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LEFFEST’22 | El agua, em análise

‘El agua’, a primeira longa-metragem da espanhola de Elena López Riera, é uma história algo mágica que liga três gerações de mulheres do Levante espanhol. Uma pequena pérola de realismo mágico!

‘El agua’, a primeira longa-metragem de Elena López Riera (n. 1982), não passou despercebida nos circuitos dos grandes festivais internacionais: estreou na Quinzena dos Realizadores de Cannes deste ano, passou entretanto por Toronto, San Sebastián, Zurique, Abycine, Toulouse e chega agora com todo o mérito à Competição do LEFFEST’22. E aliás, tem fortes possibilidades de sair daqui com um prémio. ‘El agua’ é na verdade a história de uma forte ligação, entre três mulheres (avó, filha e neta) de diferentes gerações que é inspirada na própria vida e sobretudo na juventude da cineasta. A história passa-se em Orihuela, onde a realizadora tem raízes, algo que tem um significado muito importante para a ideia deste filme, suave, misterioso e feminino. O filme de López Riera manifesta aliás interesse sobre alguns temas, e realidades, que têm sobretudo a ver com as origens e as raízes: a família, a vida e terra, que o curiosamente o ligam, até pelas localizações, com o recém-estreado Alcarràs’, de Carla Simón, Urso de Ouro da Berlinale 2022.

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El agua
É com a avó que Ana consegue uma grande cumplicidade. ©LEFFEST22

Orihuela fica na zona de Vega Baja, no sul da província de Alicante, onde a água tem um significado muito especial. Estas terras são atravessadas pelo rio Segura — um dos mais poluídos da Europa — mas dele dependem os pomares que, em grande parte, sustentam a região agrícola. Às vezes está seco, mas quando chove é torrencialmente, provocando enchentes e o rio transborda com uma força de arrasto monumental, afogando tudo no seu caminho. As lendas foram passadas de geração em geração, e cada família tem a sua história secreta. Dizia-se que o rio às vezes apaixonava-se por uma jovem e queria levá-la consigo, de modo que, até que isso acontecesse, não ia acalmar a sua fúria. A realizadora nasceu e cresceu aí com a mãe, a avó e as tias, rodeada de mulheres que se dedicavam a contar muitas histórias, para tornar mais suportáveis ​​as sufocantes e longas tardes de calor, em pleno verão levantino. Eram histórias que quase sempre tinham uma origem real — baseada em acontecimentos, em segredos que passavam de vizinho para vizinho ou em histórias de família —, mas que mudavam ao ritmo da oralidade, até que em alguns casos se tornavam autênticos mitos populares ou histórias fantásticas. Neste aspecto faz lembrar também um pouco Alma Viva da cineasta portuguesa Cristèle Alves Meira. Elena López Riera diz que foi por escutar tantas fantasias, e tantas histórias, que desenvolveu a suas imaginação até um dia ter decidido dedicar-se ao cinema e a esta experiência de conceber ‘El agua’. O filme foi escrito por ela própria, com Philippe Azoury, e contou com a colaboração do director de fotografia Giuseppe Truppi, que o torna uma obra ainda mais intimista e pessoal, dada a forma como utiliza a câmara, quase sempre em cima dos rostos e das expressões das personagens.

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VÊ TRAILER DE  ‘EL AGUA’

É verão numa pequena cidade no sudeste da Espanha. Uma tempestade ameaça transbordar novamente o rio que a atravessa. Uma velha crença popular afirma que algumas mulheres estão predestinadas a desaparecer a cada nova enchente porque têm ‘a água dentro’, ou melhor, são uma espécie de ‘mulheres da água’, do barrento rio Segura. Ana (Luna Pamiés) tem 17 anos e mora com a mãe, a bela e instável Isabella (Bárbara Lennie) e com a avó (Nieve de Medina) a sua grande cúmplice, no bar-de-estrada, que serve a aldeia, onde as três mulheres, que vivem sem um homem em casa, são olhadas com uma certa desconfiança. Os dias de Ana, são passados ​​a conversar com os amigos, o trabalho no bar, o medo das enchentes e uma vontade indisfarçável de sair dali e procurar outros horizontes mais amplos. No meio de uma canícula e de uma atmosfera electrizante que antecede a chuva e uma enchente, Ana conhece o jovem José (Alberto Olmo), o seu primeiro amor, um rapaz que regressou à terra e que luta também para expulsar, certos fantasmas do seu passado. É quando ela própria decide também desafiar as crenças populares e os mitos do rio.

