"Dune - Duna" | © NOS Audiovisuais

Dune – Duna | As modas do futuro

Para o novo épico de Denis Villeneuve, os figurinistas Jacqueline West e Bob Morgan criaram novos mundos, inspirando-se na imaginação do autor Frank Herbert e em iconografias religiosas de diferentes culturas. No fim de tudo, a equipa construiu mais de um milhar de figurinos para “Dune”.

Na fantasia e na ficção-científica, a arte de construir mundos alternativos, realidades fantásticas, é parte essencial do engenho. No caso de “Dune-Duna”, isso é ainda mais fulcral, sendo que o livro de Frank Herbert ajudou a redefinir os paradigmas do género literário. Ele deu maior ênfase à descrição detalhada do futuro através do pormenor material, da iluminação do esquema político e a ideia da História como algo criado pela mão humana. De facto, uma das chaves para o sucesso do épico de Denis Villeneuve está precisamente nessa abordagem do material enquanto História ao invés de ficção-científica tradicional.

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Desenhando o projeto como um filme de época ao invés de uma extravagância hipertecnológica, Jacqueline West e Bob Morgan olharam para o passado como meio de imaginar o futuro distante. Muitos dos figurinos foram concebidos em termos do contraste cultural entre planetas e clãs. Quando os Atreides chegam a Arrakis, por exemplo, a armadura ostentosa é um enorme absurdo no ambiente deserto. Os soldados e seus generais parecem prontos a sufocar em esculturas de metal que mais parecem edifícios brutalistas ao invés de uniformes de combate.

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Examinando essa casa nobre mais a fundo, encontramos o traje formal dos Atreides em Caladan e modo como este reflete a mortandade da sua dinastia, o fado negro que se abate sobre as suas cabeças. West inspirou-se na versão fílmica de “Fahrenheit 451” para vestir Timothée Chalamet em fatos escuros e grandes casacões de gola erguida e luvas de cabedal a condizer. Contudo, a inspiração mais importante foram as fotografias da Família Imperial dos Romanov, outra casa real que viu muito sangue derramado em nome da revolução. Apelando a essa imagética histórica, a figurinista traça o fim triste do Duque Leto de Oscar Isaac logo na sua primeira aparição.

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A Lady Jessica de Rebecca Ferguson tem menos ligações à conturbada História da Rússia no século XX ou a arquiteturas canadianas. Seu estilo devém da pintura medieval de Giotto e das paletas sombrias de Francisco Goya. Vejamos o figurino que Lady Jessica enverga na chegada a Arrakis. Trata-se de um sonho em ocre sedoso e joalharia que demorou meses a ser feita à mão.

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De facto, West até já se perguntou em entrevistas se a peça não será um dos figurinos mais caros de sempre, tamanho foi o custo das correntes de ouro e pedras que cobrem os braços, o busto e o rosto da atriz. A riqueza no detalhe artesanal e na joalharia feita à mão ajuda ainda a sugerir a realidade de um futuro onde o talento humano suplantou, à força, a autoridade da máquina. No futuro em que “Dune” se desenrola, os computadores e inteligências artificiais foram aniquilados numa Jihad antiga.

No que se refere a Timothée Chalamet e seu Paul Atreides, há uma simplicidade deliberada no figurino do protagonista, uma falta de identidade própria que reflete a encruzilhada em que Paul se encontra. Ele é o fruto de séculos de engenharia eugénica e social, um messias artificial destinado a causar genocídios inconcebíveis e liderar um povo. Ele é alguém confrontado com quem será e sem saber quem é. O anonimato estilístico apenas reforça essa ideia e faz com que a angústia do ator seja o que define a personagem em termos visuais.

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A Casa Harkonnen existe para ser contraste dos nobres Atreides. As armaduras negras foram inspiradas em formigas, suas silhuetas criadas com o intuito de parecerem divorciadas de humanidade. Mais do que pessoas, os membros desta casa são-nos apresentados como animais assassinos, insetos em forma de homem. O líder do clã é o Barão Vladmir Harkonnen, cujo figurino representa a perfeita união entre moda e efeitos especiais. Como está escrito no livro, o aristocrata rotundo usa tecnologias futuras para flutuar.

Ao invés de sublinharem esta loucura com detalhes bulbosos, os figurinistas escolheram o caminho do omino e da ameaça. Assim, o ator enverga longos robes, quase camisas-de-noite em seda negra, que, quando seu corpo voa, traçam torres ensombradas no espaço. Ao contrário da versão no filme de David Lynch, este Barão Harkonnen de Villeneuve, West e Morgan realmente mete medo – é um real vilão ao invés de uma piada grosseira.

