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IndieLisboa ’23 | Crónicas Curtas #2

As curtas-metragens estão de regresso, numa competição internacional a decorrer na edição de 2023 do IndieLisboa!

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SUDDENLY TV, 2022, de Roopa Gogineni (Sudão, Qatar). Documentário realizado com coragem e determinação no seio de uma vibrante revolução em marcha no Sudão, cujas imagens registadas há poucos anos ganham hoje um significado ainda mais forte devido aos acontecimentos que assolam e atormentam aquele país africano, mergulhado numa violentíssima guerra civil cuja imprevisível duração faz recear o pior. Este SUDDENLY TV procura dar-nos a ver o que estava mal na altura da sua rodagem, assim como as então legítimas aspirações do povo sudanês. Infelizmente, não será difícil calcular que o estado das coisas se agravou nos dias que correm. Por isso, ver este documentário constitui, por um lado, um reanimar da memória de uma situação que muitas vezes passa ao lado de outras guerras e conflitos onde o mediatismo condicionado a certas agendas político-ideológicas prefere fixar-se. Por outro, pode ser visto como a angustiante presença fantasmática de rostos e corpos que de forma solidária se manifestavam nas ruas e praças contra a violência policial e as investidas dos militares que se apoderaram do poder, sem qualquer intenção de o devolver, muito menos ao povo para que se pudesse exercer um mínimo de verdadeira democracia. De facto, quantos daqueles que ali passam no ecrã e falam dos seus problemas e anseios estarão vivos? No meio deste combate desigual contra o poder da força bruta, a realizadora decidiu introduzir um elemento de subversão quase irreal, a saber, a ideia que passou pela cabeça de alguns rapazes de construir com cartões e garrafas de plástico o simulacro de uma câmara de reportagem, objecto que porventura simbolizava para eles, se fosse real, o instrumento que podia revelar aos olhos do mundo o seu Kino-Pravda, o cinema-verdade que na prática não viam ser produzido com a necessária sistemática no acompanhamento das suas acções reivindicativas e das suas movimentações revolucionárias. Este expediente algo ingénuo, que de início gera alguma estranheza e até perplexidade, já que podia facilmente ser identificado como uma caricatura da cobertura jornalística dos acontecimentos, revela-se plano a plano, sequência a sequência, como uma das mais acutilantes críticas do desespero que invade a alma daqueles que vivem os dias e noites de brasa como momentos de glória na afirmação pessoal e colectiva de uma revolução, mas sentem com mágoa que estão isolados do mundo quando esse mesmo mundo não lhes dá a visibilidade que precisavam para levar por diante a perspectiva de uma melhor vida futura. Filme urgente, que merece ser exibido aqui e agora e merecia outros palcos onde pudesse exercer o seu primordial propósito, ou seja, ser um instrumento de combate em prol da justiça e da dignidade dos homens e mulheres que no Sudão desejam a liberdade como um bem perene e não como uma mera, ilusória e falsa dádiva passageira.

CLASSIFICAÇÃO: 70/100

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Endless Sea
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ENDLESS SEA, 2022, de Sam Shainberg (EUA). Só quem anda muito distraído pode acreditar que nos Estados Unidos o apoio aos mais necessitados de cuidados médicos se faz com parâmetros similares aos nossos ou até do vizinho do Norte, o Canadá. Na verdade, comparado com o nosso SNS, o sistema imposto por um sistema que perpetua o valor do dólar sobre o bem-estar universal parece coisa de Terceiro Mundo. Precisamente, será esta a razão primordial que levou o realizador desta ficção a pegar num exemplo, entre milhares que podia destacar, da real ausência de humanidade que faz uma senhora de avançada idade, com um emprego precário, a percorrer as ruas de Nova Iorque num autêntico calvário onde se confronta com vicissitudes múltiplas, incluindo alguma canalhice por parte do genro e da sua filha, desde que a vemos numa farmácia a pedir um medicamento para acudir a uma doença crónica e que passou a custar centenas de dólares, algo que ela não pode pagar. Desesperada, procura soluções que acabam por não ser o melhor caminho a seguir e, por fim, opta por um acto criminoso como única resposta a uma situação limite, que a não ser resolvida podia espoletar consequências imprevisíveis, mas provavelmente fatais.

