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Miss Marx, em análise

‘Miss Marx’, da realizadora italiana Susanna Nicchiareli e protagonizado pela actriz britânica Romola Garai é uma versão cinematográfica feita ao ritmo do punk, sobre a vida de Eleonor, a filha mais nova do filósofo político, e um manifesto socialista que quebra em boa parte, com as regras da realidade. 

Esta ‘Miss Marx’ que vamos conhecer neste filme, estreado na competição dos Festivais de Veneza e San Sebastián em 2020, reforça, apesar da inusitada música e estética punk, as enormes qualidades e a personalidade exemplar desta incontornável figura histórica, que provavelmente poucos conhecem ou pensam que seria a ‘cara do pai’. Eleanor (‘Tussy’) Marx, a filha mais nova de Karl Marx, pelo contrário fez sempre tudo para sair da sombra e da pesada herança intelectual do pai, procurando destacar as suas próprias ideias, um percurso político e cultural autónomo. Eleanor, foi igualmente, uma mulher brilhante, inteligente, apaixonada e (aparentemente) de livre de pensamento. Foi uma das primeiras mulheres a defender os temas do feminismo e do socialismo democrático, participando activamente nas lutas dos trabalhadores, na defesa dos direitos das mulheres e na abolição do trabalho infantil, na Inglaterra, dos finais do século XIX ; viajou inclusive para os EUA, como conferencista e divulgadora do movimento socialista de esquerda na Europa. Além de ter sido, uma prolífica tradutora para inglês de grandes obras da literatura mundial como: ‘Madame Bovary’, de Gustav Flaubert, ou das peças de teatro ‘A Dama do Mar’, ‘Um Inimigo do Povo’, ’A Casa de Bonecas’, de Henrik Ibsen. Em 1883, conheceu o biólogo e dramaturgo Edward Aveling e a sua vida acabou destruída, por essa profunda, apaixonada e trágica história de amor, afinal por um indivíduo também genial, mas boémio e mulherengo, que literalmente lhe deu cabo da vida.

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Para melhor recordá-la e ter uma ideia sobre a sua enorme personalidade e formação, nada melhor que as palavras Rachel Holmes, a sua biógrafa: ‘A intimidade da infância de Eleanor com o pai Marx, enquanto este escrevia o primeiro volume de ‘O Capital’, forneceu-lhe uma profunda base da história económica, política e social britânica’. Porém, só depois de cuidar dos seus pais já doentes e do seu sobrinho, teve a possibilidade de lançar-se numa intensa actividade política, que a princípio teve a cumplicidade directa desse seu companheiro, — com que nunca casou e por isso essa analogia de Miss Marx — Edward Aveling, também um grande ativista socialista, que Eleanor conheceu em 1883, então com 28 anos. Foi um relacionamento infeliz, trágico, que abalou completamente Eleanor: o seu companheiro esbanjou todo o dinheiro herdado da família Marx e do Partido Socialista Trabalhista. Em 1898, aos 43 anos, a ainda jovem pensadora, política e tradutora, suicidou-se ao descobrir que Aveling havia, ainda para mais, casado secretamente com uma jovem atriz Eva Frye, usando seu pseudónimo de  dramaturgo teatral Alec Nelson.

Miss Marx
Miss Marx /Midas Filmes©

‘Miss Marx’, o novo filme da realizadora italiana Susanna Nicchiarelli, (Nico, 1988), com Romola Garai (Hong-Kong, 1982) como protagonista, conta essa história de grandeza e queda dessa notável mulher, que morreu jovem e, como quase todos os mitos populares, carregada de infelicidade. O filme, estreado em Veneza 77, levantou opiniões, aliás bastante díspares, a favor e contra: ao revelar uma Eleanor vibrante, que dançava músicas punk, para exteriorizar a sua raiva interior e sua desolação. Porém, esta ideia de adicionar um pouco de som punk ou rock a figuras históricas, que muitas vezes são reveladas em simples retratos cinematográficos de época, nem sempre é muito bem aceite. De qualquer modo, já foi feita em Marie Antoinette (2006), de Sofia Coppola. Este filme, aliás tinha música dos New Order e Siouxsie and Banshees. Uma experiência que até funcionou muito bem e neste ‘Miss Marx’, diria, funcionou menos mal! Contudo, na tentativa de decifrar o enigma que foi a vida de Eleanor Marx (Romola Garai), falecida aos 43 anos, Nicchiarelli conta efectivamente com uma excelente banda sonora. Para alguns pode tornar-se bastante estridentes, causando alguma estranheza, num filme de época, numa personagem com um culto revolucionário e ainda por cima marxista. O que é facto é que essa combinação que torna o filme intemporal, pode não ser original, mas acaba por ser um dos grandes suportes do filme um pouco cinzento que merecia muito mais dada a grandeza da personagem. É na sua dança frenética que a personagem de Eleonora, expressa a sua indignação e raiva oculta contra si própria, contra as injustiças e mal-estar da sua época. Talvez mais até que nas suas manifestações, na sua intensa actividade política. Eleanor foi uma grande lutadora de rua, mas dentro de casa, perdia todo o seu brilho e independência, parecendo quase este filme, uma alusão à peça ‘A Casa de Bonecas’, de Henrik Ibsen, que curiosamente ela própria, segundo consta, traduziu. Esta sua dependência passa primeiro pelo pai e depois pelo homem com quem viveu Edward Aveling (Patrick Kennedy), numa relação que acabou aliás por se tornar bastante penosa. A única declaração honesta e direta sobre a sua situação de dependência, vem da boca de outra personagem do filme. Porque para Eleonor parece quase uma espécie de aceitação do seu destino trágico.

