Pieces of a Woman, em análise
“Pieces of A Woman “, primeira obra em língua inglesa de Kornél Mundruczó (“Deus Branco”) , nitidamente uma narrativa escrita por uma mulher , relata na primeira pessoa as provações inerentes à perda profunda representada pela morte de um bebé recém-nascido.
Vanessa Kirby (“The Crown”) entrega aqui uma das grandes prestações do ano, neste filme Netflix chegado à plataforma a 7 de janeiro de 2021.
Uma produção original Netflix, “Pieces of A Woman ” estreou pela primeira vez no circuito de festivais no ano passado, em Veneza. Nesta edição invulgar do festival de cinema mais antigo do mundo, realizada durante a crise pandémica, o filme encontrou-se em competição para o Leão de Ouro e, embora não tenha levado o prémio mais importante do certame, venceu o Arca CinemaGiovani Award, ou prémio jovem.
Conquistou ainda, em Veneza, a prestigiante Volpi Cup de Melhor Atriz, entregue a Vanessa Kirby. Este foi o primeiro indicador de que Kirby poderia entrar, com “Pieces of A Woman “, na corrida aos Óscares em 2021. Ainda recentemente Emma Stone venceu a Volpi Cup e posteriormente o Óscar de Melhor Atriz por “La La Land “. Premiações e reconhecimentos de indústria à parte, partimos para a experiência de ver “Pieces of A Woman ” com duas certezas: não será um filme fácil e podemos preparar-nos para uma prestação do mais alto nível.
“Pieces of A Woman ” conta a história de Martha (Kirby) e Sean (LaBeouf), um jovem casal que aguarda com ânsia a chegada de uma muito desejada bebé. O seu pequeno núcleo familiar está prestes a aumentar e a harmonia reina no cosmos doméstico. Contudo, a sua vida e relação vêem-se transfiguradas para sempre depois de um parto caseiro resultar em tragédia. É este o ponto de partida para o filme, o qual nos permite contemplar as consequências da devastação de tal perda no corpo e na mente de uma jovem mãe.
Filmes sobre o que acontece a um casal quando um filho morre são abundantes mas “Pieces of A Woman ” eleva-se acima de diversos outros por não romantizar o seu objeto e tragédia e por colocar a ênfase não na paixão perdida, mas antes na vida perdida. É Martha que nos guia e nos convida para a sua intimidade, depois de um fortíssimo plano-sequência inicial a rondar os 20 minutos, o qual antecede a abertura de créditos do filme e nos permite assistir, sem cortes, ao fatídico parto – como espectadores e quase como membros do juri, antecedendo o processo em tribunal que se segue.
Este plano-sequência inicial é importantíssimo, ditando o tom para o resto da obra e antevendo os desenvolvimentos e o próprio clímax final. Embora esta sequência que acompanha a dança aparentemente banal do parto se distinga pela gentileza no trato, não deixa de procurar estimular uma sensação de realismo sufocante à medida que os problemas começam a suceder-se.
A narrativa entra, depois deste início marcante, numa nova lógica evolutiva fragmentada, à medida que os meses se vão sucedendo, e a relação de Martha e Sean vai sofrendo cada vez mais com as consequências desta morte. Um ponto importante do filme prende-se com a forma como tanto Sean, a sua mãe ( uma ainda em excelente forma artística Ellen Burstyn, que até tem aqui direito a um belo monólogo) e outros na sua vida vão tentando controlar o que Martha sente ou quer. Se inicia um processo contra a parteira, quais os preceitos fúnebres – todas estas condicionantes remetem para uma questão simples e fulcral, uma jornada de regeneração física e espiritual que deverá ser respeitada.
“Pieces of A Woman “, que conta com argumento de Kata Wéber (que colaborou já com o realizador e seu parceiro em “Deus Branco”), é um filme com um intuito muito claro, mostrar o que é viver com o trauma, ilustrando esta viagem através de uma alternância entre realismo, simbolismo e pura emotividade. É quando a narrativa, mais para o fim, se começa a focar na lógica de drama de tribunal que começamos a sentir que se está de certa forma a perder, ou pelo menos distanciar do foco original que fora dado a um retrato mais cru desta experiência.
