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Os Faroleiros | Entrevista ao compositor Daniel Moreira

Falámos com o compositor Daniel Moreira, responsável pela nova composição original para o filme Os Faroleiros.

Após a bem sucedida estreia no Batalha Centro de Cinema a 22 de março, falámos com Daniel Moreira, o compositor português responsável pela nova composição sonora do filme “Os Faroleiros“. Foi um momento de celebrar essa exibição e preparar a próxima, que acontece a 31 de março na Culturgest.

A obra trata-se de uma ambiciosa produção dos anos 1920 do cinema português, que foi agora restaurada no âmbito do FILMar, projeto operacionalizado pela Cinemateca Portuguesa, parceira e impulsionadora desta iniciativa, com o apoio do programa EEAGrants 2020/2024.

Os Faroleiros
© Cinemateca Portuguesa

O filme esteve perdido durante alguns anos, portanto fazia todo o sentido conversarmos com um dos nomes mais relevantes da música portuguesa que de alguma forma faz parte do restauro.

Daniel Moreira conta com uma vasta experiência em múltiplos géneros musicais, da aposta na música coral com “Poema para a padeira” (2013), à música de ópera lírico-turística em torno de Gil Vicente (2018) à música para grande ensemble. Sempre disposto a experimentar algo novo, Daniel Moreira não esconde a sua paixão pela música de cinema, por isso a a sua composição para “Os Faroleiros” foi uma excelente oportunidade para colocar conhecimentos teóricos em prática. Serviu para declarar o seu amor pelos maiores nomes da música de cinema e, ao mesmo tempo, ampliar o seu currículo.

Daniel Moreira contou-nos um pouco dos bastidores do seu trabalho de criação para este drama rodado nas agitadas águas de confluência entre o Tejo e o Atlântico e que acompanha um triângulo amoroso fatal. Revelou-nos ainda como foi trabalhar com o The Arditti Quartet, fundado em 1974, que dá som à sua composição no trabalho agora mostrado ao público.

MHD: Como surgiu o convite para a composição sonora do filme “Os Faroleiros”?

Daniel Moreira: O projeto surgiu há pouco mais de 1 ano, quando recebi o contacto do diretor artístico do Batalha Centro de Cinema do Porto, que na altura ainda não tinha reaberto ao público, embora estive a preparar a programação do seu primeiro ano.

Apresentam-me esta proposta irrecusável, de escrever música para quarteto de cordas, para ser tocada por um dos maiores grupos de música de câmara e contemporânea do mundo, o The Arditti Quartet. Ainda lhe perguntei se era o mesmo The Arditti Quartet! A música foi-se alinhado ao longo dos meses.

Os Faroleiros
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MHD: A estreia do cine-concerto aconteceu a 22 de Março, no Cinema Batalha (Porto), certo?

Daniel Moreira: A estreia de “Os Faroleiros” aconteceu na passada quarta-feira e, já estivemos a gravar a música em estúdio, porque será editada em DVD pela Cinemateca Portuguesa.

Este é um aspeto importante de mencionar, porque a encomenda foi feita pelo Batalha Centro de Cinema também deles foi a escolha dos músicos envolvidos. No entanto, este projeto faz parte do FILMar, que tem a ver com o restauro de filmes mudos portugueses associados à temática do mar. O projeto no seu todo tem assim a chancela da Cinemateca Portuguesa.

MHD: Houve algum trabalho com o The Arditti Quartet? Qual a sua relação com o grupo?

Daniel Moreira: Houve contacto em diferentes fases. Um dos músicos do The Arditti Quartet, o Ashot Sarkissjan, vive no Porto há alguns anos e, mesmo que não o conhecesse pessoalmente antes do projeto, o facto de viver na cidade facilitou-me a vida. Tivemos as primeiras conversas sobre como ia ser o projeto e até discussões sobre questões técnicas.

Mostrei-lhe algumas partes da composição, para perceber o tempo de ensaio que seria necessário. Uma vez terminada a partitura, marcou-se um ensaio geral em Londres, no início de janeiro, ainda sem a projeção do filme. Quisemos perceber como as coisas funcionavam, sendo um momento importante antes da fase de ensaio intensiva no Cinema Batalha.

