Carla Chambel e Welket Bungué em "Porque odeias o teu Irmão?" © MauMau Mia

Carla Chambel e Welket Bungué em entrevista exclusiva

A Magazine.HD esteve à conversa com Carla Chambel e Welket Bungué, protagonistas da curta-metragem “Porque Odeias o Teu Irmão?”. 

A Magazine.HD esteve à conversa com Carla Chambel e Welket Bungué, os atores protagonistas da curta-metragem “Porque Odeias o Teu Irmão?“, que em princípio será lançada na 14ª edição do MOTELX – Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa, que decorrerá em setembro.

Em “Porque Odeias o Teu Irmão”, deparamo-nos com a relação conturbada entre os irmãos Clara e Víctor, marcada pelo desacordo sobre o rumo a tomar em relação à relíquia da família, e abalada pelo súbito aparecimento de um visitante inesperado chamado Luís. No papel de Clara encontramos Carla Chambel, reconhecida pelos espectadores portugueses pelo seu papel como Celeste Rodrigues em “Amália – O Filme” (Carlos Coelho da Silva, 2008) e também pelos seus desempenhos em televisão na telenovela “Vingança” (2006-2007) da SIC e da série “Bem-vindos a Beirais” (2013-2016), na RTP. Já a personagem de Luís é vivida pelo ator luso-guineense Welket Bungué também ele reconhecido no nosso país por filmes como “Cartas da Guerra” (Ivo Ferreira, 2016), Terra Amarela (Dinis M. Costa, 2018) e até pela sua participação na sexta temporada dos “Morangos Com Açúcar”, da TVI.

Porque Odeias o Teu Irmão?” é uma curta-metragem realizada pela dupla de cineastas Pedro Martins e Inês Marques e conta com distribuição da MauMau Mia, uma produtora de projetos independentes que tem vindo a apostar em novos conteúdos audiovisuais e para o streaming. “Porque odeias o teu irmão?” completa assim um portfólio de curtas metragens que incluem filmes como “Usados” e “Descartáveis”, rodados em 2019 e 2020, respetivamente.

Conhece agora a nossa conversa com estes artistas do cinema português que, também viram a oferta de trabalho afetada durante o período do estado de emergência vivido em Portugal pela pandemia da Covid-19.

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MOTELX
Welket Bungué em “Porque odeias o teu Irmão?” © MauMau Mia

MHD: “Porque odeias o teu irmão?” é uma curta metragem sobre a família. Porque é que o cinema continua a explorar o ambiente familiar?

CC: O cinema tem esse poder de entrar na casa, ser voyeur dos assuntos íntimos. Na História nós conhecemos o geral, os acontecimentos, mas e o que se passa na casa dos generais, que também são filhos, pais e maridos? É esse lado que humaniza as figuras, porque o espectador se identifica com os seus dilemas, as suas angústias, os seus segredos. O ambiente familiar mostra-nos o que temos de melhor e pior, pois quem mais amamos também é, às vezes, quem mais maltratamos, e isso, para uma história, são pérolas. Encontramos isso no “Porque odeias o teu irmão?”.

WB: A meu ver, este é um filme que se debruça sobre aspetos da relação familiar, mas sobretudo sobre o passado, e tem um mistério que está associado ao período colonial, mais especificamente no continente africano, que de alguma maneira assombra e visita o presente da família retratada no filme. O drama familiar enquanto tema recorrente na cinematografia, sobretudo ocidental, é um reflexo de uma necessidade de pensar as relações estruturais e funcionais no âmbito familiar, mas também de reproduzir algumas lógicas que o cinema, de alguma maneira, molda através dos enquadramentos, das imagens, do discurso e do diálogo.

Isso não deixa de ser uma forma de expressar e questionar, continuamente, as diversas faces que as relações têm no âmbito familiar. Há sempre muita coisa que fica por resolver ou por ser dita, e como o cinema nos dá a capacidade de revisão e de identificação, este é um tipo de tema que não se esgota, dado que já vem desde as grandes tragédias gregas. Portanto, acredito que o cinema vai continuar a trabalhar estas temáticas porque muitas das vezes estes filmes questionam mais determinados hábitos, padrões e comportamentos do que propriamente conseguem arranjar soluções para isso. É aí que reside o caráter dramático deste género de cinema.

MHD: Em que sentido a curta vos fez sair da zona de conforto? Como se sentiram durante as filmagens?

CC: Eu odeio filmes de terror, como espectadora. Não gosto, não me cativa, odeio sentir medo. Mas desta vez estava do outro lado da câmara, a viver a história, a ter a possibilidade de me divertir com o macabro. Percebi que deste lado me divirto mais do que como espectadora.