A certa altura o filme perde também algum do seu poder, da sua tensão. Talvez o fantasma da sua sequência inicial seja demasiado avassalador para a restante hora e meia. Verdade seja dita, as mais de 2horas de duração não prestam um bom serviço a “Pieces of A Woman “, que poderia viver com menos vinte minutos, o que iria mitigar a natureza mais morna e letárgica do seu segundo acto, o qual acabou por transformar este num filme bastante desigual, embora pautado por certos momentos de extrema beleza. Por isso, dar-lhe uma nota quantitativa parece especialmente um esforço em vão, uma vez que muitos níveis distintos de execução se sobrepõem nesta obra.
De acordo com as declarações oficiais do realizador no âmbito do filme, a vontade de o concretizar partiu de uma experiência muito própria com um aborto espontâneo. Esta tentativa de personalizar a dor, de nunca a banalizar, de a escrutinar e enfrentar é evidente na obra. Depois de um segundo acto bastante desacelerado, eis que as últimas cenas do filme recuperam algum momentum, permitindo a Martha conciliar-se com os acontecimentos recentes da sua vida.
A catarse emocional é evidente e sentida, embora os mais céticos a pudessem encarar como excessivamente emotiva, em especial se confrontada com outros momentos do filme. A sequência final no tribunal tem até uma ligeira pinga de sensacionalismo, e remete este filme de um realizador húngaro um pouco mais para o domínio da lógica hollywoodesca, dos finais marcados por grandes gestos dramáticos.
Variações de tom e ritmo à parte, “Pieces of A Woman ” talvez pudesse ter sido mais, quiçá extraordinário fosse mais coeso e contido. Não obstante, é um filme que cumpre a sua premissa base e a dá resposta à sua raison d’être.
No final da visualização, fica a mágoa e a sensação de perda que comprovam que a missão dos autores se viu cumprida.
Pieces of a Woman, em análise
Movie title: Pieces of a Woman
Movie description: Uma mulher lida com a culpa e sofrimento depois de um parto doméstico resultar em tragédia.
Date published: 18 de January de 2021
Country: USA
Duration: 128 minutos
Author: Kata Wéber
Director(s): Kornél Mundruczó
Actor(s): Vanessa Kirby, Shia LaBeouf, Ellen Burstyn
Genre: Drama
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Maggie Silva - 80
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Virgílio Jesus - 70
CONCLUSÃO
“Pieces of a Women ” até pode depender de emotividade para fazer avançar a sua narrativa. Não obstante, o seu maior trunfo reside num imbalável propósito: representar uma situação limite na vida de um casal, e na vida de uma mulher, sem nunca embelezar ou romantizar o seu sofrimento.
Sim, há inúmeras outras histórias sobre a dolorosa experiência que é perder um bebé recém-nascido. Muitas focam-se no final da paixão, “Pieces of a Women ” coloca todo o seu ênfase no direito da mulher de lidar com o sofrimento nos seus próprios termos. É aqui que se encontra a sua força.
Pros
- Atuações dignas de prémios por parte de Vanessa Kirby e Ellen Burstyn.
- Um longo plano-sequência antes da abertura de créditos que assombra todo o resto do filme.
- A franqueza emocional.
- O foco na jornada da mulher e mãe.
Cons
- As fragilidades do segundo ato são colocadas em evidência face a uma abertura fortíssima que ameaça engolir o resto do filme – só temos direito à redenção num terceiro acto final capaz de fazer chorar as pedras da calçada.
- As variações de tonalidade são evidentes e por vezes fazem parecer que estamos a ver vários filmes distintos.
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A dor da perda de um bebê. Atuação de Vanessa Kirby é muito boa.
A dor da perda de um bebê. A atuação de Vanessa Kirby é muito boa.
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