Os Faroleiros
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MHD: O que nos poderia revelar da composição sonora do filme “Os Faroleiros”?

Daniel Moreira: O filme é passado numa comunidade de pescadores portuguesa e, mesmo que não tenha conteúdo documental, procurei fazer uma investigação sobre como os compositores representaram o mar ao longo da história. Existem elementos de música marítima, na imitação das ondas e de alguns sons inerentes ao mar. Esse aspeto de sonoplastia foi um trabalho importante.

Tentei, de algum modo, fazer música que se pudesse enquadrar na música clássica contemporânea na minha tradição e na tradição do The Arditti Quartet. Procurei uma música que pudesse dialogar com os costumes da música de cinema, da época do cinema mudo, mas também do cinema clássico em geral. Foi um conjugar dessas vertentes.

MHD: Será que me poderia contar um pouco do seu trajeto profissional no campo musical?

Daniel Moreira: O meu trajeto é de o um compositor com formação clássica. Completei mestrado em Composição e Teoria Musical na ESMAE – Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo e depois doutoramento em Composição Musical na King’s College, em Londres. Dentro desse contexto tenho feito música instrumental, ópera, mas há muito tempo tinha este objetivo de concretizar um projeto em música de cinema. Se formos ver as peças instrumentais de concerto que criei, muitas delas têm algo de cinema. Nota-se isso porque tenho aqui um cartaz de um filme [referindo-se ao cartaz do filme “Vertigo“, de Alfred Hitchcock que tem emoldurado na parede]. Já estive envolvido noutros projetos de cinema, mas este foi aquele que se concretizou realmente.

Sou também investigador na área da análise musical e, nos últimos 6 a 7 anos, tenho-me especializado na música de cinema, incluindo a música do Bernard Herrmann, não só os trabalhos que fez para filmes de Hitchcock, mas as suas músicas nesta arte. Noutro ponto de vista tenho também explorado a música nos filmes de David Lynch. A composição sonora de “Os Faroleiros” permitiu-me aliar estes pontos, com referências que trouxe do meu trabalho de investigação. Pode não ser muito óbvio para quem ouve, mas o Bernard Herrmann é essa referência maior. “Os Faroleiros” tem uma dimensão expressionista, com afinidade aos trabalhos de Hitchcock e foi algo muito interessante, na tomada de algumas decisões musicais.

Os Faroleiros
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MHD: Que memórias sonoras do cinema guarda na sua memória?

Daniel Moreira: Há dois compositores que são muito especiais: o Bernard Hermann e o Ennio Morricone. Ambos têm uma capacidade incrível de escolher sonoridades, timbres e cores associada à situação dramática no filme. Mas o cinema não é só música e, do ponto de vista de efeitos sonoros e design de som, o David Lynch é muito impressionante. A sonoplastia dos seus filmes e séries é tão rica que chega a cumprir efeitos que normalmente só a música tem.

Dentro desse ponto de vista também gosto muito do Darren Aronofsky com “Pi” (1998), “A Vida não é um Sonho” (2000) ou o “Mãe!”. Lembro-me também do Jacques Tati, que consegue fazer comédia com som. Se tirarmos o som dos seus filmes, não daria para rir, porque o gag é muitas vezes sonoro. O cinema é tanto som quanto imagem, o que não significa que seja o som a mandar na imagem ou a imagem a mandar no som.

Ouve a banda-sonora de Vertigo de Bernard Herrmann

MHD: O Daniel Moreira será que nos poderia contar um pouco dos seus trabalhos futuros além deste sobre a música de Bernard Herrmann?

Daniel Moreira: Os trabalhos de investigação deverão ocupar-me imenso tempo. Estou a iniciar um estudo mais abrangente sobre o trabalho de Hermann nos seus mais de 50 filmes. Estou também a recolher feedback dos colegas do campo.

Quanto aos projetos mais próximos, há um projeto de ópera para o ecrã que estou a trabalhar e outro projeto para orquestra e coro, talvez com eletrónica, ainda não decidi. Existem várias coisas, mas as investigações irão deixar-me mais ocupado ao longo deste ano.

MHD: Obrigado pela oportunidade! Êxito na Culturgest. 

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