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Festa do Cinema Francês ’22 | Toda a Gente Gosta de Jeanne, em análise

A Festa do Cinema Francês é já um acontecimento marcante no nosso país e a 23ª edição abriu com a divertida antestreia de “Toda a Gente Gosta de Jeanne”, a primeira longa-metragem de Céline Devaux.

Céline Devaux pode ser um nome pouco sonante para os entendidos em cinema, mas “Toda a Gente Gosta de Jeanne” promete colocar o nome da cineasta na lista das grandes realizadoras francesas. Com um argumento também escrito por Devaux, a longa-metragem mostra estar à altura da reputação das comédias francófonas, capazes de nos arrancarem gargalhadas fáceis. Apesar de este ser o primeiro filme longo produzido por Céline, o brio demonstrado no resultado final pouco indica tratar-se de uma principiante.

Nascida em 1987, Céline Devaux havia apenas produzido curtas-metragens, tendo inclusive vencido o César de Melhor Curta-metragem de Animação, em 2016. Por isso mesmo, talvez o maior destaque de “Toda a Gente Gosta de Jeanne” seja mesmo o toque pessoal colocado pela realizadora no seu trabalho, presente na conjugação da ficção com a animação, quando as imagens da protagonista são intercaladas pelo aparecimento de uma personagem animada que funciona como ‘a voz da consciência’. Importa, acima de tudo, salientar que as piadas mais subtis do filme coadunam-se, essencialmente, com esta personagem fictícia.

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Em termos gerais, a longa-metragem centra-se em Jeanne (Blanche Gardin), uma empresária adorada por todos que vê a sua reputação ir por água abaixo (literalmente) quando a sua invenção para recolher plástico dos oceanos mostra ser um fracasso. Totalmente endividada, a mulher de sucesso vê-se obrigada a ir até Lisboa tentar vender o apartamento deixado pela progenitora recentemente falecida, de modo a conseguir dinheiro para suportar as dívidas. Contudo, o regresso a Portugal mostra ser uma viagem até ao passado quando Jeanne encontra Jean (Laurent Lafitte), um amigo de infância que se revela bastante inoportuno. Paralelamente, a chegada a Lisboa marca também o reencontro com Vítor (Nuno Lopes), o ex-companheiro da empresária.

Verdade seja dita, trata-se de uma linha narrativa demasiado comum, mas a forma como Céline Devaux trabalhou o guião, fez com que esta se transformasse numa verdadeira comédia que conjuga os momentos sérios em que se fala do luto e da perda com as piadas subtis que são metidas a meio do argumento sem que ninguém esteja à espera, tornando o filme bastante apelativo. Devaux mostrou saber balançar com perfeição o peso da dor com a leveza da comédia. O guião resultou, assim, na criação de uma personagem complexa que luta contra um turbilhão de sentimentos, desde o sucesso, à solidão, passando pelo reencontro do amor e o embaraço provocado pela vivência com Jean. Tudo isto equilibrado por uma ‘voz da consciência’ que surge ainda mais tresloucada que a própria personagem de Jeanne.

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Deixando de parte a personagem feminina, importa analisar o modo como são tratadas as três figuras masculinas que surgem na vida de Jeanne. Em primeiro lugar, Simon, o irmão mais velho da protagonista funciona como o equilíbrio da empresária, orientando-a muitas vezes para o caminho certo, ajudando-a a lidar com a dor da perda da mãe, mostrando-se companheiro de luto. Por outro lado, Jean, o colega de Jeanne, mostra-se imaturo, fazendo muitas trapalhadas com a sobrinha, o que acaba por atrair a empresária que se sente conquistada pelo seu espírito livre e pela sua joie de vivre. Por fim, Vítor é a figura menos explorada pelo argumento, mostrando ser uma personagem do passado que foi amadurecendo e por isso deixou de atrair tanto a protagonista.

Além das personagens masculinas, há um outro elemento que se torna curioso ao longo do filme, a Cidade de Lisboa. É interessante ver que a capital lusa é tratada pela realizadora como uma espécie de personagem, sendo-nos apresentada pelos olhos de um estrangeiro. É-nos então mostrada uma caricatura daquilo em que Lisboa se transformou, com as imobiliárias a tentarem apagar a verdadeira essência local ao expulsarem os habitantes que sempre aqui viveram.

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Dito isto, “Toda a Gente Gosta de Jeanne” é uma obra extremamente completa que tanto diverte com as suas piadas colocadas nos momentos certos, como exige ao espectador uma reflexão profunda de tudo o que se passa nas entrelinhas do filme. Ao fim e ao cabo, trata-se de um retrato de alguém que se encontra em depressão e que tenta lidar com as duras memórias do passado através de um recomeço que teima em não chegar. O equilíbrio perfeito desta roleta de sentimentos chega-nos através de uma pessoa só, a protagonista, havendo um paralelismo entre o seu ar deprimido e a sua mente divertida que mostra querer expulsar os demónios do passado.

Por fim, importa ainda realçar a importância do sol neste filme, uma vez que a luz exerce um elemento importante ao dar cor à vida de Jeanne. Note-se, por exemplo, que ao entrar na casa escura e abafada da mãe, a protagonista prontamente abre todos os cortinados, mostrando a estrondosa paisagem que pela janela se pode avistar, tentando através da luz eliminar a ausência da progenitora. Finalmente, estamos perante uma longa-metragem que deixa tudo em aberto, uma vez que o espectador acredita que Jeanne e Jean terminam juntos mas, na verdade, o final deixa apenas suspeitas disso no ar.

TRAILER | TODA A GENTE GOSTA DE JEANNE ESTREIA A 10 DE NOVEMBRO

 

Gostas de comédias francesas? Tiveste a oportunidade de assistir a “Toda a Gente Gosta de Jeanne” na Festa do Cinema Francês?

Toda a Gente Gosta de Jeanne, em análise
toda a gente gosta de jeanne

Movie title: Toda a Gente Gosta de Jeanne

Movie description: Jeanne é uma empresária bem sucedida que inventa uma nova máquina capaz de recolher os plásticos dos oceanos. Quando o seu projeto apresenta graves falhas, começam a surgir as dívidas, levando a adorada Jeanne à falência. Sem outros recursos financeiros, a empresária vê-se obrigada a ir a Lisboa vender o apartamento da falecida mãe. Porém, o reencontro com um ex-colega de escola mudará o percurso dos acontecimentos.

Date published: 3 de November de 2022

Country: França e Portugal

Duration: 95'

Author: Céline Devaux

Director(s): Céline Devaux

Actor(s): Blanche Gardin;, Laurent Lafitte;, Maxence Tual;, Nuno Lopes

Genre: Comédia dramática

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  • Jéssica Rodrigues - 65
65

CONCLUSÃO

Trata-se de uma comédia dramática que faz um equilíbrio sublime entre os momentos de diversão e o turbilhão de sentimentos vividos pela protagonista, mostrando uma das muitas formas de se lidar com o luto.

Pros

  • A personagem animada que funciona como ‘voz da consciência’;
  • O equilíbrio entre os momentos sérios e a introdução de piadas subtis;
  • A função do sol enquanto gerador de cor à vida da protagonista;
  • A escolha do elenco.

Cons

  • O final em aberto suscita algumas questões quanto ao rumo da história.
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