"Diva Futura" | © Risi Film

Diva Futura, a Crítica | A Revolução do Desejo com Cicciolina e companhia

Giulia Louise Steigerwalt explora a História da pornografia em Itália com “Diva Futura,” também conhecido como “Cicciolina e a Revolução do Desejo.” Trata-se de um retrato e homenagem a um estúdio revolucionário no final do século XX. Depois de estrear em competição na Bienal de Veneza, o filme ainda passou pela Festa do Cinema Italiano antes de chegar às salas portuguesas com distribuição da Risi Film.

Quando, em 2016, a “Vaiana” da Disney fazia a sua estreia no mercado europeu, muito se falou e especulou sobre o seu título. A companhia nunca confirmou os rumores, mas as más línguas falavam de uma razão sórdida por detrás da mudança. Será que a aventura animada não ficou com o nome de “Moana” porque se queria evitar uma associação com Moana Pozzi? Mas quem foi Moana Pozzi? Relatar-se tudo o que esta diva foi seria difícil, tão colorida é a sua biografia, mas fica o essencial. A Moana, que nunca terá sido princesa Disney, era uma estrela pornográfica italiana que morreu tragicamente em 1994 depois de tentativas falhadas de expandir a carreira para o cinema legítimo e o mundo da política.

Lê Também:
A Volta ao Mundo em 80 Filmes

Seu estrelato deveu-se principalmente ao trabalho feito com Diva Futura, um estúdio pioneiro que basicamente inventou a indústria pornográfica em Itália. Os seus anos de ouro foram entre as décadas de 80 e 90, caindo em desgraça com a ascensão da internet e seus erotismos baratos, mas o legado perdura até aos dias de hoje. Por isso mesmo, Giulia Louise Steigerwalt decidiu prestar-lhe homenagem. Não só a Moana Pozzi, mas a todo o sonho que foi essa Diva Futura. O resultado é uma espécie de épico histórico com cheirinhos de “Boogie Nights” à italiana, uma crónica de grandes ambições e ainda maiores declínios, a euforia do sucesso seguido de desilusões sem fim. Não é por acaso que a fita começa com um funeral.

Sabendo sobre o fado de Pozzi, seria fácil supor que se trata da sua morte, especialmente quando a data de 1994 aparece sobre a imagem. Mas não é a sua perda que causa o transtorno com que “Diva Futura” faz as suas entradas. Quando a falecida é revelada, vemos ser uma cobra píton enorme, a mascote do estúdio, assassinada por um ratinho que devia ser almoço e virou carrasco. A brincadeira de Steigerwalt é meio cruel, arriscando o mau gosto na procura da comédia negra. Ou talvez esteja a apontar para uma sinceridade absoluta, enaltecendo a união dos vários trabalhadores do estúdio e suas estrelas.

Viva o amor! Viva a pornografia!

diva futura critica
© Risi Film

Acima de tudo, serve para posicionar Riccardo Schicchi, o pai da Diva Futura, como uma figura meio caricata e muito diferente do magnata da porno que o espetador poderia imaginar. De facto, assim que o prólogo termina, o filme parte para uma estrutura em capítulos biográficos para introduzir cada personagem principal, a começar por Riccardo. Em flashback e narração voz-off, fala-se de uma incompreensão dos ditames machistas sobre o que é ser um homem italiano enquanto, na vida caseira, o jovem aprende com o pai a espiar vizinhas e viciar-se na fotografia erótica. Ainda só tem doze anos é já é um perito na matéria e um defensor da sua importância política também.

Pornografia é liberdade e, por isso, é bela, é arte. A pornografia também é o futuro e que se lixem os bons costumes. Ou, pelo menos, é isso que ele queria que o seu público pensasse. Depois de Riccardo vem Ilona Staller, mais conhecida pelo nome artístico de Cicciolina. Uma boémia desavergonhada, ela tem direito a um pouco de narração, mas não muita. Acima de tudo, aparece-nos como uma explosão iconográfica sem grande profundidade, mais fenómeno estético que pessoa. Moana Pozzi é a terceira personagem principal e a sua apresentação não podia diferir mais da brincadeira atrevida e do hedonismo de Cicciolina.

