"Maria Montessori" | © Geko Films

Maria Montessori, a Crítica | Jasmine Trinca em destaque na Festa do Cinema Italiano

Também conhecido como “La Nouvelle Femme,” a primeira longa-metragem de Léa Todorov considera uma figura importante na História da pedagogia. Jasmine Trinca, a atriz principal de “Maria Montessori,” esteve em Lisboa e apresentou a fita na Festa do Cinema Italiano.

Quem estudou Educação certamente reconhecerá o nome de Maria Montessori. Uma pioneira feminina no contexto pedagógico, ela foi uma mulher italiana cujas filosofias revolucionaram a aprendizagem à escala global. Fazendo-se vingar num mundo onde ser-se homem era pré-requisito para exploração científica, ela foi contra os ditames machistas do seu tempo e ingressou na Universidade de Roma em pleno século XIX. De facto, foi das primeiras mulheres a completar o curso em Medicina na História de Itália. Mas Montessori não se ficou por aí e seus feitos e efeitos ainda se fazem sentir nos dias de hoje.

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Montessori já foi honrada muitas vezes, desde a sua face impressa nas liras de antigamente como na dramatização da sua vida para televisão. Contudo, o cinema é uma área onde o seu legado raramente marca presença. Léa Todorov vem mudar isso com a sua primeira longa-metragem, uma cinebiografia em traços tradicionais que alia financiamento de França e Itália. De facto, trata-se de uma dessas coproduções onde se manifesta uma ideia de indústria cinematográfica enquanto aliança Europeia, capaz de transcender fronteiras. Contudo, há algumas marcas, estrias de crescimento a denunciar as demandas desse aparato.

maria montessori critica festa do cinema italiano
© Geko Films

Nomeadamente, acontece que “Maria Montessori” não começa com a sua personagem titular. Há um prólogo meio críptico em volta da educadora, mas a história em si tem a sua génese noutro sítio. A fita inicia-se longe de Itália, numa cena Parisiense em requinte da Belle Époque. Aí, uma cortesã chamada Lili d’Angely faz carreira nos palcos e nos salões, sua beleza o perfeito acessório para qualquer homem que queira projetar uma imagem de sucesso. A figura é fictícia, um mecanismo do argumento que Todorov e Catherine Paillé criaram para facilitar a estrutura narrativa de uma vida que, como seria de esperar, não obedece às regras do drama.

Entre vistosos cenários e figurinos, a câmara de Todorov negoceia os limites do filme histórico com orçamento independente. Há muitas sombras e matizes de cor saturada, jogos teatrais que não procuram a imersão do espetador tanto quanto o seu deslumbramento. Em certa medida, aprendemos nestas cenas como a vida de Lili se define pelo hedonismo das altas sociedades. Entendemos quanto esse quotidiano significa para a mulher, como ele é a sua mesma versão de independência feminista numa época em que tais ideologias ainda estavam muito longe do que são hoje. Não eram inexistentes, contudo, e o filme faz muito para provar isso mesmo.




Se há algo que Lili representa em “Maria Montessori,” é o modo como a autodeterminação da mulher muito depende do poder financeiro ao longo da História. Isso não significa que ela seja alguma idealização. Como vimos a descobrir, a cortesã é mulher atormentada por segredos e vergonhas, tendo uma filha com problemas cognitivos que tem tentado por tudo esconder. Quando se vê impingida com os cuidados da menina, lá vai ela em exílio temporário para Roma, fora do alcance dos olhos coscuvilheiros em Paris. Aí, Lili encontra Maria Montessori e tenta livrar-se da filha através do internato no seu instituto educativo para crianças com necessidades especiais.

É nesse paradigma que o filme reencontra a sua outra protagonista, entrelaçando os dois fios narrativos através de Tina, essa menina tão detestada pela mãe e tão bem cuidada pela professora. Facilmente percebemos a criação das personagens francesas, sendo elas quem dão um arco emocional ao argumento, enquanto a vida de Montessori parece ser só vislumbrada, um fragmento de algo muito maior que apanhamos em momento de crise. Só há um problema nesta estratégia – Lili e Tina nunca deixam de parecer elementos forçados, falsidades sentimentais que destoam do retrato feito à educadora.

maria montessori critica festa do cinema italiano
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Tanto assim é que, quando a vida de Montessori se impõe em jeito de enredo principal, as outras duas são atiradas para as margens e sentimos o interesse de Todorov esmorecer. A experiência é algo desequilibrada e serve de exemplo em como nem todo o filme necessita de um arco narrativo. Às vezes, a observação do dia-a-dia é mais empolgante que o engodo teatral, especialmente quando temos uma colisão de presenças tão curiosas como as que testemunhamos em “Maria Montessori.” Dizemos isso porque existe um grande contraste entre os atores profissionais e os amadores, adultos e crianças cuja realidade arrasa com qualquer artifício cinematográfico.

No papel principal de Maria Montessori, Jasmine Trinca volta a provar como é das atrizes italianas mais extraordinárias da sua geração. Mas o que mais espanta é a eletricidade gerada nas cenas que partilha com os muitos meninos do instituto de educação, todos eles interpretados por crianças que padecem das mesmas maladias que os alunos originais da pedagoga. Sentem-se as improvisações e a tensão de uma rodagem definida consoante os ritmos imprevisíveis da miudagem. Uma sequência fantástica é como um exercício musical, onde um piano acompanha os movimentos dos mais novos. A câmara e montagem seguem o mesmo exemplo.

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Entre essa fisicalidade sem falsidade e a reação calculada de Trinca, obtemos uma alquimia mercurial, onde raramente sabemos como uma cena vai terminar ou que comportamentos vão surgir no meio da história. Até o trabalho de Trinca parece render-se à espontaneidade, sendo sempre mais admirável em cenas com pouco diálogo que nas passagens dominadas pelo texto. O seu último monólogo é especialmente fraco, caindo no cliché do drama histórico. É pena ver como o cinema sobre figuras radicais raramente foge à convenção do modelo “biopic”. Maria Montessori merecia uma fita mais disposta a arriscar. Felizmente, Trinca e os meninos estão lá para redimir a obra.

Depois de Lisboa, a Festa do Cinema Italiano vai passar pelo resto do país. De Norte a Sul, a celebração continua.

Maria Montessori, a Crítica

Movie title: La nouvelle femme

Date published: 23 de April de 2024

Director(s): Léa Todorov

Actor(s): Jasmine Trinca, Leila Bekhti, Rafaëlle Sonneville-Caby, Raffaele Esposito, Laura Borelli, Nancy Huston, Agatha Bonitzer, Sébastien Pouderoux, Pietro Ragusa

Genre: Biografia, Drama, 2023, 100 min.

  • Cláudio Alves - 65
65

CONCLUSÃO:

“Maria Montesori,” também conhecido como “La nouvelle femme,” é uma estreia promissora para a realizadora Léa Todorov. Limitado pelas convenções da cinebiografia e enredos inspiradores, a obra fraqueja quando afasta os olhos do que mais interessa – os afazeres da educadora e seus pupilos. Jasmine Trinca está em estado de graça, como seria de esperar.

O MELHOR: As interações de Jasmine Trinca com o elenco juvenil, especialmente em cenas divorciadas da narrativa.

O PIOR: Quão forçada toda a história de Lili e Tina nos parece, um gesto sentimentalista que não faltava à história real de Maria Montessori.

CA

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