WB: Não diria que este filme me fez sair da zona de conforto, porque retrata uma temática que já tinha visitado anteriormente. No entanto, a intimidade que é proposta pelo guião entre a minha personagem e a da Carla Chambel é algo que, estando nós a trabalhar no formato de curta metragem, exige uma certa maturidade dos atores, porque a proximidade que o guião sugere não tem um espaço razoável naquela que é a duração da nossa narrativa, para sentirmos que essa proximidade tem um desenvolvimento.

Esse é um dos contornos que esta história de suspense dramático apresenta, e intersecciona uma memória colonial com esta relação quase passional entre duas personagens contemporâneas que, ao mesmo tempo, também desmistifica a ideia de um certo saudosismo, que habita a memória colonial dos portugueses em geral, mostrando através da tela que é possível haver esta interseção cultural e étnica que, justamente, aproxima duas pessoas com histórias completamente distantes do ponto de vista cultural e social.

Carla Chambel
Carla Chambel em “Porque Odeias o Teu Irmão?” © MauMau Mia

MHD: Em que consistiu o processo de preparação para as vossas respetivas personagens? Esta preparação é mais desafiante numa curta metragem do que numa longa metragem ou mesmo no projeto televisivo?

CC: Conheci o realizador Pedro Martins e a equipa criativa numa reunião no Campo Pequeno, já em período Covid, mas antes do confinamento. O Pedro contextualizou-me a história e a personagem, e adorei a ideia de esta ser construída a partir do conto infantil da Branca de Neve e depois toda ela ser descontraída para resultar num conto macabro e perturbador. Estas balizas foram importantes. Numa curta metragem temos menos tempo para contar a história e por isso temos que ser mais exatos, mais eficazes, cada plano acrescenta qualquer coisa ao anterior. Nada se repete para explicar ao espectador, avança sempre. Acho muito mais difícil de criar boas histórias para uma curta do que para uma longa.

WB: Este filme exigiu uma dedicação tremenda na pesquisa, especificamente sobre as máscaras maconde, que fazem parte da cultura étnica nativa moçambicana. Portanto, isso implicou um determinado estudo, perceber qual é a localização geográfica dessas etnias e, também, entender a sua importância e como é que, do ponto de vista narrativo, seria verosímil a relação da mãe com essa máscara, e também a relação da minha personagem com ela enquanto artefacto.

MHD: A produtora MauMau Mia reforçou os seus conteúdos audiovisuais e a aposta em projetos como “Porque odeias o teu irmão?”. Acreditam que o cinema português tem vindo a crescer em comparação, por exemplo, com os anos em que iniciaram as vossas carreiras enquanto atores?

Carla Chambel
Carla Chambel por Luís Silveira Castro © Luís Silveira Castro

CC: Sem dúvida. A “democratização” da tecnologia, ou seja, a passagem da película para o digital proporcionou que mais criadores tivessem a possibilidade de mostrar as suas ideias. E também a possibilidade de falhar. E a falha vem do risco, de explorar o desconhecido. Essa possibilidade de falhar permite ao artista crescer, seja realizador, seja ator. Contudo, muitas das vezes, essa aposta é um investimento que as produtoras sabem que não vão ter retorno comercial. A MauMau Mia investe parte do seu orçamento em curtas-metragens porque reconhece o valor dos festivais do circuito, que cada vez mais divulgam o bom cinema que se tem feito. E essa valorização, que não é de todo comercial, é muito importante para dar a conhecer os realizadores, as novas linguagens, os novos tempos. E para quem possa ser potencial investidor, seja o Estado, instituições ou marcas, o retorno vem na divulgação e reconhecimento crescente que estas curtas têm nos festivais, tanto nos portugueses como nos internacionais, assim como nas plataformas digitais.

WB: Eu diria que é uma mais valia haver produtoras como a MauMau Mia que ainda apostam parte do seu orçamento, sabendo que não terão lucro, em formatos de curtas-metragens dentro do género de terror e suspense – e que, a bem dizer, em Portugal não têm um público definido nem um espaço predileto para serem vistas.

MHD: O que nos fala “Porque odeias o teu irmão?”? Qual acreditam que será a reação do público ao ver o vosso filme?

CC: “Porque odeias o teu irmão?” fala-nos de Clara, uma mulher que abdicou do seu sonho de ensinar para cuidar da mãe, que ficou totalmente dependente. Essa dedicação, que por vezes também a faz sentir como obrigação, anulou-a como mulher a todos os níveis. O irmão desapareceu, nunca mais deu notícias e Clara sentiu-se abandonada. Irmão esse, que é o filho predileto, e isso também comporta uma mágoa entre filha e mãe. Uma trama familiar de violência física e psicológica que é interrompida por um homem que entra naquela casa de forma aparentemente inocente, mas que percebemos que está ligado ao passado daquela família. Julgo que o público fará a interrogação que o título sugere ao longo do filme, e pouco a pouco irá tirando as suas conclusões. Sofrerá com a Clara e odiará a Clara. Nada é o que parece.

