Via 79º Festival de Veneza

79º Festival de Veneza: ‘The Son’ e as Familias tumultuadas

As relações familiares tumultuadas, são igualmente uma referência temática dos filmes em competição desta Veneza 79: ‘The Son’, do realizador e dramaturgo Florian Zeller, ‘Saint Omer’, uma primeira obra de ficção da francesa Alice Diop e no ‘musical’ ‘Dreamin ‘Wild’, do norte-americano Bill Pohlad, este fora da competição.

O dramaturgo e cineasta francês, Florian Zeller vencedor do Oscar de Melhor Argumento Adaptado, pelo seu filme anterior ‘O Pai’ regressou, agora na competição de Veneza 79, com ‘The Son’, mais uma adaptação de um capítulo da sua ‘trilogia familiar’, nascida originalmente para os palcos de teatro e que aos poucos chegou ao cinema. A trilogia tem sido representada em todo o mundo, inclusive em Portugal — até por Isabelle Huppert no Atlantic Theatre em Nova York, onde em 2019 foi encenada ‘A Mãe’, a primeira das três peças, por ordem cronológica. E mais uma vez, no centro do drama ‘The Son’, está a tensão que se desenvolve nas relações familiares ou na tentativa de ajudar da melhor forma os nossos entes queridos, embora na maior parte das vezes haja resistência da parte deles. Neste novo filme de Zeller, ambientado numa Nova Iorque vibrante, muito animada e ensolarada — e visualmente destacada com o Empire State Building em fundo, como se fosse uma das mais importantes personagens do filme — encontramos Hugh Jackman no papel de Peter, um bem sucedido jurista e pai de família; e Vanessa Kirby (Beth), como a sua bela e bastante mais nova mulher, de quem tem um bebé, que começam a ser vítimas de uma existência cada vez mais complicada. Especialmente pela tumultuada sucessão de eventos desencadeados pela aparição da Kate (Laura Dern), ex-mulher de Pete, e sobretudo de Nicholas (Zen Mcgrath), o seu problemático filho adolescente. Distante, quase sempre zangado ou aparentemente deprimido, muitas vezes ausente da escola, o rapaz começa a tornar-se num exigente desafio para Pete, apesar do seu esforço em tentar ser um pai melhor e ajudar o filho, em tudo o que ele necessita.

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VÊ TRAILER DE ‘THE SON’

Embora, no fundo as coisas comecem a caminha para um desfecho um tanto insólito e inevitável. Trata-se de um filme que é mais uma jornada de família, marcada como sempre por uma história profundamente humana, que de uma forma ou de outra nos toca a todos, pelo seu calor, compaixão e até vulnerabilidade. E novamente contamos com o elenco notável e ‘estelar’ já referido acima, talvez ainda mais global do que o do passado recente, onde se destacava a presença de Olivia Colman e sobretudo de Sir Anthony Hopkins, premiado com o Oscar de Melhor Ator em ‘O Pai’ e que está aqui novamente sob as ordens do realizador-dramaturgo francês num papel, pequeno mas significativo do pai de Pete. Destaque ainda para Zen Mcgrath, o jovem ator que o interpreta o filho Nicholas, que tem uma interpretação absolutamente marcante, que o torna candidato a pelo menos a um prémio de revelação.

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VÊ TRAILER DE ‘SAINT OMER’

‘Saint Omer’, de Alice Diop é a única primeira-obra na competição em Veneza 79. A consagrada realizadora e documentarista francesa de origem senegalesa, vencedora do Festival de Cinema de Berlim em 2021 com ‘Nous’ na secção Encontros, estreia-se agora na ficção, como se este fosse uma espécie de filme-tese para o futuro e numa obra, que tem qualquer coisa de autobiográfico. O filme apresenta ecos da tragédia grega, combinados com temas da actualidade no que diz respeito à condição da mulher, maternidade e a imigração. ‘Saint Omer’ conta a história de Rama (Kayije Kagame), uma professora universitária candidata a escritora, também franco-africana, que decide assistir ao julgamento de Laurence Coly (Guslagie Malanga) para usar sua história, como ponto de partida para uma adaptação moderna do antigo mito de Medeia, a mãe que mata os seus filhos, depois de ter sido abandonada. Coly é uma jovem de origem senegalesa, julgada em tribunal, é acusada de matar sua filhinha de alguns meses, depois de abandoná-la na beira-mar, de uma praia no norte da França. Durante o julgamento, que acontece na cidade de Saint Omer, localizada no departamento de Pas de Calais, a jovem Rama, também grávida de quatro meses, vai ao mesmo tempo questionando-se igualmente sobre a sua propria maternidade e o seu relacionamento com o pai da criança. ‘Saint Omer’ é um filme de tribunal, sobre um tema muito delicado e sensível, que pode ser visto — e julgado — por muitos prismas e pontos de vista, de que o mundo não é apenas a preto e branco. É notável a argumentação final da defesa em tribunal maravilhosamente interpretada pela actriz francesa Aurélia Petit. 

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Dreamin ‘Wild
via 79º Festival de Veneza/Dreamin ‘Wild

Depois de nos contar sobre os tormentos do imortal Brian Wilson e como sua doença afetou a sua vida privada, o percurso e evolução dos Beach Boys, no notável ‘Love & Mercy-A Força de Um Génio (2014), com John Cusack e Paul Dano como o infeliz músico, o realizador e produtor (também de ‘O Lado Selvagem’, ‘A Árvore da Vida’ e ’12 Anos de Escravo’), Bill Pohlad, passou para atrás das câmeras, para contar mais uma história verdadeira, do mundo da música, cheia de conflitos e decepções, apresentada aqui fora da competição. Em 1979, quando a dupla de jovens músicos Donnie e Joe Emerson, que existiram na realidade, lançaram com entusiasmo, o seu primeiro álbum de estreia, Dreamin ‘Wild’, não pensavam de forma nenhuma que este viesse a ser um fracasso. Essa preciosidade musical, permaneceu praticamente desconhecida, por quase uma década, até que acidentalmente foi redescoberta pelo entusiasta — músico, ator, realizador e produtor musical  Jack Fleischer. O álbum foi mesmo reeditado em 2012, e ‘Dreamin ‘Wild’ é mesmo uma pérola de ingenuidade musical — pode ser descarregado nas plataformas como a da Apple — que mistura rock, soul, R&B, country e funk. Este relançamento, acabou por dar aos irmãos Emerson, um sucesso tardio, sobre o qual — e suas consequências — foca o filme homónimo de Bill Pohlad. Os verdadeiros são interpretado no filme por Walton Goggins (‘Os Oito Odiados’)  em Joe e especialmente Casey Affleck. Ele é o protagonista Donnie, o verdadeiro génio musical dos dois, agora adulto e obrigado a lidar com um passado atormentado pelo fracasso e com uma celebridade conquistada de forma tão repentina, bem como com um conflito e complexos de culpa, com os membros da sua família. Especialmente com o pai (Beau Bridges), que foi à falência, porque incentivou o mais possível dois jovens a seguirem a paixão pela música, a ponto de criar o estúdio onde o famoso LP foi gravado na região de Fruitland, no Estado de Washington, investimento esse que na altura lhe causou alguns dissabores, também de saúde. Um filme que facilmente agrada a todo o público, musicalmente interessante, que destaca a dignidade como um valor a preservar, acima de qualquer sucesso ou fracasso.  

JVM

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