"Caranguejo", da iraniana Shiva Sadegh Asadi , é um dos filmes presentes nesta antevisão |©MONSTRA

MONSTRA NA FILMIN | Best of Curtas 2021, em análise

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A MONSTRA na FILMIN Portugal é mais uma aposta do Festival de Animação de Lisboa no sentido de dinamizar a exibição da sua programação em cenário pandémico. Em 2021 o Festival acontece mais tarde que o habitual, entre 21 de julho e 1 de agosto. 

Em 2020 as secções competitivas de curtas mudaram-se para os ecrãs das televisões, computadores e smartphones com a “MONSTRA em Casa” (antes do evento físico regressar no outuno). Desta vez a competição propriamente dita acontecerá no verão, mas por agora temos direito a uma antevisão.

Entre obras que comemoram os 20 anos do Festival, retrospetivas de grandes autores de animação ou de estúdios de referência ou ainda três sessões pré-festival 2021, há 10 sessões de cinema para ver na MONSTRA na FILMIN.

Estes filmes foram disponibilizados na FILMIN Portugal a 17 de março e podem ainda ser vistos este fim de semana, até dia 4 de abril . As sessões estão ao alcance de todos os que subscrevem ao serviço. Para quem não tem conta paga na FILMIN é possível comprar bilhetes individuais (cada sessão de curtas custa 0.95€, cada longa-metragem 2.95€).

Vimos a secção “Best of Curtas 2021”, a qual permite antever as melhores curtas-metragens a descobrir no verão. Este é um conjunto forte de 11 filmes, composto na sua vasta maioria por cinema europeu e mais especificamente por diversas obras francesas. Abaixo ficam as nossas mini-análises.

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1 – UTOPIA-C DE REINHOLD BIDNER (ÁUSTRIA, 2020, 8′) 

MONSTRA NA FILMIN Utopia

 

Utopia-C é uma curta-metragem/documentário animado sobre as experiências pessoais e observações sobre a terra natal do realizador nestes estranhos tempos de confinamento que atravessamos.

Este pequeno filme resulta de imagens captadas entre março e junho de 2020 pelo realizador Reinhold Bidner, à medida que tenta navegar os resultados inesperados da pandemia de Covid-19. Confinado à sua terra natal, em Salzburgo, na Áustria, Reinhold procura manter a sanidade à medida que os seus planos se começam a desmoronar.

Os pensamentos e observações deste cineasta expressam-se de uma forma criativa e não-formatada, ilustrando aquela que é a história de todos nós. Numa curta com menos de 8 minutos, o artista consegue manter um ritmo constante acelerado, contrastante com a pacata existência que leva durante estes meses.Com ele acompanhamos a evolução das estações e reconfortamo-nos sabendo que a Terra não confinou connosco. É neste casamento entre stop motion com imagem real, animação computada 2D ou ainda animação tradicional desenhada à mão que encontramos uma pequena peça experimental humorística capaz de transmitir muito em pouco tempo.

Classificação: 80/100




2- LEMBRAR A LEMBRANÇA DE BASTIEN DUBOIS (FRANÇA, 2020, 15′) 

Bastien Dubois Souvenir Souvenir
©MONSTRA

 

Durante dez anos quis fazer um filme sobre as lembranças do meu avô da Guerra da Algéria. Hoje não tenho a certeza se quero ouvir o que ele tem a dizer, nem de ter vontade de fazer este filme.

Esta obra nomeada para Melhor Curta-Metragem nos conceituados prémios de animação Annie e vencedora do Prémio do Júri em Sundance, realizada pelo nomeado ao Óscar Bastien Dubois, transporta-nos até à Marselha de 1956 com o embarque de um jovem rumo ao desconhecido. Situamo-nos na Guerra da Independência da Argélia, a qual decorreu entre 1954 e 1962.

Dubois procurava, há alguns anos, tentar compreender como viveu o seu avô este conflito armado. Que vis atos poderá ter cometido, que traumas carregará, será tomado por ondas de remorso? Neste retrato para lá de pessoal, narrado pelo próprio realizador, o jovem procura evocar o trauma, mas este parece incomunicável. Debate-se com o tabu uma e outra vez e, fatigado com a busca por pequenos olhares e dicas não-verbais, procura preencher as lacunas através da sua imaginação.

Munido de um aguçado espírito crítico, Dubois tem medo da simplificação e representação caricatural daqueles que fizeram a Guerra (inclusive ironiza visualmente esta ideia). Nestes 15 minutos projeta-se a realidade factual e a realidade extrapolada.  Imagina-se livremente, recorrendo a estilos distintos de animação em função de cada uma das situações. O artista nunca quer ser gratuito, e entre imagens pintadas à mão, a lápis 0u com recurso a um 3D exagerado e quase grotesco, expressa o seu debate interior. Às vezes a oscilação estética torna-se quase errática, mas serve um propósito narrativo claro.