É claro que a aristocracia não detém todo o poder neste futuro imaginado. Há também a fação comercial, os transportes e a religião. Vejamos, a Guilda Espacial é o perfeito exemplo de religião antiga fundida com tecnologias espaciais no desenho do filme. Indo buscar as linhas do traje papal do século XIV e unindo-o a visões futuristas de astronautas, os figurinistas criaram um perfeito somatório do que estas entidades misteriosas significam em “Dune”, seu poder político, quase divino.

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No caso das Irmãs Bene Gesserit, o caminho seguiu a austeridade estética ao invés da opulência papal. Charlotte Rampling veste um figurino cuja forma representa a colagem de referências místicas e espirituais. O vestido em si, por exemplo, é tirado da rainha no tarot Marcelino. Além disso, ideias tiradas do hábito de freiras Católicas e toucados judaicos sugerem um estado futuro em que as religiões terrestres se fundiram num só texto – a Bíblia Católica Orange.

Nesse paradigma, o figurino serve para indicar vertentes do romance de Herbert que o filme não conseguiu clarificar com diálogo. Além disso, a silhueta reminiscente de uma peça de xadrez revela ainda quanto a irmandade das Bene Gesserit se interessa por estratégia política e não espiritualidade. A religião, para elas, é mera fachada para esconder e facilitar um propósito maior.

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Em tal sistema político, há ainda que falar no papel que o maior recurso natural do universo detém. A especiaria Melange é essencial no mundo de “Dune”. Contudo, quando percorrendo a superfície escaldante de Arrakis, a água é um bem ainda mais precioso e consideravelmente mais raro. Para isso, os Fremen desenvolveram uma tecnologia que permita a recolha e reciclagem da humidade existente no corpo, prolongando a vida de quem enverga um traje destilador. Na criação desta imagem central à narrativa, os figurinistas tentaram conceber um desenho tão funcional como belo, seguindo à letra toda a descrição na prosa de Herbert.

Cinzentos e cheios de tubos, bombeados pelo movimento do corpo, estes fatos são esculturas autênticas, como exo-esqueletos para o explorador humano. De facto, na confeção dos figurinos, cada fato teve de ser feito à medida do ator, alterado para refletir a fisionomia de cada indivíduo em detalhes como placas que emulam a musculatura. Cada um desses figurinos é uma obra-de-arte. O homem encarregue de resolver o problema dos fatos destiladores foi José Fernandez, o mesmo designer da Ironhead Studios que ajudou a esculpir os fatos da Mulher-Maravilha e do Batman de Ben Affleck. Em total, a equipa de figurinos teve de construir mais de 200 desses fatos, tanto para atores como para figurantes e duplos.

As grandes expansões de linho e gaze que cobrem os fatos destiladores dos Fremen foram uma forma de individualizar os atores e, acima de tudo, dar maior plasticidade às imagens. Há um romantismo no tecido que voa com o vento, um jogo de linhas suaves em contraste com a rigidez anatómica dos mecanismos destiladores. Quando Duncan Idaho enverga uma grande capa em cor de osso e areia, Jason Momoa aparece-nos como um herói antigo, algum nobre cavaleiro oriundo de um conto-de-fadas esquecido.

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Já falámos de textura e mistura cultural. Falta explorar a componente da tonalidade. As cores do filme foram apuradas através de uma panóplia de diferentes referências, incluindo fotografias dos mercados de especiarias em Marraquexe, as visões épicas do “Lawrence da Arábia” de David Lean, arte islâmica e cartas de tarot. É certo que as escolhas cromáticas limitadas desapontam, especialmente quando examinamos a variedade cromática vista em culturas do deserto no nosso mundo. Os Fremen envergam cinzentos e beges, castanho rochoso, como se estivessem camuflados na paisagem ou, em certa medida, como se seus corpos fossem uma continuação do ambiente em que habitam.

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Em termos de realismo e prazer visual, isto não faz muito sentido. Num paradigma narrativo, contudo, esta afinidade visual entre um povo e seu planeta serve para ligar os Fremen à terra. Mais do que a monumentalidade fria dos Atreides ou a negrura reluzente dos Harkonnen, estes nómadas parecem realmente pertencer a Arrakis. Este é a sua casa e todos os outros são invasores. Sem um único apontamento no diálogo, os figurinos fazem-nos entender esta dinâmica de forma visceral. Aí está o génio do filme e seus figurinos, desenterrando forças primordiais de dentro do próprio espetador, apelando ao prazer cerebral e à reação mais instintiva. Uma coisa é certa, mal podemos esperar para ver os figurinos da sequela. Que venha a segunda parte de “Dune”!

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