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IndieLisboa ’23 | Crónicas Curtas #7

Chegou a hora de contemplar os restantes projectos presentes na mais recente Competição Internacional de Curtas do IndieLisboa!

Primeiro, uma informação relevante para aqueles que seguiram estas crónicas. Não procurem pelas CRÓNICAS CURTAS #6 porque, fiel ao espírito que anunciei no artigo CRÓNICAS CURTAS #4, passei só a escrever sobre os filmes que classificasse com quarenta pontos numéricos, equivalentes a duas estrelas, ou mais. Sucede que a sessão da COMPETIÇÃO CURTAS 6 conseguiu a proeza de reunir quatro curtas impossíveis de classificar acima daquele patamar. Por isso, passemos desde já ao que importa destacar na COMPETIÇÃO CURTAS 7, derradeira prova de fogo para aqueles que acompanharam a globalidade das propostas inscritas na respectiva programação.

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Une jeunesse aimable IndieLisboa
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UNE JEUNESSE AIMABLE, 2022, de Yann Ducreux (Bélgica). Projecto curioso este, que reanima a memória de uma relação antiga entre Arthur Rimbaud e Paul Verlaine, uma paixão atormentada vivida no século XIX, reconstruindo na actualidade, e com imagens propositadamente registadas no limite da sensibilidade fotográfica, imagens “sujas” e a preto e branco, a plataforma onde se articulam sequências de imagens e sons balizadas pelas vozes que amplificam as palavras outrora partilhadas na silenciosa leitura das cartas que ambos escreveram um ao outro. De repente aflora a cor, por breves momentos, num espaço feérico e nocturno onde os dois actores e amantes da nossa era parecem estar cada vez mais próximos do contacto físico. Dali para a frente assistiremos a uma progressiva ruptura que vai ao ponto de fazer crescer a idealização de um crime. Entretanto, após a violência inconsequente, o realizador decide complicar o jogo de espelhos entre passado e presente e sai dos espaços interiores, onde as relações mais íntimas se consumavam, mesmo quando eram fontes de contradições e ciúmes, para investir num universo meio gay, meio surreal, que introduz um grau de esterilidade narrativa deitando a perder, mesmo na sua componente mais frenética e original, a muito mais segura, clássica e coerente estrutura inicial. De qualquer modo, mesmo sem dar provas de poder ir muito mais além do mero exercício formal, esta curta merece ser vista com alguma atenção.

CLASSIFICAÇÃO: 40/100




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Eeva IndieLisboa
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EEVA, 2022, de Morten Tsinakov e Lucija Mrzljak (Estónia, Croácia). Se Luis Buñuel fosse vivo e desse uma voltinha pela oferta de cinema de animação, garanto-vos que iria gostar desta curta. Tudo começa num funeral onde vemos um longo painel de homens perfilados uns ao lado dos outros, qualquer deles vestido com os mesmos fatinhos completos. No meio desta rotineira imagem de grupo, quem sabe, de executivos, uma mulher vestida de negro. Há quem chore, e a natureza parece acompanhar o lamento dos que ali se encontram pesarosos, porque sobre os vivos e o morto cai uma chuva branda que confere um certo mistério ao cerimonial fúnebre. Nada de estranho, dirão. Bom, na verdade um pássaro (suponho que seja um pica-pau) surge a esvoaçar e pousa em cima do caixão. Pobre animal que não sabia o que o esperava porque, logo de seguida, leva com um chapéu-de-chuva e ali fica para sempre. Mais um que deu a alma ao criador. Depois, o funeral segue os ritos habituais naquelas paragens adriáticas e num restaurante bar, com palco para uma pequena banda e um cantor, vemos os mesmos homens e a mesma mulher, agora isolada numa mesa só para ela. Todos participam numa refeição que pouco a pouco se degrada e acaba por descambar, muito por causa de a viúva não hesitar em afogar as mágoas no vapor inebriante de uma série de bebidas alcoólicas que lhe são “oferecidas” em quantidades generosas. Tinha direito a elas, as bebidas, e a ela, a quantidade. Provavelmente, não seria possível aguentar aquele momento de dor sem a referida contribuição líquida e, finalmente, dias não são dias. Pouco depois, já em casa, numa atmosfera meio onírica, saberemos o que aconteceu ao marido e ficaremos a conhecer de relance o amante que se encontrava no quarto dentro de um armário na fatídica noite em que o espectro da morte interrompeu, seguramente, um bonito e singelo amor, dizemos nós. Podia seguir em frente na exposição sintética do que de melhor podemos observar em recortes de cor e nítida fluidez de movimentos, mas acreditem que nada supera o prazer de assistir a esta magnífica animação num ecrã perto de si. Há que apreciar no seu lugar próprio os grafismos de um impecável bom gosto, as maravilhosas sequências organizadas de forma sublime na montagem final e as virtudes de um argumento que, apesar de ser pura fantasia e proporcionar mil e uma leituras, se apresenta muito, mas muito eficaz. Filme pleno de grandes e loucas ideias, qualquer criador de primeira água não desdenharia apresentá-las como suas (como aquela do pica-pau que envia mensagens por morse ao bater com o bico num caixão). Diz-se mais aqui, sem um único diálogo, do que nas cascatas verborreicas de certos filmes, muito mais difíceis de decifrar porque muito mais difíceis de suportar. Este passa num instante. Confesso, vi-o uma vez e voltei a vê-lo passados uns minutos. Finalmente, destaco a suprema inteligência e criatividade da banda sonora, onde sons oriundos de outras eras se misturam com fantásticos arabescos de sonoplastia. Para os devidos efeitos, o meu único 100/100 da COMPETIÇÃO INTERNACIONAL CURTAS do INDIELISBOA 2023.

CLASSIFICAÇÃO: 100/100

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