Festival de Veneza 2024: O Joker e o Ás de Almodóvar
As grandes cartadas do 81º Festival de Veneza (Veneza 81) são os 21 filmes na Competição Oficial, com destaque para a sequela “Joker: Loucura a Dois”, de Todd Phillips, tal como os novos filmes de Pedro Almodóvar, Pablo Larraín, Walter Salles, Wang Bing e Luca Guadagnino, entre outros que vão estar a concurso no Lido entre 28 de agosto e 7 de setembro. O jogo é para ver quem fica com o Leão de Ouro 2024.
O 81º Festival de Veneza (Veneza 81) começa amanhã, quarta dia 28 de agosto, com “Beetlejuice, Beetlejuice”, de Tim Burton, (fora de competição), uma sequela de “Beetlejuice – Os Fantasmas Divertem-se” (1988) e a partir daí com um naipe de 21 filmes a concurso que vão ser avaliados por um júri presidido por Isabelle Huppert.
Nesta selecção, bastante boa, aliás, um primeiro aspecto a destacar nesses 21 filmes a concurso — menos do que no ano passado — é que são na sua maioria de longa duração e com com algumas sessões de imprensa a começarem às 8h15 da manhã, como é o caso de “Joker: Loucura a Dois” — a ultrapassarem por vezes as duas ou as três horas de duração: Wang Bing (este já é normal), Todd Phillips, Walter Salles, Luca Guadagnino e Pablo Larraín e outros como o do jovem Bradley Corbet (215 minutos).
A Grande jogada do Festival de Veneza
Porém uma das grandes jogadas de poker nos ecrãs do Lido de Veneza 2024, faz-se precisamente com o muito aguardado “Joker: Loucura a Dois”, de Todd Phillips, a sequela do seu filme de 2019, que ganhou o Leão de Ouro e deu o Óscar de Melhor Actor a Joaquin Phoenix. Além disso, o trágico filme de Phillips, proporcionou uma inesperada receita de mil milhões de dólares a nível mundial, caso raro para um filme, que mesmo inspirado no vilão de um super-herói, tem uma marca autoral.
Phoenix e o seu Joker vai estar acompanhado nesta loucura a dois, pela sua parceira Harley Quinn, interpretada por Lady Gaga, num personagem dizem, que vai dar muito que falar: “Ela é tão boa no filme, que vai deixar-vos de boca aberta. Não sugeri a Lady Gaga. Não foi ideia minha. Foi do Todd Phillips. Mas digo-vos, ela é mesmo surpreendente e muito boa”, palavras de Francine Maisler, habitual directora de casting do realizador, na ComicCon. Assim se espera?
É igualmente o regresso ao Festival de Veneza 81 da cantora-actriz, depois da estreia mundial de “Assim Nasce Uma Estrela” (2018), de Bradley Cooper, outra loucura romântica a dois, que foi também um extraordinário sucesso de bilheteira (aliado à canção “Shallow”), algo que aliás começa a ser habitual em vários filmes lançados nos últimos anos no Festival de Veneza: a grande montra para um êxito de bilheteira e o ponto de partida na corrida aos Óscar.
A presença Queer
A concurso e aguardado com uma enorme expectativa, vai estar igualmente “The Room Next Door”, de Pedro Almodóvar, a primeira longa-metragem do cineasta espanhol em inglês, protagonizado por Tilda Swinton e Julianne Moore, um filme terminado à ultima hora para estar presente neste festival.
O novo filme de Almodóvar conta ‘a história de Martha, (mais) uma mãe imperfeita que trabalha como repórter de guerra, e Ingrid, a sua filha rancorosa que é escritora de ficção. Enquanto mãe e filha estão separados por um mal-entendido, outra mulher é a guardiã da sua dor e amargura’.
Luga Guadagnino (“Challengers”), regressa ao Festival de Veneza 81 e faz a estreia mundial de “Queer”, adaptando desta vez uma obra do escritor beatnick norte-americano William Burroughs (1914-1997) e com Daniel Craig (o ex-007) e Drew Starkey como protagonistas.
Já se fala em fortes cenas homoeróticas entre os dois actores. Este filme foi rodado nos estúdios da Cinecittà de Roma, onde foi reconstituída ao pormenor uma cidade mexicana dos anos 50, a localização desta história de amor romântico, entre dois homens.
As Memórias de um Tempo
Da América Latina vem o chileno Pablo Larraín, regressa também ao Festival de Veneza 81 com mais um dos seus retratos biográficos muito particulares (“Jackie” e “Spencer”) apresentando desta vez “Maria”, com Angelina Jolie a fazer de Maria Callas, recriando o tempo de quando a cantora mergulhou numa espiral de desespero, que a tornaria uma reclusa no seu apartamento de Paris. Um ataque cardíaco acabou por fulminá-la a 16 de setembro de 1977, com apenas 53 anos, mas há muito que se tornara uma lenda.
