LEFFEST ’20 | Kajillionaire, em análise
“Kajillionaire”, de Miranda July, é um dos filmes que integra a seção “Selecção Oficial – Fora de Competição” na edição de 2020 do LEFFEST. A longa-metragem teve direito a sessão única no dia 17, perante uma plateia bem composta, presenteada com uma narrativa trágico-cómica invulgar.
Miranda July, autora consagrada que realizara previamente longas-metragens como “Me and You and Everyone We Know” (2005) ou “The Future” (2011), apresenta em 2020 este “Kajjilionaire”, um filme camaleão que se mascara de comédia de vigaristas para refletir sobre solidão, a sociedade de consumo ou a inadequação emocional que afeta tantas relações familiares.
Este é um filme de afetos conduzido por um elenco para lá de talentoso. No centro da trama encontramos Theresa (Debra Winger) e Robert (Richard Jenkins), um casal na casa dos 60 que viveu quase toda a sua vida ligeiramente à margem da lei, a perpetuar pequenos esquemas e aldrabices que mal lhes permitem sobreviver, vivendo sempre no limiar da pobreza.
Theresa e Robert são personagens enigmáticas mas pouco aprofundadas, uma vez que o filme é menos sobre eles e mais sobre as suas dinâmicas de relação com Old Dolio (Evan Rachel Wood), a sua filha de 26 anos que cresceu no seio destas burlas, treinada para seguir as pegadas dos pais. Old Dolio, assim nomeada devido a um esquema do passado, é quase uma criatura selvagem, aversa ao toque e não integrada na sociedade. É triste, distante e largamente mal amada. É uma criatura inesperada, única e impecavelmente interpretada por uma sempre versátil Evan Rachel Wood (“Treze – Inocência Perdida”, “Westworld”).
Os seus esquemas têm quase uma lógica matemática, um ciclo, uma rotina. Contudo, tudo muda quando conhecem Melanie (Gina Rodriguez, uma força da natureza para quem conhecer a comédia satírica “Jane, The Virgin”). Esta jovem que integra a pandilha fá-lo não por necessidade mas por puro aborrecimento, porque “gosta muito dos filmes do Ocean’s 11”.
Não obstante, “Kajjilionaire” é demasiado triste e lento para se assemelhar de forma alguma a um heist movie (filmes de assaltos como “Ocean’s Eleven” ou tantos outros desde então e antes dele). Melanie traz uma nova humanidade a este grupo e somos confrontados com momentos de profunda ternura e afeto que pareciam impossíveis no quadro inicial do filme. Contudo, a lógica evolutiva é inegável e envolvente.
Esta história é simples e bela, capaz de fazer muito com pouco. Entre o diálogo invulgar, os gestos e trejeitos peculiares dos foras-da-lei que orientam a história, faz-se uma narrativa que poderia cair em mil clichés, os quais evita sempre com perícia. “Kajjilionaire” trata-se de uma produção da “Plan B Entertainment” de Brad Pitt, que aqui age como produtor executivo. Sem surpresa, e como é alías hábito nos filmes onde põe o dedo, esta é uma história que coloca a sua tónica nos valores de interesse humano, explorando a fragilidade de relações essenciais para a constituição do sujeito.
De comédia ligeiramente absurda, o filme evolui para um romance sentido e até melancólico. E como que tomados de assalto, saímos do cinema de coração cheio e com um sentido renovado de esperança.
O filme, estreado no Festival de Sundance e parte da seleção oficial da Quinzena dos Realizadores de Cannes, não tem ainda data de estreia prevista para Portugal.
TRAILER | “KAJILLIONAIRE” DE MIRANDA JULY
Kajillionaire, em análise
Movie title: kajillionaire
Date published: 19 de November de 2020
Country: EUA
Duration: 109'
Director(s): Miranda July
Actor(s): Evan Rachel Wood, Gina Rodriguez, Richard Jenkins, Debra Wiger
Genre: Comédia, Drama, Crime
-
Maggie Silva - 80
CONCLUSÃO
Um elenco forte, um argumento pautado pela constante evolução e uma ternura fora de série fazem de “Kajillionaire” uma história muito mais forte do que simplesmente uma comédia absurda sobre foras-da-lei aldrabões.
Pros
As peculiaridades desta família e o esforço da narrativa para se manter estimulante mas sempre comtemplativa. Atingir esse equilíbrio foi um desafio ultrapassado com sucesso.
Cons
Old Dolio e Melanie são personagens bem formadas e que dão espaço para as suas atrizes brilharem, especialmente Evan Rachel Wood. Contudo, Debra Winger e Richard Jenkins têm personagens com pouco passado e contexto. Seria interessante saber mais.
Seria também valioso que a natureza estética do filme acompanhasse a sua narrativa fora da caixa. Tal não acontece e a mediocridade no enquadramento de planos e na Mise-en-scène é evidente.