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Dexter, série completa em análise

Dexter Morgan continua ainda hoje a ser um dos serial killers que deixa mais saudades no mundo das produções televisivas. Mas qual terá sido a receita para o seu sucesso?

As manchas de sangue num logotipo banhado a vermelho onde se pode ler “Dexter”, já faziam prever que estávamos perante uma série envolta em mistério, suspense e muitas mortes, mas o que de certeza nem Michael C. Hall estava à espera, era que, apesar dos seus papéis de destaque como é o caso de David Fisher em “Sete Palmos de Terra”, esta seria a interpretação pelo qual todos o recordariam, mesmo após se terem passado quinze anos desde a estreia de uma das produções televisivas mais icónicas de sempre. Pelas mãos de James Manos Jr. (“Os Sopranos”), vimos o auge e a queda da série ao longo de sete anos de exibição, que ainda dão muito que falar, principalmente pelo final rebuscado e insatisfatório para todos aqueles que esperavam que, de certa forma, o serial killer pelo qual todos simpatizávamos conseguisse escapar, como sempre fez, de forma gloriosa. Mas já lá vamos, importante é começarmos exatamente pelo ponto de partida. O que é o fenómeno “Dexter” e porque é que tantos anos depois do último capítulo, se abrem as portas para um novo banho de sangue?

Atenção este artigo contém spoilers!

Aparentemente pacato, ligeiramente misterioso, pouco afetuoso, mas simpático ao ponto de trazer donuts para os colegas da Polícia Metropolitana de Miami todas as manhãs com um sorriso na cara. Assim nos é apresentado Dexter Morgan, analista forense que vê no sangue toda a sua vida, ou não fosse este elemento tão familiar desde tenra idade. A verdade é que existem muitas mais camadas do que aquela que vemos na superfície, muito bem estudada e recriada pelo protagonista que é exímio na arte de mostrar aos outros aquilo que querem ver, escondendo da luz do dia o seu lado obscuro, o Passageiro Sombrio (Dark Passengercomo gosta de apelidar, que nos deixa desde o primeiro episódio sem dúvidas quanto à forma fria e calculista com que escolhe as suas presas.

Ele sabe mover-se, conhece a mente humana, sabe como agradar a todos e até finge gostar da namorada Rita (Julie Benz), que tal como ele diz, é tão ou mais danificada do que ele e serve, durante pelo menos grande parte das primeiras temporadas, como um alibi para parecer uma pessoa normal aos olhos dos outros. Algo que muda radicalmente à noite onde o vemos de luvas e avental preto entre muito, muito plástico, que forra um cenário que dentro de poucos segundos, ficará manchado para sempre. Existe um certo charme na forma como Dexter se apresenta e até como escolhe viver este lado obscuro da sua vida, que nos faz ficar automaticamente conectados com toda a trama desde o início, ou não fosse o argumento um dos seus pontos mais fortes.

Dexter
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Claro que tudo isto seria demasiado macabro se não houvesse um derradeiro motivo para o nosso protagonista eliminar permanentemente as suas vítimas, mas há. Ele segue à risca o Código do Harry, o seu falecido pai adotivo, detetive de homicídios, que o encontrou com três anos de idade num contentor, coberto de sangue ao lado da mãe brutalmente assassinada perante os seus inocentes olhos. Seria de esperar que as marcas deste desastroso acontecimento ficassem penetradas no seu ADN e foi, na realidade, o que aconteceu. Com um código meticuloso que tem como primeira regra: não matar pessoas inocentes, Dexter foi ao longo de vários anos, o justiceiro desconhecido da quente cidade de Miami, o primeiro herói dos verdadeiros oprimidos. E ele trabalha no local certo para encontrar todos os criminosos que fugiram sem deixar rasto, ou assim esperavam eles até verem a sala escrupulosamente forrada em plástico, deitados e vulneráveis, frente-a-frente com o motivo que os deixou nesta situação. Ninguém é levado ali ao acaso e ele faz questão de mostrar isso, relembrando às suas presas, todos os crimes macabros que cometeram e a forma como escaparam sem escrúpulos, fazendo daquele local a sua última morada. A premissa é simples e no fundo, se pensarmos de forma superficial, podemos dizer que não muda até à oitava temporada. Contudo, a forma como o argumento se desenrola e nos mostra o presente e o passado de Dexter, numa evolução notória da personagem que passa de fingir interações pessoais para as sentir realmente e os cliffhangers aflitivos que nos deixaram muitas vezes ansiosos por mais, nas lutas internas e físicas que tinha com os antagonistas que iam aparecendo para perturbar a “paz podre” do universo deste serial killer em desconstrução, foram a receita para o sucesso durante grande parte da sua transmissão.

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Afinal, ele aqui é mesmo a estrela, mas não brilha sozinho. O elenco completa a genialidade desta produção em todo o seu detalhe. Na cidade quente e cheia de energia, esconde-se um submundo infrações que são combatidas na Polícia Metropolitana de Miami, onde os detetives Angel (David Zayas) e Masuka (C.S. Lee), com a sua permanente obsessão por Deb (Jennifer Carpenter), irmã adotiva do protagonista que também seguiu as pisadas do pai Harry (James Remar), se encontram nas cenas do crime para investigar o que aconteceu, sempre com uma ajuda especializada sobre a história que o sangue pode contar naquele cenário, do nosso analista forense. Dentro deste ecossistema encontramos também LaGuerta (Luna Lauren Velez) a chefe intransigente que mostra de forma clara as suas preferências entre os colegas detetives, mas com uma paixão inabalável pelo seu trabalho. Fora o seu apartamento, este é na maior parte das vezes o lugar seguro de Dexter e o ambiente da própria delegacia traz um alívio aos momentos mais tensos da trama.

