Brooklynn Prince em "Calafrio" (2020) |©NOS Audiovisuais

Calafrio, em análise

“Calafrio”, de Floria Sigismondi, é uma nova interpretação do livro “The Turn of the Screw”, da autoria de Henry James. Esta ambígua versão promete deixar os espectadores confusos e desapontados em igual medida. Estreou nas salas de cinema nacionais no dia 30 de janeiro. 

“The Turn of the Screw”, traduzido em português para “Calafrio” aquando da sua primeira tradução, é um romance de terror britânico originalmente publicado, sobre a forma de série de folhetins, em 1898.

O livro é considerado um objecto misterioso e controverso, onde o destino da personagem principal se encontra envolto em permanente dúvida. É a história de uma preceptora e de duas crianças possuídas pelos fantasmas da antiga preceptora da casa e de um criado. Contudo, estão as crianças possuídas ou é a protagonista vítima da sua própria imaginação e paranóia?

Esta é uma das narrativas fundadoras do género do terror, e teve já direito a um vasto número de adaptações ao cinema, e a outros formatos artísticos. Entre as adaptações cinematográficas destacam-se “Os Inocentes” (1961) e a aclamada adaptação livre “Os Outros” (2001). Sendo suficientemente genérica, mas ainda assim aberta a inúmeras interpretações, não é surpreendente que esta obra tenha resistido ao teste do tempo.

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Agora, surge mais uma adaptação de “Calafrio”, no português. Tudo nesta parecia mais do que promissor – a realizadora Floria Sigismondi tem um currículo curioso e eclético, tendo realizado e escrito o filme “As Runaways” (2010), realizado inúmeros videoclipes interessantes de estrelas da música pop e até alguns episódios da série distópica “The Handmaid’s Tale”. O argumento ficou a cargo de Chad Hayes, que escreveu os dois primeiros capítulos de “The Conjuring – A Evocação” (2013 e 2016). Steven Spielberg até esteve a certa altura associado ao projecto, e serve como produtor executivo.

No elenco, a enorme estrela em ascensão Mackenzie Davis (“Exterminador Implacável – Destino Sombrio”, “Tully”) dá vida à preceptora Kate Mandell. O irmão mais velho entre os órfãos, Miles Fairchild, é interpretado por Finn Wolfhard – o Mike de “Stranger Things” que começa cada vez mais a dar cartas no cinema. Brooklynn Prince, a para lá de talentosa menina de 9 anos que brilhou em “The Florida Project” (2017), dá vida à irmã mais nova, Flora Fairchild.

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Mackenzie Davis e Finn Wolfard em “Calafrio” (2020) |©NOS Audiovisuais

Tudo em “Calafrio” parecia estar alinhado para o sucesso, com boas credenciais atrás da câmara e bom talento frente a ela. Esta versão tentou tornar o livro mais moderno, localizando-o não na Inglaterra Vitoriana mas nos Estados Unidos dos Anos 90. O movimento do Grunge encontrava-se no seu auge, e também no seu momento mais fatídico com a morte de Kurt Cobain. É esse o ponto de referência que nos leva para uma versão extremamente anacrónica. Flora e Miles vivem uma vida vitoriana, numa enorme mansão e a sua vida é regida por tutores, colégios privados e governantas. De certa forma, a “modernização” começa a falhar desde aqui. Uma versão actualizada ou uma tentativa de inovar sem nada alterar?

“Calafrio” (2020) não segue inteiramente a premissa nem os desenvolvimentos do romance que o inspirou. Visualmente capaz e até deslumbrante nos primeiros planos iniciais da enorme mansão, “Calafrio” parece promissor durante grande parte da sua primeira metade. Vamos conhecendo a mansão, as crianças e somos confrontados com a sua inquietante e freudiana estranheza, com o sentimento de uncanny que estes miúdos provocam no espectador. Assim, considerando a recepção crítica horrenda, “Calafrio” não se limita a ser péssimo. As suas qualidades redentoras situam-se num primeiro e talvez até segundo ato.

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Davis é um dos maiores trunfos do filme |©NOS Audiovisuais

A certa altura, e para desgosto do espectador, compreendemos que “The Turning” não é capaz de convencer quando se aproxima do seu  clímax. Ao invés de sentirmos um crescendo na tensão, a intensidade dramática vai mirrando. Os jump scares (sustos) são previsíveis, de lenta e maltrapilha execução. Incapazes de assustar o mais medroso dos espectadores, bocejos é tudo o que se pode esperar dos mecanismos narrativos empregues. E isto nunca devido às prestações dos seus intérpretes centrais. Davis, Wolfhard e Prince desempenham perfeitamente os seus papéis, e fizeram o que podiam com este material bruto desperdiçado.

Apesar de ser detentor de agradáveis décors, os efeitos especiais de “Calafrio” deixam adivinhar que o orçamento estimado de 14 milhões de dólares não foi suficiente para dar conta do recado. São catastróficas as formas espectrais, e vão removendo a pouca credibilidade que poderia restar ao último acto do projecto. Para piorar tudo, o filme apresenta pouquíssimas respostas, muitas perguntas e uma reviravolta final que torna todos os acontecimentos anteriores ilógicos.

Com um elenco capaz, uma fotografia competente, um design de produção com algum valor e uma realização que acerta em certos pontos para falhar redondamente noutros, “Calafrio” é vítima de um argumento fraco e de algumas escolhas que limitam o seu potencial. 

Calafrio, em análise
calafrio

Movie title: Calafrio

Date published: 2 de February de 2020

Director(s): Floria Sigismondi

Actor(s): Mackenzie Davis, Finn Wolfhard , Brooklynn Prince

Genre: Terror

  • Maggie Silva - 40
40

CONCLUSÃO

“Calafrio” é uma adaptação moderna de um clássico do final do século XIX. Preso entre diversas temporalidades conflituosas, o filme nunca consegue encontrar o seu ponto de equilíbrio.

O MELHOR: A mise-en-scène e os intérpretes centrais.

O PIOR: O terrível plot twist ilógico (que aqui não será explicitado), e a incapacidade de criar tensão dramática. Embora o enredo seja interessante, a acção torna-se para lá de enfadonha. O crédito que sobra vai mesmo para a base literária.

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One Response

  1. Frederico Daniel 10 de Fevereiro de 2020

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