Gladiador 2, a Crítica | Ridley Scott sonha com Epopeias e Espetáculo
Há vinte e quatro anos, Gladiador ganhou o Óscar de melhor filme. Ridley Scott cravou, assim, o seu nome na história do cinema moderno, com um dos filmes mais emblemáticos dos anos 2000. Amanhã estreia a sua sequela.
Este terá sido um dos filmes mais aguardados do ano. As expectativas são altas e os receios elevados com o regresso de Ridley Scott à arena de Roma. Vinte e quatro anos volvidos, o realizador toma uma das decisões mais arriscadas da sua carreira: trazer dos mortos algo que ecoa na eternidade do imaginário de todos nós – o majestoso e inesquecível “Gladiador” (2000), disponível na Prime Video.
“Gladiador 2” começa com uma ‘opening scene’ artística e refinada, tingida de cores vibrantes e traços impressionistas, que procura reavivar a história que ainda hoje lembramos (por mim falo) com alguma frequência. Num dos papéis mais marcantes da sua vida, Russell Crowe personifica Maximus, um general romano leal ao imperador Marco Aurélio, que, após uma traição, é reduzido à condição de escravo acabando por se tornar num gladiador. Movido pela perda da sua família e pelo desejo de vingança, Maximus luta para derrubar o então imperador Commodus (Joaquin Phoenix).
Tudo pareceu ter ficado resolvido. Mas Ridley Scott diz-nos que não. Numa entrevista à Deadline o realizador deu um desgosto aos românticos que acreditam que todos os filmes têm um motivo ou uma paixão que impera no espírito de quem os faz. Gladiador 2 quer chamar as pessoas ao cinema e talvez pôr um Óscar na mão de Scott– uma megaprodução que escolhe a única personagem plausível para sustentar uma sequela: Lucius, o filho de Maximus e Lucilla.
Uma epopeia de grandes atores
Paul Mescal encarna a ponta solta que pode justificar um segundo filme. Há filmes que merecem ser o que são e ficarem como estão. No caso de “Gladiador”, uma sequela não prejudica o primeiro filme, mas digamos que também não acrescenta muito. E não me interpretem mal, foi catalisador estar absolutamente imbuída num espetáculo de sangue, com modelos da Abercrombie Fitch à escala romana, mas, em termos narrativos e em termos de cinema, no seu sentido mais espiritual, não houve nada que trespassasse a barreira emocional.
Mescal, formalmente conhecido por filmes de cariz sentimentalista, oferece-nos uma prestação definitivamente mais agressiva com uma grande exigência física, mas não muito corpulenta. Quem sai aos seus não degenera, mas Lucius não tem a brutalidade do pai e talvez por isso nos deixe a impressão de que falta algo na sua prestação.
Já Pedro Pascal parece ser a escolha acertada, muito firme e seguro, temuma aura clássica, mas moderna o suficiente para suportar todo o aparato de uma produção em massa. Infelizmente, não pudemos vislumbrar o ator na sua potência máxima, pois parece que “Gladiador 2” não pretende exigir muita profundidade por parte dos atores que escolheu, o que é uma pena, pois todos têm características que podiam ter sido perfeitamente utilizadas a seu favor.
Denzel Washington terá sido o mais expressivo, nunca desapontando a sua audiência. Interpretando Macrinus, vamos assistindo ao adensar da sua personagem, com camadas maquiavélicas e igualmente fascinantes. Se esta performance lhe vai valer um óscar, parece-me pouco provável, tendo em atenção a sua filmografia até hoje, mas não são precisos prémios para saber avaliar uma boa performance e Washington cumpriu tudo a que se propôs. Talvez tenha sido o mais cativante de todo o filme.
Uma epopeia de gladiadores e espetáculo
Claro que não podemos descurar, nem deixar de fazer menção, à imensidão deste projeto. Tendo tido a oportunidade de ver este filme em IMAX (que recomendo vivamente) não podia deixar de pensar, a cada meia hora, na perícia, organização e cuidado que este filme, pelos seus aspetos mais técnicos, exigiu. Estamos perante uma epopeia pujante e repleta de engenho, que opera como um adorno asfixiante e impede a audiência de prestar atenção às potenciais falhas da obra.
Ridley Scott presenteou-nos com as lutas mais viscerais, animalescas e ficcionais da história do cinema. Raros foram os momentos em que vimos gladiadores a digladiarem-se entre si. Era mais provável estarem a lutar com rinocerontes ou tubarões, o que não é incomodativo, aliás até é extremamente divertido, mas um pouco triste quando percebemos a mimética que existe entre as sociedades antigas que se sentavam no coliseu e nós, que nos sentamos à frente de um ecrã para assistir a violência gratuita.
Uma epopeia de potenciais mensagens
E, ainda que improvável, parece haver uma mensagem subliminar em “Gladiador 2”: o indivíduo que é espectador e se deixa corromper por um certo amorfismo, o indivíduo que não tem sentido crítico e se deixa controlar por tiranos, o indivíduo numa sociedade de escravos com vontades decapitadas.
O guião parece insistir um pouco nesta ideia, até de forma pouco natural, este conceito de liberdade que pode ser aplicado à contemporaneidade, especialmente em tempos tão politicamente conturbados. Se o sonho americano é um ethos que promove o sucesso à custa dos outros, o sonho romano é restabelecer os ideais democráticos e a liberdade individual.
No fim de “Gladiador 2” o sentimento é agridoce. Há um certo vazio que duas horas e meia de filme e muito aparato cinematográfico não preenchem. Sem dúvida é um filme bem realizado e dos mais interessantes que Ridley Scott tem feito ultimamente, mas não nos enche as medidas, talvez por não ter valência própria. É furiosamente dependente do primeiro. Ainda assim, tem qualidade e serve o seu propósito: entretém com entusiasmo e acessibilidade.
Achas que Gladiador 2 dá finalmente o Óscar a Ridley Scott?