A sua primeira aparição sugere um burlesco mais tradicional por parte desta exibicionista convicta. Só que, por detrás do glamour, está a tragédia máxima de “Diva Futura.” Ela tem a narração mais melancólica e crítica, revelando uma mulher que sonhou ser atriz e foi usada e abusada por todos os figurões do dito cinema institucional da Itália. Desse mainstream, projetam-se respeitabilidades no lado da audiência e dos media, mas, atrás de portas fechadas, são todos a mesma coisa. De facto, pelo que “Diva Futura” mostra, quase parece que a indústria pornográfica tem mais integridade. Pelo menos aí, a exploração sexual está evidente, admite-se sem hipocrisias ou segredos e desilusões cruéis.


Mas será isso uma realidade ou a idealização deste filme sobre o estúdio que lhe dá nome? A imprensa italiana tem sido impiedosa com Steigerwalt desde a estreia do filme na competição oficial de Veneza, massacrando o seu revisionismo histórico e os óculos cor-de-rosa com que considera o Diva Futura. Esta possível falsidade atinge o seu auge quando Debora Attanasio entra em cena. Ou melhor, a autoficção de Debora Attanasio. Tendo em tempos trabalhado na componente secretarial e relações públicas da Diva Futura, a mulher que sempre quis ser jornalista tem vindo a fazer carreira da nostalgia pelo estúdio.

Como escritora do livro em que o filme se baseia, a presença da personagem realça quanto os cineastas estão a impor uma visão risonha sobre estes eventos e figuras, apelando a algumas hipocrisias, somente para as descartar e fingir que não existem. Esta realidade vem ainda mais acima quando “Diva Futura” se debruça sobre Eva Henger, esposa húngara de Schicchi, que ele quis manter fora do alcance das câmaras até a sua situação financeira exigir a ascensão de mais uma estrela porno. O capítulo introdutório de Eva marca o fim deste prólogo que, verdade seja dita, consome quase um quarto da duração total.

Também traz ao de cima quanto a cineasta sustenta a sua “Diva Futura” em torno de uma observação superficial do visionário que foi Riccardo Schicchi, tão focada em enaltecer esta presença masculina que acaba por sacrificar muita da integridade, talvez até a dignidade, das muitas mulheres na sua órbita. Só que, mesmo assim, a personagem masculina fica à distância do espetador, bloqueado por uma barreira invisível. Será a forma, cheia de montagens e push-ins ostentosos, a aparência de uma minissérie condensada à última hora numa longa-metragem para cinema? Será a caracterização textual? Será a estrutura?

A estrutura baralha e confunde, distrai e detrai.

diva futura critica
© Risi Film

Essa última faceta é, sem dúvida, a mais desestabilizadora. Não só Steigerwalt dedica meia hora a apresentar o elenco como também estilhaça a cronologia histórica sem aparente motivo. A meio da narrativa, faz-se um salto de dez anos, para depois do definhar do estúdio face à revolução da pornografia online. O que mais fica são os cismas perdidos na transição, levando o espectador a refletir sobre as várias relações que ruíram nesta omissão textual. O matrimónio de Eva e Riccardo será o ponto central e contém algum do melhor material do filme, pelo menos ao nível do drama humano. Pietro Castellitto e Tesa Litvan fazem o seu melhor para esboçar o que a fita aparentemente quer deixar ambíguo.

