"Jeanne Du Barry - A Favorita do Rei" | © Pris Audiovisuais

Festa do Cinema Francês ’23 | Jeanne du Barry – A Favorita do Rei, a Crítica

A nova Festa do Cinema Francês abre da mesma forma que o Festival de Cannes, com a “Jeanne Du Barry – A Favorita do Rei” de Maïwenn. O filme tem dado que falar devido ao casting de Johnny Depp no papel de Luís XV, mas será que o trabalho final justifica o furor?

Antes de qualquer imagem se manifestar além do ecrã preto, a música de Stephen Warbeck já nos prepara para a experiência cinematográfica que se avizinha. É uma composição robusta com traços tradicionais, evidenciando ares de classicismo e aquela opulência teatral que é esperada do drama de época. Só que aqui se denuncia a convenção extrema também, preparando o espetador para uma daquelas obras contra a qual os enfants terribles da Cahiers du Cinéma já se manifestavam nos anos 50 do século passado – o dito cinema de qualidade, bafientos e cheios de pó, tanto à moda antiga que são mais fósseis que filmes.

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Na senda da polémica, Maïwenn propõe-se a contar a história da última favorita de Luís XV, a infame Madame Du Barry. A realizadora-escritora-atriz interpreta a rapariga de origens humildes virada cortesã e aristocrata, aquela que foi desde os confins da sociedade francesa do século XVIII até ao colo do máximo poder. Em jeito de biografia de Hollywood, a fita começa na infância e segue a bela Jeanne até à expulsão de Versalhes, delineando a sua ascensão social em contraposto com o amor entre esta mulher livre e o monarca absoluto. O sentimentalismo é rei nesta conceção narrativa e tudo se faz para revelar uma visão de Jeanne Du Barry diferente da caricatura salaz.

jeanne du barry critica festa do cinema frances
© Pris Audiovisuais

Logo aí, denotam-se os valores inspiradores do projeto. Afinal, aqui Maïwenn faz a tentativa de dar a conhecer a verdade por detrás do mito, dando voz àqueles cuja História silenciou. Infelizmente, a tentativa sabota-se a si mesma quando a nova perspetiva é deturpada e romantizada. Assim é até ao ponto em que o próprio revisionismo se comprova pouco mais que um outro mito sem fundação. Pinta-se mais uma camada de sensacionalismo sobre a vida de Jeanne Du Barry e mais a mulher se perde, soterrada debaixo do rumor consagrado primeiro em livros tendenciosos e agora no grande ecrã.

Acima de tudo, destaca-se uma vontade de santificar a personagem titular, inoculando-a de qualquer crítica mesmo quando isso resvala para o absurdo. Veja-se a relação da amante real com Zamor, o menino escravo que o rei lhe comprou como prenda. O filme pinta a população aristocrática de Versalhes como um bando de racistas grotescos, mas, ao mesmo tempo, reconfigura a dinâmica entre mestra e servo como um laço pseudo familiar. Jeanne é a grande defensora do rapaz cujas correntes ela mesma segura, uma joia de progressismo político fora de tempo, qual liberal do século XXI viajada uns 250 anos para trás.




Numa perversão dos factos, até parece que a Condessa Du Barry se considera enquanto mãe do seu pajem. Se isso não bastasse, o apoio de Zamor à causa Republicana aquando da Revolução é narrado como uma decisão tola e rancorosa contra a injustiçada Jeanne. Sim, falamos de narração porque o voz-off domina “Jeanne Du Barry” do princípio ao fim, declamando-nos o percurso histórico ao invés de o viver. Desse facilitismo textual nasce a alienação, reduzindo a heroína a um elemento ilustrativo ao invés da força motriz a comando do seu conto. Talvez se a prestação de Maïwenn fosse melhor, subverter-se-ia o desequilíbrio.

Contudo, enquanto atriz principal, a cineasta prova-se pior ainda do que como realizadora e argumentista. Tudo parte do casting, um vil erro que contradiz as realidades históricas de Jeanne e a distancia ainda mais da verdade. Sem querer cair em misoginia, há que dizer como Maïwenn é demasiado velha para o papel de uma mulher que, segundo relatos da época, terá conquistado as atenções do rei, em parte, pelos seus ares de juventude na vertigem da meninice. Além disso, toda a caracterização estética é absurda, com trejeitos estilísticos algures entre o burlesco contemporâneo e um cliché de coquete com mais afinidades ao século XIX que XVIII.

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© Pris Audiovisuais

Não há a mínima tentativa de sugerir uma cortesã que arranjou maneira de encontrar lugar na Corte de Versalhes pois, enquanto atriz, Maïwenn não faz qualquer tentativa de diferenciar o comportamento de Jeanne entre o bordel e o palácio. Há um jeito de franqueza anacrónica na prestação, mas esse choque não sustenta tudo. A maioria do elenco segue-lhe o exemplo, dando aso a um drama em que atores graúdos parecem presos no registo de um teatro infantil. Figurinos e maquilhagem não ajudam, desfilando mixórdias de História e fantasia sem nexo nem ordem. Quando a parvoíce transcende o design para se manifestar em texto – cabelos soltos, branco nupcial – a situação só pior.

No meio disto tudo, a grande ironia é que Depp e a música antiquada acabam por ser os melhores elementos da fita. Como Luís XV, o ator Americano traz sonoridades anglofónicas ao diálogo em francês, mas compensa essa estranheza com uma palpável noção de superioridade ditada por suposta ordem divina. Seu sorriso matreiro face aos faux pas da amante é especialmente marcante. No que se refere à banda-sonora, presumimos que a própria Maïwenn a considera elemento chave do filme. Afinal, o nome do compositor tem lugar de primazia nos créditos finais, acima até do argumento.

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Jeanne Du Barry - A Favorita do Rei, a Crítica
jeanne du barry critica festa do cinema frances

Movie title: Jeanne du Barry

Date published: 7 de October de 2023

Director(s): Maïwenn

Actor(s): Maïwenn, Johnny Depp, Benjamin Lavernhe, Melvil Poupaud, Noémie Lvovsky, Patrick d'Assumção, Pierre Richard, Robin Renucci, Pascal Greggory, india Hair, Caroline Chaniolleau, Micha Lescot, Diego Le Fur, Pauline Pollmann

Genre: Drama, Biografia, História, 2023, 113 min.

  • Cláudio Alves - 45
45

CONCLUSÃO:

“Jeanne Du Barry – A Favorita do Rei” considera a Corte de Versalhes nos anos antes da Revolução Francesa. Só que, chegado o fim da fita, já o próprio espetador clama pelas guilhotinas, que elas venham e nos livrem de uma biografia enfadonha pejada de clichés do princípio ao fim. Depois de “Polisse,” “Meu Rei” e “DNA,” Maïwenn continua a ser uma das cineastas francesa mais dúbias da contemporaneidade. Quiçá a polémica causada pela presença de Johnny Depp atraia as audiências ao cinema, mas “Jeanne Du Barry” faz pouco para merecer essa atenção.

O MELHOR: A banda-sonora de Stephen Warbeck com sua sonoridade à moda antiga e jeitos de melodrama sem vergonha, pudor, ou qualquer graça. Bem, de vez em quando, a sutileza é sobrevalorizada.

O PIOR: Os figurinos atrozes com traços de Chanel moderna metidos pelo meio, a presença de Maïwenn no papel principal e todos os clichés da cine-biografia patentes no guião.

CA

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