Não podemos dizer que seja um filme muito original do ponto de vista da planificação e da estrutura narrativa. Na verdade, não vai mais longe do que outras abordagens assumidas no campo do cinema dito de intervenção social. De qualquer forma, o filme que se afirma como depoimento sobre o inferno do capitalismo e da insensibilidade do sistema de segurança social que se escuda na burocracia demonstrando uma desalmada falta de compaixão ou humanidade, constitui uma peça importante para a reflexão sobre as flagrantes contradições de uma ordem democrática cujos valores financeiros em vigor não parecem compatíveis com a salvaguarda da vida dos que dela dependem e que a ela recorrem.

No genérico final ouvimos a canção interpretada por Iggy Pop, onde sobressaem os versos “Oh baby, what a place to be. In the service of the bourgeoisie. This air can’t get much thicker. Oh, the endless sea. Let it wash all over me”.

CLASSIFICAÇÃO: 50/100




IndieLisboa Dancing on the Grave
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DANCING ON THE GRAVE, 2022, de Ana Siskov (Croácia). Disse a realizadora no debate que se seguiu a esta sessão, a COMPETIÇÃO CURTAS 2, que fez este filme, mais palavra menos palavra, para ajustar contas com a avó. No filme vemos uma mãe e os seus dois filhos, um rapaz e uma rapariga. Naturalmente, a jovem será retratada como a sensível irmã de um irmão um pouco básico e aparece aqui como uma espécie de projecção fílmica da figura da autora. Disse esta ainda, na sua confissão pós-visionamento, que preferiu escrever um argumento sobre a relação entre mãe e filha, e não entre avó e neta, porque era mais fácil escrever sobre a progenitora do que a figura que mais a preocupava do ponto de vista subjectivo. Curioso o facto de apresentar o retrato da avó numa fotografia com um fumo negro, como se ela já não estivesse entre nós. Enfim, se não soubéssemos nada disto, o filme ainda seria mais inócuo no plano cinematográfico, limitando-se a ser o relato mais ou menos fastidioso de relações fúteis e de situações absolutamente banais de um quotidiano passado no que parece ser uma estância balnear do país produtor. E, assim sendo, passo a outro e não ao mesmo…!

CLASSIFICAÇÃO: 20/100

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Week-end Raté IndieLisboa
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WEEK-END RATÉ, 2022, de Julie Colly (França). Pretende ser uma comédia sobre as peripécias de um casal, Jeanne e Piero, que fartos do COVID e do confinamento decidem ir com a filha, Fantine, ainda bebé, passar um fim-de-semana numa zona rural. Desde o início vemos que não será fácil largar as rotinas diárias para se aventurarem numa loucura que lhes permitisse arejar as ideias e dar um novo alento numa relação que, aparentemente, estava a precisar de novos desafios, incluindo os sexuais. Pois sim, mas isso seria muito bonito se a bebé não vomitasse a cada quilómetro de estrada, se os engarrafamentos nas saídas das grandes cidades, como a de Paris onde habitam, não fossem monstruosos, e se uma vez no almejado casarão onde deveriam pernoitar não existisse um autêntico jardim zoológico de animais empalhados que só de olhar metiam medo ao susto. Mas, pior ainda, o dono do local parece apostado em funcionar ao retardador, coisa que para um francês que goste de criticar a proverbial lentidão provinciana e a frenética nervoseira dos parisienses constitui fonte segura de gargalhadas. No nosso cantinho, digamos assim, esboçamos um complacente sorriso e, no final das contas, fica esse prémio singelo e de simpatia para o esforço da realização que procurou, sem grande sucesso, fazer um filmezinho divertido ao jeito de uma sitcom sobre as vicissitudes de ser francês em França. Et voilà…!

CLASSIFICAÇÃO: 30/100

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