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LEFFEST ’21 | L’ événement, em análise

“L’ événement” ou em inglês “Happening”, exibiu no Lisbon & Sintra Film Festival no dia 14 de novembro, no Cinema Tivoli, e repete no NorteShopping a 21 deste mês.

É uma obra fortíssima, extremamente crua, dura, nua e desprovida de taboos, onde o politicamente correto é rejeitado e o real corajosamente exposto. Com mérito, a obra venceu o Leão de Ouro e o Prémio da Crítica no Festival de Cinema de Veneza em 2021.

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Segunda longa-metragem realizada pela jornalista, novelista e argumentista francesa Audrey Diwan, membro de uma ONG que promove a igualdade de género na indústria do cinema, é evidente que “L’événement” é uma obra profundamente pessoal, sincera e que, francamente, só resultaria assinada por uma mulher. Um retrato na primeira pessoa, esta história bebe de uma fonte literária como inspiração: o romance auto-biográfico da autoria de Annie Ernaux, uma das mais marcantes vozes da literatura francesa contemporânea.

Caracterizada pela sua escrita para lá de pessoal e por um foco na voz feminina, não é surpresa que a obra de Ernaux tenha dado origem a um filme que defende profundamente a figura da mulher. Sem nunca pedir desculpas ou suavizar a sua temática, “O Acontecimento”, como será este filme conhecido em Portugal, é uma obra com plena consciência dos direitos dos quais as mulheres foram privadas ao longo da história.

L’ événement
A maternidade não se extingue enquanto valor em “L’ événement” |©LEFFEST

A narrativa de “L’événement” situa-se no passado, mais precisamente na França de 1963. Tristemente, o mundo ocidental atual continua a debater-se com esta mesma temática. Nos EUA, suposto símbolo da liberdade de que gozam os cidadãos nos países do Ocidente, são vários os Estados onde abortar é impossível ou quase impossível. Para lá do Oriente, direitos inalienáveis continuam a ser negados à figura feminina. Por isso, este “Happening” passa-se num passado mais extremo e menos tolerante mas ecoa no presente, mantendo-se relevante do ponto de vista político e social.

Na história acompanhamos a tormenta de Anne (Anamaria Vartolomei), uma aluna dotada e dedicada que parece ter um futuro promissor pela frente. Esta estudante de Literatura vê o seu futuro colocado em causa quando engravida inesperadamente. Com os exames finais a aproximarem-se e perante a possibilidade de todos os seus sonhos e oportunidade de escalada social caírem por terra, Anne procura desesperadamente quem a ajude a abortar. Contudo, estamos na França dos anos 60 do século passado e as penas são pesadíssimas, tanto para quem escolha fazer um aborto como para todos os que possam ajudar a que este seja concretizado.

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Atormentada pelo taboo asfixiante, Anne arrisca a pena de prisão e faz de tudo para se ver livre desta gravidez indesejada. Aqui entram três das grandes virtudes basilares de “L’événement” : a sua sinceridade, brutalidade e ausência de moralismos. Com um naturalismo claro e inequívoco, observamos cada um dos passos de Anne rumo à conclusão do seu objetivo, sem quaisquer pudores e sem que nada seja escondido.

 

 

Sem querer deixar transmitir demasiado acerca do enredo, “L’événement” consegue ser brutal e sem dúvida poderá chocar as fés e crenças de alguns espectadores e espectadoras. Explícito, gráfico, mas nunca de forma gratuita, o filme nunca se perde em moralismos acerca da beleza da maternidade ou dilemas católico-românicos. O objetivo de Anne é claro: estudar, ter uma carreira, tornar-se uma escritora e talvez, mais tarde, quando a altura for apropriada, abraçar a maternidade. Contudo, nunca naquele momento.

A sinceridade da obra é uma lufada de ar fresco capaz de envergonhar membros de movimentos pró-vida. Este é um filme difícil de ver, que retrata uma experiência inequivocamente traumática mas, ao fim de contas, “comum” e recorrente durante a altura retratada. Uma longa-metragem nobre e que merece quaisquer louvores que lhe sejam tecidos. Uma obra que, pelo seu teor, será sempre mais pesada para os membros femininos da audiência mas que pode, todavia, ensinar algo a quem quer que a veja, de forma a sentir, na primeira pele, de que trata verdadeiramente a matéria de direitos reprodutivos.

“L’ événement”, em português “O Acontecimento”, terá distribuição nacional assegurada pela NOS Audiovisuais e estreia marcada apenas para 6 de janeiro de 2022, num filme a não perder! 
L’ événement, em análise
L’ événement, em análise poster nacional

Movie title: L’ événement

Movie description: Uma adaptação do romance homónimo de Annie Ernaux, esta é uma história pessoal acerca de aborto nos anos 1960, numa altura em que a intervenção era punida por lei em França.

Date published: 16 de November de 2021

Country: França

Duration: 99'

Author: Annie Ernaux

Director(s): Audrey Diwan

Actor(s): Anamaria Vartolomei, Luàna Bajrami, Kacey Mottet Klein

Genre: Drama

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  • Maggie Silva - 85
  • Cláudio Alves - 80
83

Conclusão

“O Acontecimento” (“L’événement”) é uma obra que se poupa a qualquer delicadezas, retratando com fidelidade, respeito e frontalidade a monumental temática que aborda.

Pros

  • A natureza detalhada e reveladora da narrativa que, infelizmente, continua a ser para lá de pertinente no atual clima e perante a conversação em torno da temática do aborto que se desenrola em diversos países, inclusive até ocidentais;
  • A interpretação central eficiente da atriz franco-romena Anamaria Vartolomei;
  • Laivos de solidariedade feminina que se multiplicam ao longo da película;

Cons

  • Quiçá possa ser demasiado gráfico para alguns, mas tal não é necessariamente um defeito. A violência não é gratuita, servindo de facto a narrativa de várias formas. Não obstante, poderá ser demasiado para algumas sensibilidades;
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