O brasileiro Walter Salles, com “Ainda Estou Aqui” com a famosa dupla de actrizes, mãe-filha Fernanda Torres e Fernanda Montenegro, além de Selton Mello e Maeve Jinkings, traz-nos uma adaptação do livro autobiográfico de Marcelo Rubens Paiva, sobre a vida da sua mãe, Eunice Paiva: uma mulher casada com um importante político que precisou de mudar a sua vida completamente depois que o marido é exilado durante a ditadura militar brasileira na década de 70. A dona-de-casa comum, torna-se então numa ativista de direitos humanos, após o desaparecimento do seu marido.
Crónicas de Juventude no Festival de Veneza
É também tempo para apresentação final da trilogia do chinês Wang Bing, sobre as contradições e a vida da sociedade e juventude do seu país, com “Youth (Homecoming)”. O maravilhoso primeiro filme desta saga intitulado “Youth (Spring)”, foi apresentado no último Festival de Cannes e o segundo, “Youth (Hard Times)”, estreou recentemente no Festival de Locarno.
O francês Emmanuel Mouret (“Crónica de Uma Relação Passageira”), apresenta “Trois Amies”, com Sara Forestier, Camille Cottin, India Hair, a história de três mulheres que vêem as suas vidas viradas do avesso, quando o marido (Damien Bonnard) de uma delas desaparece. Um filme que vai certamente permanecer num registo dramático que desliza entre Eric Rohmer e Woody Allen, aliás como o filme anterior do realizador.
Talentos Indomáveis
Depois do lote dos mais consagrados, vêm então outras jovens cartas do baralho, menos valiosas é certo, mas que podem surpreender e decidir com o seu talento indomável, o palmarés deste Festival de Veneza 81: “Harvest”, da grega Athina Rachel Tsangari, a realizadora de “Attenberg” (2011), uma discípula de Lanthimos, que ser afirmou num filme raro em que Ariane Labed, foi premiada com a Taça Volpi para Melhor Actriz; “Leurs Enfants Après Eux”, dos gémeos franceses Ludovic e Zoran Boukherma, realizadores de “Teddy”(2020) numa história de amor adolescente baseada no romance homónimo de Nicolas Mathieu.
Um dos dois filmes norte-americanos a concurso ao “The Brutalist”, do famoso e polémico ator-realizador Brady Corbet (“A Infância de Um Líder”), tem como já se disse uma longuíssima duração é filmado em 70 mm e diz-se inspirado em “Verdade Indómita” (1949), de King Vidor; “April”, da georgiana Dea Kulumbegashvili (em 2020, venceu o Festival de San Sebastian com “The Beginning”) tem uma história interessante, sobre uma parteira, que depois de um recém-nascido ter morrido durante o parto, a sua moral e o profissionalismo é posta em causa, no meio de rumores de que também realiza abortos clandestinos.
Os Italianos e os Outros
Do concurso fazem parte naturalmente algumas ‘cartadas italianas’, que ganham dimensão no Lido de Veneza com “Campo di Bataglia”, de Gianni Amelio, um filme passado durante a I Guerra Mundial e com a epidemia de gripe espanhola em fundo; “Vermiglio”, de Maura Delpero, “Sicilian Letters”, de Fabio Grassadonia e Antonio Piazza, “Diva Futura”, de Giulia Louise Steigerwalt, uma ex-actriz italiana nascida nos EUA.
E ainda do resto do mundo alguns talentos que surpreendem com filmes fortes nesta selecção para competição do Fesitval de Veneza: “Jouer Avec le Feu”, das irmãs francesas Delphine e Muriel Coulin, com o honorável e carismático Vincent Lindon; “Kill the Jockey”, do argentino Luis Ortega; “Love”, do promissor norueguês Dag Johan Haugeud, (o seu “Sex” na última Berlinale era absolutamente engraçado, inteligente e bem feito), que segue assim com o terceiro capítulo de uma trilogia sobre o amor e o sexo; “The Order”, do australiano Justin Kurzel (“Nitram”), agora com mais um thriller, certamente violento, protagonizado por Jude Law; “Babygirl”, da atriz-realizadora holandesa Halina Reijn, num thriller erótico com Nicole Kidman, que vai decerto ser um dos filmes mais esperados, não só pelo tema mas também pela presença da sua protagonista na passadeira vermelha do Casino.
Reservas a Tempo e Horas
Por último uma referência que pode ser surpreendente para “Stranger Eyes”, de Yeo Siew Hua, realizador chinês de Singapura, conhecido pelo seu excelente “Land Imagined” (2018), filme vencedor do prémio máximo em Locarno e em muitos outros festivais, que é curiosamente mais um thriller, interpretado por Lee Khang-Sheng, o actor que costuma trabalhar regularmente com o seu conterrâneo Tsai Ming-liang.
Resumindo, uma competição do Festival de Veneza 81 bastante desafiante, em que o único contra é a longa duração dos filmes, que irá certamente provocar nos ‘festivaleiros’, bastante desgaste físico e mental, aliás também com sessões de imprensa, muito cedo a começarem às 8h15 da manhã, como é o caso de “Joker: Loucura a Dois”. Porém o sistema de reserva de bilhetes está a funcionar muito bem e a horas decentes — este ano pelo menos não há razão para ver muita gente a dormir e a ressonar durante as sessões — exceção para o dia 30 de Agosto, em que a bilheteira online abre às 6h45 da manhã.
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