"Finale" | © MOTELX

MOTELx ’19 | Finale, em análise

Finale” é uma celebração e uma crítica do subgénero do terror, ‘torture porn’. Esta bizarra proposta dinamarquesa é um dos filmes em competição no MOTELX.

Desde os seus primeiros instantes, “Finale” afirma-se como um filme metatextual que pretende examinar o ato de ver filmes de terror. Tudo começa com um aviso e uma mensagem de boas-vindas emoldurada por cortinas vermelhas. De cara pálida e vestimenta formal, o nosso anfitrião acautela-nos para o festim de sofrimento tornado entretenimento. A mente humana gosta do mórbido e do insólito, gosta de tirar prazer dos grotescos abusos perpetrados contra desconhecidos e os criadores deste filme estão prontos a nos oferecer tudo isso. O aviso está feito, quem quer sair da sala saiu e tudo está pronto para se dar início. Não se ouvem as pancadas de Molière, mas a mensagem é clara – o espetáculo vai começar.

Como numa espécie de circo cruzado com câmara de torturas e livestream do youtube, vamos descobrindo mais detalhes sobre a premissa deste espetáculo dentro do espetáculo antes de conhecermos as suas vítimas. Segundo as palavras que aparecem na imagem, a Dinamarca é um dos países com a população mais feliz em todo o mundo. O grande objetivo do serão será contrariar esse mesmo índice de felicidade e o triunfo parece, logo à partida, garantido. Muito o filme aguça a nossa fome de terror e carnificina com este prólogo, antes de se aventurar pela estrutura bifurcada que marca a maioria da sua duração.

finale critica motelx
© MOTELX

Agnes Berger é a vítima e protagonista, tanto do espetáculo dentro da história como do filme em si. Loira, jovem e bem-parecida, ela é um arquétipo de pureza escandinava pronta a ser vilmente torturada para o prazer do espectador, tanto aquele confinado ao universo do filme, como aquele sentado no cinema. Na noite em que a conhecemos, ela está a trabalhar um último turno na estação de serviço do seu pai, situada perto da fronteira com a Alemanha. Como companhia, ela tem outra trabalhadora, Belinda, e as barreiras de privilégio que as separam parecem também ter originado um certo antagonismo.

Tudo isto é corriqueiro e até banal demais, não fosse o toque de tragédia que a estrutura do filme confere a tais momentos. Ao mesmo tempo que “Finale” nos vai contando as aventuras noturnas de Agnes e Belinda na estação de serviço, o filme corta constantemente para a protagonista já no cenário da sua tortura. Ao longo de prolongadas sequências de animosidade profissional e frustração com clientes ameaçadores, sabemos que Agnes vai acabar amarrada a uma cadeira com um louco, com a cara pintada como um palhaço, pronto a torturá-la para o prazer de várias audiências espalhadas por todo o mundo.

Esta justaposição cria uma variação tonal interessante, mas não redime uma série de problemas formais em clara evidência. A fotografia é extremamente desinspirada e as composições quase sugerem o amadorismo. Considerando o comentário autorreflexivo que “Finale” se propõe a fazer sobre o cinema de terror, seria de esperar um melhor domínio sobre os seus mecanismos visuais. O pior de tudo é que várias instâncias que parecem querer chocar e assustar acabam por não conseguir nenhuma dessas reações. Vemos os indicadores do susto repentino, mas o efeito é ciclicamente castrado pelo poder da má montagem. Só mesmo um leitmotiv visual de câmaras a fazerem zoom demonstra alguma astúcia estética.

Além disso, a estrutura que entrecorta as duas linhas da cronologia narrativa não beneficia nada as cenas iniciais na estação de serviço. Tal como o pior ‘torture porn’ que o filme parece querer criticar, ou, pelo menos, desconstruir, “Finale” claramente concentrou o esforço da sua equipa nas cenas mais sangrentas e tortuosas. Em contraste direto com isso, os prelúdios da tortura parecem frouxos e executados sem interesse. Só mesmo as atrizes é que redimem essas passagens, sugerindo a dinâmica abrasiva entre Agnes e Belinda com credibilidade e complicadas emoções justapostas. Esses esforços interpretativos pagam os seus dividendos quando, na segunda metade do filme, as duas terão de trabalhar em conjunto para se escapulirem de um destino infeliz.

finale critica motelx
© MOTELX

Com isso dito, nem Anne Bergfeld como Agnes ou Karin Michelsen como Belinda chegam aos calcanhares daquele que é o melhor ator em cena. Quando “Finale” finalmente unifica as suas duas linhas narrativas, a história do espetáculo de livestream pode realmente ter início. O já mencionado homem com maquilhagem de palhaço é o mestre de cerimónias deste circo de horrores e Damon Younger interpreta-o com toda a pomposidade enlouquecida que o papel requer. O mestre de cerimónias é um estupendo vilão que parece ter saído de um perverso filme de série B e, mesmo com efeitos de gore duvidosos, as suas cenas conferem a “Finale” uma energia eletrizante.

Infelizmente, outros vilões secundários são menos bem-sucedidos e a partir do momento em que o Mestre de Cerimónias se ausenta, a história perde muito do seu poder. Enfim, “Finale” tem muito potencial e, não obstante algumas escolhas estruturais de dúbia qualidade, o seu argumento é excecional e está cheio de piscares de olhos para os grandes fãs de cinema de terror. O problema é a execução, com desonroso destaque para a já criticada realização de Søren Juul Petersen. Uma proposta metatextual como esta precisa de uma linguagem formal tão apurada e retorcida como a narrativa. “Finale” não é uma ideia falhada sem valor, mas deixa muito a desejar. Os filmes mais frustrantes são mesmo aqueles que nos mostram como poderiam ser obras-primas, mas depois desperdiçam esse potencial.

Finale, em análise
finale critica motelx

Movie title: Finale

Date published: 15 de September de 2019

Director(s): Søren Juul Petersen

Actor(s): Anne Bergfeld, Karin Michelsen, Damon Younger, Kristoffer Fabricius, Mads Koudal, Kim Sønderholm, Gustav Scavenius, Lars Knutzon, Freya Møller-Sørensen

Genre: Terror, Mistério, 2018, 100 min

  • Cláudio Alves - 50
50

CONCLUSÃO:

“Finale” começa e termina com um anfitrião e uma cortina vermelha a falar diretamente para o espetador. Tais gestos mostram-nos que o seu realizador quer chamar atenção para ao artifício do seu engenho de um modo quase Brechtiano. Que o sujeito do seu estudo teatral é o subgénero do ‘torture porn’ torna-se óbvio, mas, para mal de todos os envolvidos, a execução desta ideia fica aquém do seu potencial. “Finale” acaba por se tornar num mau exemplo dos mesmos filmes sobre os quais parece querer comentar.

O MELHOR: O mestre de cerimónias e o palpável gosto que ele tem pelos horrores do seu ofício.

O PIOR: As composições e montagem anti-suspense no prelúdio da estação de serviço.

CA

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One Response

  1. Frederico Daniel 19 de Novembro de 2019

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