amantes da cozinha italiana possam saborear as tão deliciosas trufas brancas.

Podes comprar os bilhetes para este documentário na página oficial da programação da Festa do Cinema Italiano.

Os Caçadores de Trufas, em análise
  • Virgílio Jesus - 80
  • Cláudio Alves - 75
78

Summary

Os Caçadores de Trufas é um dos melhores filmes da 14ª Festa do Cinema Italiano, pela forma carinhosa e doce como nos mostra a relação de três homens com os seus cães, e a partilha da viagem dura na caça aos mais raros fungos deste planeta.

Pros

Este é um filme tranquilo, uma viagem que nos faz querer saborear o melhor do estilo de vida italiano, que nos faz descobrir a língua piemontesa e os hábitos daqueles que dominam o mestiere da caça à trufa branca em Alba.

Cons

A crítica aos compradores de trufas poderia ser mais aprofundada, assim como a atenção da escassez de trufas provocada pelas alterações climáticas. O cariz político-social do filme acaba por não ser tão entendido por muitos espectadores.

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