WB: Muito sinceramente, não sei o que esperar da reação do público porque este filme, dentro daquilo que é a filmografia de autores independentes que vigora em Portugal, sobretudo no formato de curtas-metragens, não é um tipo de filme para o qual haja um público já disposto ao seu consumo. E também é um filme que se rebela muito do rótulo de cinema de terror ou suspense: é dramático, contextualizado com referências históricas de um passado relativamente próximo dos portugueses, e constrói-se narrativamente na coloquialidade da rotina típica de um cidadão português.

Portanto, o filme é muito realista também nesse sentido e, claro, durante as filmagens já fomos obrigados a ter em conta alguma precaução por conta da proliferação da pandemia, o que também influenciou a energia e a tensão pessoal de cada um de nós durante a filmagem, contribuindo, construtivamente, para a interpretação do papel das nossas personagens. Espero que o filme consiga fazer com que as pessoas sintam medo e se emocionem, mas sobretudo que consigam passar ali um momento em que compreendam que estão perante uma boa história. É esse o feeling que espero que as pessoas tenham.

MHD: O Motelx foi o festival escolhido para o lançamento de “Porque odeias o teu irmão?”. A curta limita-se ao género do terror ou quebra esta barreira do género?

CC: Não sou a pessoa mais acertada para falar de géneros, porque o que me entusiasmam são as histórias. Julgo que a curta tem vários ingredientes, sendo que o terror psicológico é o que a evidência. Pelo menos no meu ponto de vista. Estamos na expectativa de sermos selecionados para o MoteLX e mantemos a intenção de fazer lá a estreia do “Porque odeias o teu irmão?”.

WB: Na verdade, o filme ainda não foi selecionado para o Motelx’20, mas é intenção da MauMau Mia que este tenha a sua estreia no festival e que, idealmente, seja muito bem recebido pelo público.

MHD: Quais serão os vossos próximos projetos? Sentiram alguma consternação profissional pela crise económica gerada pela pandemia Covid-19?

CC: Claro. No meu caso dois meses parada. Desisti de uma filmagem para um projeto profissional porque senti que já não iria estar em segurança nem assegurar a saúde dos outros, visto que tinha estado em Ovar no início da pandemia em Portugal. Também suspendi a produção de um documentário que estava a produzir e esse também não sei quando irei retomar. Voltei ao trabalho dia 15 de maio numa produtora de televisão, com todas as condições de segurança. A pouco e pouco também já regressei às locuções e dobragens. Sinto-me privilegiada, tendo em conta o panorama da maioria dos profissionais do espetáculo e audiovisual.

Welket Bungué
Welket Bungué na promoção do filme “Joaquim” (Marcelo Gomes, 2017) na Berlinale © Berlinale

WB: Até ao momento, não tenho nenhum projeto agendado em Portugal, mas tenho um filme que está nomeado para melhor curta-metragem de ficção para os Prémios Sophia da Academia Portuguesa de Cinema, portanto esse será um dos motivos que me levará, muito em breve, ao país. Neste momento estou no Rio de Janeiro, que foi onde passei estes últimos três meses, e tenho duas curta-metragens que consegui finalizar durante este período de confinamento domiciliário: “Bustagate” e “Treino Periférico”.

Estou a aguardar a seleção destes filmes para algum festival e, por outro lado, terei a estreia comercial do filme “Berlin Alexanderplatz” na Alemanha, que é onde moro atualmente. Confesso que estou curioso para ver como é que será esta nova normalidade pós-COVID 19, particularmente a forma como vamos reinventar as diversas formas de expressão artística e individual, porque temos bastantes problemas, sobretudo do foro dos Direitos Humanos e Sociais, para os quais a sensibilização através da arte e, especificamente, do cinema e das peças audiovisuais, tem que ser tida em conta, uma vez que estamos numa era digital, na qual cada vez mais o consumo é feito à distância através dos aparelhos móveis.

É importante, também, começar a pensar o cinema nesse sentido mais intervencionista, que não pode ser só entretenimento, tem que trazer realidades distantes para o enquadramento cinematográfico e fazer com que as pessoas possam sentir e questionar o lugar de conforto e de privilégio onde uma grande parte de nós se encontram, mas que não estão conscientes que é preciso abrir mão de alguns privilégios para balançar e trazer algum equilíbrio ao nível global, que permita dar voz a toda a gente e, sobretudo, às pessoas mais carenciadas que são mais vulneráveis a todo o tipo de coisas.

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One thought on “Carla Chambel e Welket Bungué em entrevista exclusiva

  • Mutter: 5*

    Vejam este filme “Mutter”, pois não se vão arrepender. É também uma curta-metragem protagonizada por Welket Bungué. Esta onde se pode visualizar?

    Cumprimentos, Frederico Daniel.

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