IndieLisboa | Lost Holiday

16º IndieLisboa | Lost Holiday, em análise

Lost Holiday” é uma comédia meio absurdista realizada por Michael Kerry Matthews e Thomas Matthews que está em competição no IndieLisboa.

Ao longo da última década, Kate Lyn Sheil tem-se vindo a tornar numa das indisputáveis rainhas do cinema independente americano. Considerando a natureza dos projetos em que participa, Sheil será, para muitos, uma entidade desconhecida. Contudo, para outros, a sua face é praticamente sinónima de um certo estilo de naturalismo casual, descomplicado, mas cheio de nuance que dá vida a filmes de orçamentos minúsculos e cheios de ambição. O talento da atriz e a sagacidade com que tem vindo a escolher projetos garantem a aclamação crítica e admiração dentro da indústria cinematográfica. Note-se como, aquando da sua experimentação com múltiplas camadas de performance em “Kate Plays Christine”, o realizador Robert Greene escolheu a atriz para ser o centro do projeto.

“Lost Holiday”, infelizmente, está longe de aproveitar os talentos da atriz de modo tão formidável como o exercício metatextual de Greene. Neste seu mais recente papel, Sheil interpreta Margaret, uma mulher privilegiada e cronicamente entediada pelo que a vida tem para lhe oferecer. Ela é mesquinha e obsessiva, uma adolescente num corpo de trinta anos que parece incapaz de aceitar responsabilidades ou considerar, nem que seja por um segundo, os sentimentos das pessoas que a rodeiam. Por outras palavras, ela é um pequeno monstro de egocentrismo patológico à espera do estímulo necessário para se tornar numa força destruidora. O pior de tudo é que, como seu maior aliado e mais devoto companheiro, Margaret tem Henry, outro menino rico que nunca ultrapassou a imaturidade da juventude e julga que tem muito mais piada e charme do que realmente tem.

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Como sempre, Kate Lyn Sheil é excepcional.

Em tempos festivos, perto do fim do ano, estes dois viajam de Nova Iorque até Washington e acabam por se envolver na procura por uma socialite que desapareceu sem deixar rasto. Não que qualquer pessoa lhes peça para se envolverem, mas Margaret e Henry estão simplesmente aborrecidos e, como dois miúdos sem nada na cabeça, fazem do caso policial um jogo. Pelo menos, essa parece ser a motivação de Margaret, enquanto Henry é simplesmente arrastado para a loucura. Nenhum dos dois avisa as autoridades quando descobrem informação importante, pois não estão de todo preocupados com a segurança dos outros, e acabam por ter de confrontar as consequências potencialmente catastróficas das suas ações. Isso e ponderam a possibilidade de terem levado à morte de um bebé enquanto estão completamente pedrados.

Verdade seja dita, Kate Lyn Sheil oferece aqui mais uma exemplar performance. A abordagem naturalista a que a atriz tem vindo a acostumar aqueles que seguem a sua carreira mantém aqui presença. No entanto, há uns toques de estilização e inexpressividade deliberada que pintam um retrato meio perturbador de alguém que é incapaz de ver valor noutro indivíduo para além do divertimento que essa pessoa lhe pode trazer. Trata-se de uma visão assustadoramente plausível de como a irresponsabilidade de uma adolescente desafetada é insustentável e genuinamente perigosa quando se aplica à figura de uma mulher adulta que se recusa a crescer.

O problema de Margaret, enquanto personagem, e de “Lost Holiday”, enquanto experiência cinematográfica e narrativa, não é o trabalho de Sheil. O problema é como os cineastas presumem que tudo isso é uma irresistível fonte de comédia. Como é evidente, humor é algo terrivelmente subjetivo, mas os ritmos sonolentos deste filme emparelhado com a monstruosidade das personagens são a receita perfeita para um veneno capaz de obliterar até os mais insinceros risinhos. Apesar de só ter 75 minutos, “Lost Holiday” acaba por ser uma valente provação à paciência de quem não consiga encontrar piada nas desventuras de Margaret e Henry, cujas falhas de caráter são demasiado realistas para que a história possa cair nos prazeres do absurdismo.

Aliás, o argumento parece mesmo querer sugerir uma história dominado pelo absurdo, mas o estilo com que “Lost Holiday” foi filmado está sempre a prender o projeto ao tipo de realismo estético que caracteriza a maioria do cinema indie americano desde os anos 70. Tal realismo, especialmente quando emparelhado com prestações naturalistas e cáusticas como a de Sheil, invariavelmente tornam-se na antítese de absurdismo. Outros cineastas, talvez conseguissem minar esta fricção e nela encontrar contrastes interessantes. Escusado será dizer que, não obstante o seu potencial talento, os irmãos Matthews, Michael Kerry e Thomas, estão longe de serem esses cineastas milagreiros.

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Uma comédia sem piada.

O que esta parelha de realizadores aparenta ter é um grande olho para o potencial dramatúrgico de detalhes aparentemente inócuos- Note-se, por exemplo, como o figurino de Margaret, um casaco com cabeça e garras de urso, resume instantaneamente a imaturidade que é a principal mácula do seu caráter. O seu uso de música também é de louvar, especialmente no que diz respeito à relação tonalmente dessincroniza que esta desenvolve com a ação. Além disso, temos aqui admirável trabalho em termos de direção de atores e um virtuosismo admirável na construção de um visual reminiscente do cinema independente de outra época, nomeadamente os micro indies dos anos 90. A fotografia granulosa com ocasionais pinceladas de cor garrida é de particular mérito.

Reconhecemos o valor de tudo isso, mas, no fim, nada redime as fragilidades incomensuráveis do projeto. Há uma apatia terrível que parece dominar o projeto, mesmo em instantes de grande experimentação estilística como é o caso dos devaneios drogados dos protagonistas. De certo modo, é como se estivéssemos a observar um esboço não terminado, ou melhor, um rabisco desenhado com pouca motivação. Falta convicção e energia a “Lost Holiday”, falta propósito e falta humor. Nem Kate Lyn Sheil nem a fotografia, nem as escolhas musicais conseguem ofuscar essas lacunas. Observando os elementos díspares da obra, é possível imaginar os mesmos cineastas e o mesmo elenco a produzirem uma obra muito mais meritosa. Oxalá esse filme um dia venha a existir.

Lost Holiday, em análise
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Movie title: Lost Holiday

Date published: 7 de May de 2019

Director(s): Michael Kerry Matthews, Thomas Matthews

Actor(s): Kate Lyn Sheil, Thomas Matthews, Keith Poulson, William Jackson Harper, Ismenia Mendes, Joshua Leonard, Isiah Whitlock Jr., Emily Mortimer

Genre: Comédia, Drama, Mistério, 2019, 75 min

  • Cláudio Alves - 40
40

CONCLUSÃO:

“Lost Holiday” é uma comédia sem piada que tenta ser uma aventura absurdista, mas é demasiado realista para isso, que tenta ser um estudo de personagem, mas não tem disciplina para dar coerência a tais desígnios. Uma performance notável da atriz principal e alguns elementos técnicos mais virtuosos quase redimem a experiência. Quase, mas não o suficiente.

O MELHOR: A prestação de Kate Lyn Sheil, especialmente nas passagens mais dramáticas da narrativa, quando Margaret é forçada a confrontar o potencial horror das suas ações imaturas e egoístas.

O PIOR: O “humor”.

CA

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