Mas depois, para voltar a Moana, o filme corta abruptamente para 1993 e para o fracasso da estrela porno no mainstream. E vem a tentativa de entrar na política, afirmando-se candidata de direita ferrenha para grande choque de Riccardo. O trabalho de Denise Capezza no papel merece aplauso e, nesta secção fatalista, continua a ser a melhor performance do filme, incorporando todas as contradições do papel e da figura de um jeito que Castellitto é incapaz. É suficiente para redimir as falhas desta passagem? Não, de todo, especialmente quando Steigerwalt insiste em expor o corpo massacrado pelo cancro do fígado, feito esqueleto grotesco para máximo espanto e terror da audiência.

Lê Também:
TOP 10 MHD | Melhores Filmes do Cinema Italiano

E se já não bastasse, lá vem mais um salto temporal, para perscrutar a mortandade do pai da Diva Futura. A realizadora finca os dentes nesta oportunidade para o martírio, confundindo a sua perspetiva sobre o estúdio pornográfico. Existe aqui um elogio à ambição, cultural e artística, ou um regozijo com a desgraça das suas principais figuras? Há empatia ou moralismo? Por muito pró-trabalho do sexo que o filme queira ser – algo louvável – “Diva Futura” está consignado à ideia desta História como uma tragédia, tombando num conservadorismo incongruente com o que o diálogo aponta e insiste. Talvez seja intencional da parte de Steigerwalt, mas deixa a audiência numa posição ingrata.

Sem clareza ou uma ambivalência interessante, lá se fica o esforço desta obra pela espetacularidade nua e crua do filme de época. Há grandes cenografias de Cristina Del Zotto, figurinos salazes de Andrea Cavalletto, as maquilhagens e a fotografia glamourosa de Vladan Radovic. Tudo isso merece aplauso e denuncia quanto o projeto parte de uma apreciação sincera destes erotismos antigos. Pena não se conseguir trespassar essas qualidades na narrativa em si. Fica também um elenco de peso – também inclui Barbara Ronchi e Lidija Kordic como Debora e Cicciolina respetivamente – que “Diva Futura,” infelizmente, não sabe aproveitar.

Diva Futura, a Crítica
diva futura critica

Movie title: Diva Futura

Date published: 23 de May de 2025

Country: Itália

Duration: 125 min.

Director(s): Giulia Louise Steigerwalt

Actor(s): Pietro Castellitto, Barbara Ronchi, Tesa Litvan, Denise Capezza, Lidija Kordic, Davide Iachini, Marco Iermanò, Fulvio Calderoni, Jennifer Caroletti, Alessandro Moser, Alessandro Paniccia, Beatrice Puccilli, Paolo Ricci

Genre: Drama, Biografia, 2024

  • Cláudio Alves - 5.5/10
    5.5/10

CONCLUSÃO:

“Diva Futura” tenta fazer a crónica de um momento-chave na indústria pornográfica italiana, considerando o homem e as mulheres por detrás de um legado cujo impacto cultural não se deve subestimar. De facto, muitas dessas vedetas são belissimamente celebradas em caracterizações generosas e uma estética polida, a puxar pelo glamour da profissão. Só que se limam demasiado as arestas, adocica-se a realidade e quebra-se tudo com uma estrutura saltitante sem grande nexo. Felicitamos o elenco e as qualidades visuais da obra sem, no entanto, recomendar a mais recente criação de  Giulia Louise Steigerwalt.

O MELHOR: A prestação de Denise Capezza, os figurinos, os cenários e outros detalhes da recriação de época.

O PIOR: Esse momento fascinante, quando Moana quer fazer o seu último filme e insiste em usar uma dupla para as cenas de nudez. A estrela caída quer sair de cena com dignidade máxima. Mas a câmara de “Diva Futura” não lhe concede isso. Temos um plano em mostra do seu corpo esquálido, lúgubre, emagrecido até ao grotesco pelo cancro numa imagem que demonstra muito mais crueldade que empatia para com a personagem histórica. Além disso, a cronologia baralhada, desnecessariamente bizantina, é o outro grande ponto fraco.

CA

Overall
5.5/10
5.5/10
Sending
User Review
0 (0 votes)


Também do teu Interesse:



About The Author


Leave a Reply