"El Príncipe" | © Queer Lisboa

Queer Lisboa ’20 | El Príncipe, em análise

Antes de chegar ao Queer Lisboa de 2020, “El Príncipe” passou pelo Festival de Veneza onde conquistou o prémio Queer Lion. Será que este filme chileno também vai ceifar troféus no festival lisboeta?

Depois de uma próspera carreira enquanto cenógrafo em filmes como “La Llorona” e “Play”, o chileno Sebastián Muñoz está a aventurar-se pelo mundo da realização. Em 2014, ele já havia feito um documentário, mas “El Príncipe” marca o seu primeiro trabalho à frente de uma obra de cinema narrativo. Juntamente com Luis Barrales, Muñoz também escreveu o argumento para o drama prisional, baseando-se num romance de Mario Cruz.

A ação decorre no Chile durante a década de 70, quando um jovem chamado Jaime acaba atrás das grades depois de um devaneio violento sob o efeito de álcool. Antes sequer de vermos o interior da cadeia, Muñoz deixa-nos perscrutar o momento em que Jaime selou o seu fado. Vemos sangue a pintar os azulejos do pavimento, renda que cobre um corpo inerte e um pescoço cortado. Apesar do conteúdo lúgubre, este tableau é estonteantemente sereno quando se compara com a brutalidade do que aí vem.

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© Queer Lisboa

Dentro do ecossistema presidiário, Jaime torna-se no menino de ouro aos olhos de um homem mais velho que dá pelo nome de El Potro. Eles são colegas de cela e basta uma troca de olhares para que o prisioneiro sénior decida que Jaime será seu novo amante. Como um rei todo-poderoso, El Potro dá ordens com a suavidade de quem sabe que será obedecido sem oposição. Todo o seu gesto fala-nos de violência passada, do terror que a sua fúria já espalhou pela população do sistema prisional.

De facto, todo o filme denota um estudo sobre relações de poder entre homens. Evidentemente, há uma exploração do domínio sexual e dos jogos de abuso que se desenrolam entre prisioneiros. O interesse e a orientação tornam-se assuntos sem importância, quando só há homens para satisfazer o desejo. Jaime pode ter desejos homoeróticos, mas parece que Potro só se envolve com homens por falta de escolha. No entanto, mesmo essas conclusões não são fixas e fechadas.

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Mais do que ser só sobre sexo e domínio, “El Príncipe” retrata as hierarquias que se formam quando a agressão é moeda de troca e a lei universal que controla o cosmos. Aqueles com sangue nas mãos são os que usam a coroa invisível, são os reis a quem os restantes prestam vassalagem. Qual monarquia, também há sistemas fixos de herança, mas não é genética que define a passagem de poder. Os favoritos de um rei tornam-se eles mesmos nos herdeiros do trono, amantes passam de homem para homem e o homicídio é sempre o que traz o cisma político na prisão.

Tais descrições podem apontar para um filme muito cerebral, mas “El Príncipe” vive muito mais no sexo que na mente. Este é um filme sobre relações primordiais de necessidade e violência, de desejo e autoridade. A própria forma como é filmado remete para uma dimensão primordial, onde as forças da Natureza guiam a ação humana e a encadeiam por caminhos de destruição mútua. O ambiente prisional define os prisioneiros, vergando até o mais altivo homem ao papel que o sistema lhe atribui. É uma questão de espaço e não de psicologia.

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© Queer Lisboa

A câmara define isso com seu olho ávido e luxuriante. Os corpos são feitos em extensões da arquitetura esquálida das celas, suas roupas manchadas pelo suor e pelos dejetos pintam-nos com a mesma cor das paredes. Pele suada brilha como o chão molhado pela urina e pelo sangue, e só mesmo os uniformes e armas dos guardas variam desta paleta. O algodão engomado em volta de músculos e bastões para espancar desobedientes remetem para o fetiche e para a opressão que esmaga o homem por baixo da sua bota brilhante.

Há limites no engenho de Muñoz, contudo. A violência extrema torna-se tão repetitiva que vamos ficando anestesiados à sua provocação. A forma aprumada também resvala na monotonia, fazendo com que a narrativa despida de complexidade psicológica prejudique mais o filme do que o beneficia. Felizmente, os atores são estupendos, com especial destaque para Alfredo Castro no papel de El Potro. Mais uma vez, ele mostra ser um dos grandes intérpretes do cinema chileno, um ator capaz de delinear um monstro sem o tornar desumano. “El Príncipe” não seria o filme que é sem a sua arrepiante performance.

El Príncipe, em análise
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Movie title: El Príncipe

Date published: 23 de September de 2020

Director(s): Sebastián Muñoz

Actor(s): Juan Carlos Maldonado, Alfredo Castro, Gastón Pauls, Cesare Serra, Lucas Balmaceda, Sebastián Ayala, Paolo Volpato, Catalina Martin, Jaime Leiva

Genre: Drama, 2019, 96 min

  • Cláudio Alves - 65
65

CONCLUSÃO:

Com um cheirinho de Jean Genet e muito erotismo transpirado, “El Príncipe” é um drama prisional sobre as hierarquias de poder que se estabelecem entre homens atrás das grades. Sexo e violência dominam este mundo, mas nem esses temas excitantes conseguem evitar o advento do tédio. Trata-se de um filme com potencial, mas podia ser infinitamente superior.

O MELHOR: Alfredo Castro e a cuidada cenografia da prisão, tudo em tons de cinza acastanhada, sangue e fezes.

O PIOR: A falta de discernível interioridade das personagens principais deita abaixo o filme. Talvez isto funcionasse para uma curta-metragem, mas não com mais de hora e meia de cinema. Nem os flashbacks para a vida fora da prisão quebram a superficialidade do argumento.

CA

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