Com humor e uma identidade única, Os Mitchell Contra as Máquinas é a mais recente adição ao catálogo de animação da Netflix.
Em 2017, quando estreou “Emoji: O Filme”, tivemos, talvez, uma das primeiras longas-metragens de animação (ou, pelo menos, recentemente, uma das primeiras grandes produções deste género) a lidar com a já indissociável presença da tecnologia na experiência humana. Como sabemos, o filme de Anthony Leondis foi completamente arrasado pela opinião pública, mas, para o bem e para o mal, soube tratar esta questão como algo actual e assumir o digital na sua literalidade. Afinal, esta é mesmo a derradeira vantagem que, como meio, a animação tem a seu favor – a capacidade de reconhecer o mundo real ao mesmo tempo que pode, neste caso, fazer da Dropbox uma caixa para onde se cai e da Firewall uma parede de fogo que queima quem a tenta ultrapassar.
Já no caso de Os Mitchell Contra as Máquinas, somos transportados para um lugar comum da ficção científica – robôs são criados, robôs tornam-se maléficos, robôs atacam humanos, humanos devem travar os robôs. Títulos como “Ex-Machina” (2015), “Eu, Robot” (2004) e “O Mundo do Oeste” (1973) vêm de imediato à cabeça como exemplos desta mesma premissa apocalíptica. Há, no entanto, um óbvio problema com este cataclismo: apesar de não ser impossível, trata as consequências das últimas décadas de neoliberalismo como tragédias possíveis, futuras, quando, na verdade, estas já estão a decorrer a toda a velocidade e sem qualquer épico acontecimento a anunciá-las.
Os Mitchell Contra as Máquinas, uma divertida comédia Netflix
Há, obviamente, momentos em que o guião de Mike Rianda e Jeff Rowe identifica claramente estes pequenos finais de mundo que precedem qualquer revolta das máquinas. Nas palavras de Mark Bowman, o cientista que criou a inteligência artificial que serve como vilã da narrativa e interpretado por Eric Andre (que, devo apontar, é uma escolha perfeita para este papel): “Até parece que é má ideia roubar dados e dá-los a uma IA hiperinteligente de um monopólio tecnológico por regulamentar.”
Mas, mesmo assim, a dupla conhecida pelo seu trabalho na série “Gravity Falls” nunca assenta numa posição concreta – se por um lado o uso de computadores e telemóveis é negativo e traz o fim da humanidade, por outro é também aquilo que permite a personagens como Katie Mitchell expressarem a sua personalidade e conectarem com pessoas idênticas a elas mesmas. É, no entanto, refrescante ver que, apesar da hesitação em escolher e manter uma tese, a equipa de Os Mitchell Contra as Máquinas evita as personagens-tipo que seriam aqui expectáveis: os Posey, pintados inicialmente como a típica família que finge ser perfeita nas redes sociais, têm, de facto e por todas as indicações, a vida ideal.
Talvez esta escolha em abordar de tal modo a problemática referida venha do facto de que a grande preocupação do filme seja antes estabelecer-se como uma ode a famílias disfuncionais e também por este ser, claramente, um projecto-paixão do realizador Mike Rianda, cuja família é, tal como apontado nos créditos do filme, “os Mitchell da vida real”. Não só isso, mas é também óbvio que existe um grande foco no aspecto visual do filme – a Sony encontrou ouro com o estilo de “Homem-Aranha: No Universo Aranha” e não vai olhar para trás, repetindo-o e melhorando-o aqui ao ter como produtores a dupla de Phil Lord e Christopher Miller.
Os Mitchell Contra as Máquinas | Trailer Oficial
Tendo tido a sua estreia na Netflix Portugal há apenas alguns dias, Os Mitchell Contra as Máquinas irá certamente andar pelo Top 10 da plataforma, um filme perfeito para ver em família.
Os Mitchell Contra as Máquinas é uma divertida comédia que se estabelece de imediato como uma das mais fortes opções disponíveis no catálogo de animação da Netflix Portugal.
Pros
Estilo visual único, mesmo que claramente inspirado em “Homem-Aranha: No Universo Aranha”
Evita, por várias vezes, as personagens-tipo que se esperam neste tipo de filmes
No geral, humor adequado a todas as idades e não apenas àquele que é, obviamente, o seu público-alvo
Cons
Premissa reciclada
Não adiciona nada de novo ao discurso em torno do digital e da tecnologia