Miss Marx
Miss Marx /Midas Filmes©

A história de Eleonor Marx, tem ainda muitas semelhanças com ‘Nico, 1988’, — um biopic musical sobre a última fase da vida da cantora-compositora Nico, o ícone feminino dos Velvet Underground — o filme anterior de Susanna Nicchiarelli, apresentado igualmente em Veneza 2017. Este filme era protagonizado pela extraordinária actriz dinamarquesa Trine Dyrholm — uma das melhores actrizes europeias da actualidade. Em ambos os filmes as protagonistas reais, são mulheres famosas, que partilham não apenas longos cabelos e irreverência, mas também, uma profunda infelicidade e depressão. Em ‘Miss Marx’, a interpretação de Romola Garai é absolutamente comovente, seja resignando-se ao seu destino; seja contando a suposta ‘perfeita’ história de amor dos seus pais, logo no início e durante o funeral de seu pai — com a inusitada interpretação do realizador alemão Philip Gröning, (‘O Grande Silêncio’, 2005) que interpreta o falecido Marx. História essa que não correspondeu à realidade, já que Karl Marx foi também um homem que após a sua morte, consegui igualmente decepcionar sua filha. A atriz Romola Garai é também muito melhor intérprete nas cenas mais estouvadas, do que nas cenas mais rígidas e teatrais, em que se vê obrigada a virar-se para a câmera para contar as suas verdades e ideias. Tal como no seu filme anterior sobre a Nico, a realizadora romana parece aceitar que apesar de muitas ideias, movimentos e de muitos olhares para o passado, sobre a situação das mulheres, que muitas coisas sobre a sua condição feminina, nunca irão mudar muito no futuro. De qualquer modo, quanto mais não seja pela música e pela empatia que vamos criando com a personagem, ‘Miss Marx’ é um filme que vale a pena ver!

Miss Marx, em análise
Miss Marx

Movie title: Miss Marx

Date published: 29 de May de 2021

Director(s): Susanna Nicchiarelli

Actor(s): Romola Garai, Philip Gröning, Patrick Kennedy

Genre: Itália/Bélgica, Ficção, 107 minutos, 2020

  • José Vieira Mendes - 65
65

CONCLUSÃO:

’Miss Marx’, de Susanna Nicchiareli não é propriamente um biopic convencional, de Eleonor Marx, que se remeta a um simples retrato de época de uma figura histórica. É antes demais a história de uma mulher vibrante, furiosamente interpretada por Romola Garai, da sua desilusão em relação à sociedade da época e, ao ritmo intemporal do punk. É também uma história de traições, desapontamentos, não apenas em relação ao arruinado e mulherengo Edward Aveling, que foi a gota de água para a tragédia, mas sobretudo em relação à figura tutelar do seu pai o grande: Karl Marx. Todos os personagens parecem presos nas casas e nos ambientes escuros e sufocantes da época, por isso fica-se com a sensação que desistiram da vida. Conhecendo o destino de toda a família Marx, incluindo o de Eleanor, parece óbvio que para eles não vale a pena insistir, já que a vida é uma merda! Mas este filme não!

O MELHOR: A interpretação da actriz Ramona Garai é bastante forte, convincente e tocante;

O PIOR: A ideia de alterar a realidade com o som e a estética musical, não é original mas é a boa vibração do filme.

JVM

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