Entre as piadas típicas e as histórias secundárias que ali se vão construindo, Angel, Masuka e LaGuerta vão ganhando também destaque, juntamente com Deb que obviamente não se revela só importante aqui, mas também na vida pessoal do nosso serial killer, ou não fosse ela a pessoa que melhor o conhece. Ainda neste ponto, temos Rita, com um papel marcante na desconstrução desta imagem fria e calculista que Dexter vai substituindo ao longo do tempo, por sentimentos reais que muitas vezes o deixam vulnerável nas últimas temporadas. Aos poucos vamos entendendo que os seus demónios estão cada vez mais perto de ficar num passado longínquo e muito temos a agradecer (ou não, será sempre discutível) a Rita, por trazer ao de cima tudo o que há de melhor nele. A realidade é que um dos pormenores que nos vai indicando ao longo do tempo, que o protagonista é muito mais do que um mero assassino é a forma como, mesmo sem dar conta, se sacrifica pelos outros, principalmente por Deb e Rita. Algo com que ele próprio se debate desde o início e o deixa muitas vezes receoso e ainda mais cauteloso, como se tentasse dar um passo atrás sempre que vê alguma réstia de humanidade nele.

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Por último, não podia deixar de frisar os antagonistas desta série, que trazem a cada temporada uma nova história, uma nova vida e muitos mais banhos de sangue dentro da não tão segura cidade de Miami. Cada um teve a sua importância, ora pelo plot twist que trouxeram à trama, ora pela forma como intrigavam e despertavam a atenção do Passageiro Sombrio do nosso serial killer favorito, numa incessante perseguição que culminava com o derradeiro encontro de titãs, um momento que misturava euforia e vingança. Ao longo dos sete anos de transmissão vimos o seu irmão desconhecido tornar-se no seu pior inimigo, os seus segredos verem a luz do dia ao ponto de quase ser apanhado por LaGuerta, a vulnerabilidade que o levou a encontrar num bom amigo, o derradeiro manipulador humano e a procura de redenção.

Não podia deixar de destacar  a quarta temporada, que para mim é sem sombra de dúvidas, onde esta produção atinge o seu pico e vemos o encontro de Dexter com um inimigo à sua altura, num final que ainda hoje fica na memória de todos os fãs. Dentro deste tema, penso que é obvio mencionar “o elefante na sala”, ou seja, a queda da série que começou algures entre a sétima e oitava partes, lançando o repto para um dos piores desfechos de sempre na história das produções televisivas. Acredito que não seja fácil manter o ritmo frenético e principalmente a criatividade ao longo de tantos anos, mas este final fez-nos quase acreditar que a Showtime quis apressar a sua conclusão, principalmente se virmos a quantidade de coisas que aconteceram no último episódio, que bem esmiuçadas davam por si só, quase uma temporada inteira. Foi muito estranha a forma como Dexter, depois de tudo o que enfrentou e lutou para ser a pessoa que é naquele momento, mesmo com o universo a conspirar contra e a retirar-lhe as bases para ser feliz, decide repentinamente que o seu Passageiro Sombrio já não existe mais e perante a morte de Deb, sente que não merece qualquer tipo de felicidade isolando-se numa montanha remota, tornando-se num lenhador. Soa estranho certo? É porque é e este derradeiro final não agradou aos milhares de fãs que esperavam, pelo menos, um desfecho mais digno para a série e indiscutivelmente, para a personagem que os apaixonou durante tanto tempo.

Dexter
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Ainda assim, não existe outro como ele e mesmo com uma conclusão desapontante, sempre que me perguntam qual é a minha série favorita, esta está indiscutivelmente nos primeiros lugares. Já não é a primeira nem será certamente a última produção que termina de forma abrupta, basta olharmos para “Game Of Thrones” ou para uma mão cheia de outras que no fim não conseguiram corresponder às expectativas dos seus fiéis seguidores. Mas este elemento por si só não faz com que toda a experiência que vivemos no lado sombrio deste serial killer desapareça, aliás, dá-nos a esperança de que Dexter Morgan tenha o final que merece no seu novo spin-off, que estreia já no dia 8 de novembro, na HBO Portugal.

Dexter, série completa em análise
Dexter Poster

Name: Dexter

Description: Dexter Morgan é um perito em salpicos de sangue da Polícia Metropolitana de Miami, complicado, dividido e com o seu próprio sentido perverso de justiça, dado que passa os dias a resolver crimes, e as noites a cometê-los.

  • Filipa Carvalho - 90
  • Inês Serra - 90
90

CONCLUSÃO:

“Dexter” continua a ser um fenómeno dentro do seu género, trazendo algo de novo para o panorama televisivo que marca ainda hoje uma geração. O lado macabro, frio e calculista que vemos no início vai dando lugar a uma evolução da personagem e da trama que nos deixa completamente colados ao ecrã e que, quinze anos depois, ainda continua a ser atrativo para os novos espectadores que vão surgindo.

Pros

  • Todo o argumento da série, que a torna única no seu segmento
  • A exímia interpretação de Michael C. Hall
  • As personagens introduzidas ao longo da série nunca surgem ao acaso e cada uma tem uma história para contar
  • A 4ª temporada, sem dúvida para ver e rever

Cons

  • As duas últimas temporadas deixaram bastantes dúvidas e não convenceram
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