El agua
O regressado José transforma-se no primeiro amor de Ana. ©LEFFEST22
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‘El agua’ é um daqueles filmes que se move entre o documentário e a ficção. Parte de um acontecimento real e histórico — uma inundação de 1987 em Orihuela — e algumas memórias autobiográficas de López Riera, que compõem um caleidoscópio de narrativas: uma história popular e colectiva da aldeia, que não se distingue por vezes da poesia oral e da fantasia mitológica; e por outro lado uma visão de crítica social e de classe, à hipocrisia e machismo dos meios pequenos rurais da Espanha; e que culmina numa afirmação de maturidade e reivindicação das vozes femininas. Quando as filmagens estavam em pleno andamento, aconteceu outra inundação — em 2019 — que voltou a devastar Orihuela, permitindo a López Riera revestir ainda com mais verdade, uma história de medos atávicos e velhas crenças populares. É muito interessante, a decisão da realizadora de quebrar a narrativa principal, com os testemunhos reais das mulheres da aldeia, algo que contribui para dar mais envolvência, a um misto de história mágica com a realidade. No entanto, e apesar do valor indiscutível dessas visões, o filme carece um pouco de um fio narrativo mais sólido, para se tornar mais redondo e directo, como é por exemplo ‘Alcarràs’. O simbolismo — às vezes um pouco sombrio — desta história de ‘ondinas’ e ‘mulheres fatais’, deixa a história em suspenso e um tanto inacabada. É o caso do final que nos deixa uma sensação um tanto desconcertante e agridoce, de queremos mais. Apesar dos riscos, não apenas no final, desta proposta extremamente interessante e complexa, a estreante realizadora López Riera parece atirar-se a ela sem medos e com grande competência para uma primeira obra. Aliás, neste aspecto a cineasta deve mesmo ser reconhecida e valorizada pelas muitas peças que procura ligar neste seu puzzle de realismo mágico, que termina de uma forma bastante aberta. Destaque ainda para a magnífica direção de um elenco — na sua maioria não profissional — onde se destacam obviamente as três protagonistas — duas consagradas —, mas sobretudo a interpretação da muito jovem Luna Pamiés, também ela uma estreante.

JVM

El agua, em análise
El agua

Movie title: El agua

Movie description: As mulheres de ‘El agua’, de Elena López Riera são Isabella (Bárbara Lennie), a avó (Nieve de Medina) e a jovem Ana (Luna Pamiés), que se envolve num amor de verão com o recém-regressado José (Alberto Olmo). As três mulheres vivem numa casa sem homem o que faz com que o resto da localidade, as olhe com desconfiança. Nos dias de verão escaldante que antecedem uma trovoada, chuva e inundação, a jovem Ana decide desafiar os mitos da água.

Date published: 17 de November de 2022

Country: Espanha, França, Suiça

Duration: 104 minutos

Director(s): Elena López Riera

Actor(s): Luna Pamiés, Bárbara Lennie, Nieve de Medina, Alberto Olmo

Genre: Drama, 2022,

  • José Vieira Mendes - 70
70

CONCLUSÃO:

‘El agua’, a primeira longa-metragem da espanhola Elena López Riera parece estar carregada de um estranho poder hipnótico, típico da literatura do realismo fantástico latino-americana, embora se passe no sudoeste de Espanha. O filme oscila entre a observação da realidade e a poesia, ao mesmo tempo que mistura toda uma série de formatos narrativos, desde fragmentos de arquivos de telejornais locais até mulheres falando para a câmara em torno dos mitos das águas do rio Segura; nas bocas dessas mulheres, esses testemunhos tornam-se realidade. Tudo isto faz com que ‘El agua’, seja um filme tão único quanto arriscado, sobretudo porque a realizadora, dá palavra a essas mulheres e ao seu património, com se fossem um manifesto político e cultural e sobretudo verdades inegáveis.

JVM

Pros

O arriscado que é, uma realizadora partilhar a sua própria experiência de vida na adolescência, numa história popular e colectiva sobre as suas origens e onde por vezes é difícil distinguir onde começa a realidade ou a poesia.

Cons

Um final aberto e decerto modo desconcertante a pedir mais e depois uma protagonista que ‘fuma que nem um cavalo’, fazendo em parte a apologia do tabagismo. Será que a personagem para ser realista, precisava de fumar tanto?

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