"Maria" | © Cinemundo

Maria, a Crítica | Angelina Jolie é La Callas!

Depois de “Jackie” e “Spencer,” temos “Maria,” terceira cinebiografia com assinatura de Pablo Larraín. Desta vez, Angelina Jolie interpreta Maria Callas e encontra-se, mais uma vez, na senda do Óscar.

Maria” começa no fim, na Paris de 1977, quando La Callas nos deixou e regressou aos céus de onde a sua voz sempre soou. Enquanto testemunhas impotentes, vemos como essa lenda do canto lírico é transportada para fora do seu apartamento palaciano, um corpo sem vida e por muitos chorado. Entre essas urbes de devotos enlutados estarão aqueles que agora tratam dos afazeres fúnebres – o mordomo Ferrucio e a cozinheira Bruna. São dois mortais que dedicaram os seus dias aos cuidados de uma diva de dimensão divina, vislumbrando tanto a sua grandeza como a pequenez, o brilho de uma estrela maior que a vida e a humanidade de uma mulher frágil.

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Em certa medida, o filme que Pablo Larraín realizou a partir de um argumento de Steven Knight pretende replicar essa experiência para o espetador. Não que a fita se alie à perspetiva dos serviçais dessa senhora. Pelo contrário, há um esforço sentido para nos mergulhar na subjetividade da personagem titular nas derradeiras semanas da sua vida, partilhando o fluxo das suas memórias e a desintegração de uma psique perdida entre doces devaneios e fantasias tristes, muito arrependimento e o peso de um legado insuportavelmente pesado. Não há distanciamento entre a câmara e a interioridade desta Maria Callas ficcionada. Ou, pelo menos, essa é a pretensão do projeto.

Canta-se o dueto entre passado e presente.

maria critica angelina jolie
© Cinemundo

Tal como aconteceu em “Jackie” e “Spencer,” há discrepâncias entre a suposta abordagem de “Maria” e a realidade dos seus conceitos postos em prática. Como nesses filmes, Larraín está a estudar a ideia de celebridade através de uma colisão de nomes sonantes. Há Callas, obviamente, mas também Angelina Jolie, sua intérprete. É que, por muito que a atriz pratique a mimese, nunca desaparece dentro do papel. E, longe de esconder essa separação essencial entre a atriz e sua personagem, a câmara salienta a distância e faz dela a raison d’être de toda a obra. Acontece que, apesar da produção faustosa, esta não é uma cinebiografia comum.

De facto, estamos sempre cientes da atuação e do esforço por ela requerido, a transformação e a falta dela, o palimpsesto de perspetivas sobre quem foi Callas e quem é Jolie. A própria estrutura edificada por Knight aponta para isso mesmo, sempre a justapor a cantora no seu definhar com os seus anos na ribalta. Muitas sequências apelam à música como elo e caminho que une cronologias, misturando a voz debilitada da ação principal com a glória do flashback. O sentimento de perda apura-se nesses momentos e vai-se intensificando noutras cenas que tais, como uma entrevista sonhada ou as adulações perfuntórias de Bruna e de Ferrucio.


Note-se como Jolie passa todo o filme a falar da Callas como se fosse uma identidade distinta da mulher em cena, extravasando a nossa noção da pessoa e do seu legado. Em “Maria,” são noções tão separadas, tão potencialmente em conflito, como as ideias basilares da realidade e sua dramatização. Ou, por outras palavras, como a grande diva de outros dias e a estrela que agora se pressupõem a ressuscita-la em 16mm a 24 fotogramas por segundo. Isto é bem patente na execução audiovisual que a contextualiza em “Maria,” passando pela sonoplastia que mistura e contrasta as vozes de Callas e Jolie. Cada ária é um dueto entre o presente e os fantasmas do passado.

E tem que ser assim, pois a Callas retratada aqui está em conflito com a Callas que os outros esperam dela. Tal como Jolie luta para interpretar a figura histórica, também a personagem dentro da ficção se martiriza para recuperar aquilo que já foi e que nunca mais voltará a ser. As potenciais imperfeições no trabalho mimético de Jolie tornam-se assim em mais-valias, e até a sua falta de parecença física com Maria Callas se justifica. Note-se como Larraín e sua equipa não fizeram muito para mudar as feições da atriz, aumentando um pouco o nariz e pouco mais. O artificio não existe aqui para ser escondido, mas sim exaltado.

A cinebiografia enquanto retrato cubista.

maria critica angelina jolie
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Há quem descreva a trilogia de cinebiografias do realizador chileno como uma homenagem a divas históricas do século XX. No entanto, seria mais apropriado chamar-lhes retratos cubistas que pressupõem uma apreciação da personagem e da intérprete, da pessoa que jamais será reproduzida e seu legado, a realidade e o espetro que vive na imaginação coletiva. Por isso mesmo, “Maria” brilha quando puxa pelo abstrato e arrisca o ridículo. Uma alucinação de “Madame Butterfly” é um estrondo, por exemplo, pondo a descoberto toda a mestria dos artesãos em jogo – palmas para o diretor de fotografia Ed Lachman, o cenógrafo Guy Hendrix Dyas, e o figurinista Massimo Cantini Parrini.

Mas então por que razão “Maria” nos parece tão menor em comparação com “Jackie” e “Spencer.” Parte dessa leitura parte da falta de dimensão política que ambas essas fitas possuem, uma forte ideia de História como algo que se constrói ao invés de algo que simplesmente acontece. A outra questão fulcral será a falta de abrasão, a gentileza com que Larraín, Knight e Angelina Jolie abordam La Callas. “Maria” denota pena pela sua diva, um gesto melodramático que tende a apagar aspetos menos bonitos e mais dramaturgicamente interessantes. Até a prestação de Jolie brilha mais quando o texto lhe permite alguma arrogância sem vergonha, um gosto pela adulação das massas que contraria a imagem santificada que “Maria” prefere por regra geral.

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“Maria” chega aos cinemas portugueses esta quinta-feira, 16 de Janeiro, com distribuição da Cinemundo.

Maria, a Crítica
maria critica angelina jolie

Movie title: Maria

Date published: 13 de January de 2025

Duration: 124 min.

Director(s): Pablo Larraín

Actor(s): Angelina Jolie, Pierfrancesco Favino, Alba Rohrwacher, Kodi Smit-McPhee, Stephen Ashfield, Valeria Golino, Haluk Bilginer, Caspar Phillipson, Lydia Koniordou

Genre: Drama, Biografia, Música, 2024

  • Cláudio Alves - 72
72

CONCLUSÃO:

“Maria” perde muito quando comparado com as cinebiografias passadas de Pablo Larraín. Contudo, avaliado enquanto objeto singular, o filme revela-se mais arrojado do que se possa pressupor, prezando-se pelo desinteresse na convenção mimética deste subgénero que Hollywood tanto ama. Além do mais, “Maria” é deslumbrante, um deleite para olhos e ouvidos que, por vezes, puxa a lágrima com demasiada força.

O MELHOR: A conceção audiovisual de passado e presente, realidade ficcionada e sonho. Também se felicita Jolie que, até no lipsync malfeito consegue encontrar propósito e mais-valias. Ela é a Callas reimaginada e “Maria” é Jolie em estado de graça.

O PIOR: A falta de complexidade no argumento de Steven Knight, tão apaixonado por Callas que se esquece do que fez “Spencer” tão mais admirável que “Maria.” O texto é demasiado choroso, tão melodramático que perde a essência provocadora que o cinema de Larraín costuma ter.

CA

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