Downton Abbey: Uma Nova Era, em análise
As personagens de “Downton Abbey” regressam ao grande ecrã para um segundo filme. Esta “Nova Era” sabe a capítulo final, uma despedida agridoce que se sente apropriada para uma história que nos apaixona há anos.
Quem ainda segue a saga da família Crawley em 2022 certamente não o faz porque busca grande dramaturgia ou algum tipo de sofisticação narrativa. Escrito por Julian Fellowes, “Downton Abbey” sempre foi uma fantasia conservadora que concebe escapismo vestido a rigor histórico. Não obstante os figurinos e cenários, não há grande perspetiva sobre o passado que vá além de uma nostalgia adocicada por nobrezas perdidas. O tema recorrente é a “mudança,” reapreciado numa panóplia sem fim de enredos melodramáticos dignos de telenovela.
Levanta-se então a questão: há lugar para escapismo ligeiro na nossa dieta de entretenimento? Certamente que sim, especialmente quando se apresenta perante as audiências sem pretensões de ilusória importância. Depois de uma primeira temporada aclamada pela crítica, a série raramente ambicionou o estatuto de grande arte. Chegado o fim do percurso televisivo, o salto para o grande ecrã ainda mais sublinhou o projeto enquanto um divertimento deliberadamente anódino. Por vezes, contudo, lá as coisas tombavam para a inconsequência.
Esse foi um dos grandes problemas do primeiro filme “Downton Abbey,” uma continuação da série que parecia mais um episódio esticado com um orçamento agigantado. Foi muito barulho para nada sem elegâncias Shakespearianas. Matou saudades, certamente, mas também parecia demasiado reticente enquanto capítulo final. Além do mais, sentia-se um certo afastamento dos clichés mais absurdos da série, quase como se houvesse alguma vergonha para com as suas origens televisivas. À medida que passam os anos, mais esse primeiro filme perde o lustro.
Por isso mesmo, “Downton Abbey: Uma Nova Era” nos parece uma melhoria e um regresso à boa forma da franquia. Estamos perante uma conclusão mais conclusiva, servindo como um fim generoso sem desnecessárias ambiguidades ou personagens negligenciadas. É certo que temos de encarar a obra com a relativa atitude de um fã, pois este é um filme feito para os fãs. O melodrama é a palavra de ordem e não há gesto textual absurdo demais para ser cortado. Para todos se oferecem finais felizes, com uma contracorrente trágica para balançar o jogo tonal.
A história é simples, se meio bifurcada. Por um lado, os problemas financeiros continuam a afetar a preservação de Downton Abbey enquanto propriedade histórica. Numa tentativa de angariar fundos para renovações, os Crawley abrem as portas a uma produtora de cinema. Aqui se regista um pouco de humor meta textual, sendo que a própria produção da série e filmes foi uma salvação para os casarões que lhes serviram de cenário. Contudo, o drama das filmagens não é a invasão de Downton. Pelo contrário, os próprios cineastas têm que confrontar o flagelo da “mudança.”
Afinal, estamos no crepúsculo dos anos 20 e uma nova era do cinema se aproxima. O sonoro é a nova berra e o mudo perde popularidade a cada dia que passa. Para alguns, isso não é problema. O realizador Jack Barber é uma pilha de nervos, mas os seus talentos não são dependentes do filme sem som. O mesmo é verdade sobre Guy Dexter, ator principal que emigrou em tempos para os EUA e encontrou sucesso como estrela do grande ecrã. Só a protagonista feminina tem problemas. Myrna Dalgeish é uma visão em sedas e cabelos platinados, mas a voz denuncia origens de classe baixa.
Basicamente, Fellowes reciclou a história de “Serenata à Chuva” com Dalgeish no lugar de Lina Lamont. Contudo, não há vilificações desnecessárias e se o guião trespassa uma perspetiva snobe, fá-lo com bom humor e um toque irónico. O mesmo ocorre na segunda ação da fita que se foca na herança de uma propriedade no sul de França. A Condessa de Grantham está a morrer e, na preparação do testamento, descobre que um “amigo” lhe deixou um presente. Lá viajam alguns membros da família a territórios gálicos, onde encontram novas personagens e saboreiam o drama do amor antigo.
Assim se mantém uma necessária intimidade, definindo o filme como uma história de família ao invés de um espetáculo espalhafatoso. Tanto a expedição francesa como o transtorno cinematográfico trazem novos nomes ao elenco, mas toda a história recai sobre as personagens que já amamos. Em alguns casos, trata-se de uma oportunidade para fechar a história individual e conceder felicidade àqueles que passaram tanto tempo à sua procura. Veja-se Thomas, o mordomo gay, ou o desastrado Sr. Molesley, a cozinheira Patmore e seu namorisco, o Sr. Carson e seu medo da obsolescência.
Por outro lado, algumas personagens são consideradas pela via da mortalidade, marcando o seu papel no filme como uma espécie de consideração de legado. Entre festas e jantares, “Downton Abbey: Uma Nova Era” é marcado por casamentos, funerais e nascimentos como qualquer boa temporada de televisão condensada na duração de um filme. Isto é especialmente verificado nas histórias de Mary que se questiona sobre a responsabilidade na família e no matrimónio, Cora e seus reflexos sobre o fado das filhas, a velha Condessa e meditações sobre oportunidades perdidas.
Em suma, caso amem as personagens de “Downton Abbey,” é boa ideia levar alguns lenços para a sala de cinema. Lágrimas de alegria e tristeza hão-de verter. Mas também o verdadeiro fã sentirá a vontade de aplaudir alguns momentos. No último ato, o filme rende-se à maravilha de Maggie Smith e torna-se numa espécie de carta de amor à atriz. É uma homenagem comovente que lhe dá mais oportunidade para mostrar o que vale, combinando humor adstringente com uma veia melancólica. Elizabeth McGovern também tem grandes momentos, enquanto figurinos e banda-sonora dão valor à produção.
Downton Abbey: Uma Nova Era, em análise
Movie title: Downton Abbey: A New Era
Date published: 13 de May de 2022
Director(s): Simon Curtis
Actor(s): Michelle Dockery, Hugh Bonneville, Elizabeth McGovern, Maggie Smith, Jim Carter, Imelda Staunton, Allen Leech, Tuppence Middleton, Laura Carmichael, Harry Hadden-Paton, Samantha Bond, Penelope Wilton, Douglas Reith, Phyllis Logan, Robert James-Collier, Joanne Froggatt, Brendan Coyle, Lesley Nicol, Sophie McShera, Michael Fox, Kevin Doyle, Raquel Cassidy, Sue Johnston, Hugh Dancy, Dominic West, Laura Haddock, Jonathan Zaccaï, Nathalie Baye
Genre: Drama, Romance, 2022, 125 min
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Cláudio Alves - 65
CONCLUSÃO:
Quiçá nos tempos difíceis pelos que passamos, sobremesas como “Downton Abbey: Uma Nova Era” sejam o cinema que o coração precisa. Todos precisamos de alguma diversão desmiolada de vez em quando.
O MELHOR: Maggie Smith é incrível. Mesmo num papel tão fácil como este, ela exibe por que razão ganhou dois Óscares e deve ser considerada uma das grandes atrizes dos nossos tempos.
O PIOR: Amamos as trapalhices revisionistas de Fellowes ao mesmo tempo que reconhecemos sua qualidade problemática tanto a nível político quando dramático. A história de Cora neste filme é um perfeito exemplo de como o argumentista tende a criar conflitos ao calhas e depois não sabe como os resolver.
CA