Estes são fragmentos de memória em segunda mão, num conceito ambicioso que tenta ir para lá dos clichés sobre choque geracional.

Classificação: 90/100




3 –MAR SECO DE BART BOSSAERT E YVES BEX (BÉLGICA, 2020, 11′) 

Dry Sea Mar Seco Monstra na Filmin 2021
Dry Sea © Creative Conspiracy

Um pescador é deixado sozinho na costa de um mar seco. Vive preso ao passado até que é tomado por uma tempestade de areia que vai redefinir o significado da sua existência.

Esta é uma curta bastante simples e livre de pretensão. A sua natureza simbólica remete para a coragem na mudança, rompimento face a padrões comportamentais e aceitação de novas perspetivas.

A premissa de “Mar Seco”, filme desprovido de diálogos (não nos fazem qualquer falta) , passa por um desenvolvimento interessante da metáfora do barco encalhado. Sim, talvez não deva muito à originalidade. Não obstante, é assegurado um sentimento de catarse animador capaz de purgar a alma.

Face a outras obras presentes neste ciclo de “Best of Curtas 2021” da MONSTRA na FILMIN, “Mar Seco” não é genial na sua execução imagética. A palete de cores é apelativa, contudo o 3D não é o mais atrativo. Já  a animação de fundos (diga-se, do background) é mais forte e magnânima que a representada em primeiro plano. Como sabemos “o diabo está nos detalhes” e aqui alguns deles poderiam ter atingido um nível de aperfeiçoamento superior.

Todavia, os méritos continuam presentes a partir do momento em que , sem qualquer palavra proferida, os propósitos narrativos são cumpridos.

Classificação: 70/100




4 – SHLOMO E O RABI DE JULIEN DAVID (UCRÂNIA, 2020, 9′) 

Shlomo and the Rabbi Julien David
©MONSTRA

Numa aldeia ucraniana, o agricultor Shlomo está à espera do seu décimo filho. Em pânico, procura o rabi local para conselhos e descobre que, na vida tal como na física, tudo é relativo.

Comédia do absurdo, disruptiva no âmbito da programação deste “Best of Curtas 2021” na MONSTRA na FILMIN. O sentido de humor abunda do início ao fim, embora a certa altura este conto retorcido se torne excessivamente confuso.

As referências à tradição judaica são deliciosas e quanto mais familiarizados estejamos com estas, mais aprazíveis se tornarão.  Esta história de costumes familiares tem um grande ponto forte transversal. É ele a música original, a qual lança o mote rítmico do início ao fim.

Classificação: 67/100




5 – TOOMAS DEBAIXO DO VALE DOS LOBOS SELVAGENS DE CHINTIS LUNDGREN (CROÁCIA, 2019, 18′) 

 

Monstra 2021
©Monstra
Depois de perder o emprego, o jovem lobo Toomas começa a trabalhar como gigolo às escondidas da sua mulher. Ao conseguir um papel num filme sexploitation, torna-se difícil manter o segredo.

Tanto poderia ser dito sobre este genial “Toomas Debaixo do Vale dos Lobos Selvagens”, de certo o filme mais desafiante entre as 11 curtas-metragens aqui analisadas. Animação tradicional numa curta que não conhece o termo “convencionalismo”, desprovida de inibições sexuais e que literalmente deixa tudo a nu. Não é menos que brilhante transmitir tanto utilizando animais antropomórficos como medium (e mais, fazê-lo com um erotismo desconcertante!).

O tabu da sexualidade teima em persistir, enraizado de forma não tão silenciosa no seio da nossa sociedade. Aqui ironiza-se a forma como a temática é território pantanoso até entre conjugues. Problematiza-se a própria discussão em torno da prostituição, indústria pornográfica e objetificação dos corpos: sejam eles femininos ou masculinos (viva a democratização do diálogo!). Oprimidos/Opressores, Opressão/Repressão e todo o espectro entre grandes dicotomias. E a desvirtuação de conceitos positivos? Como é perverso, subjetivo e conflituoso o “empoderamento” presente no filme.

Uma boa curta narrativa constrói um universo próprio. “Toomas Beneath the Valley of the Wild Wolves” de certo atinge esta meta ao longo dos seus 18 minutos. Entre jogos de poder e uma pujante libertação sexual, há aqui uma escalada notável na tensão sentida rumo a um clímax (poderia ser de outra forma?). Bravo!

O filme está também disponível para visualização através deste link (a um preço superior). Caso percam a oportunidade de o ver  nesta MONSTRA na FILMIN, recomenda-se que seja ainda assim descoberto!

Classificação: 95/100



6 – TRONA PINNACLES  DE  MATHILDE PARQUET (FRANÇA, 2020, 13′) 

Gabrielle vê-se encurralada, na zona de Death Valley, entre os pais que já não se falam. A situação parece insustentável, até que um inesperado acontecimento vai pôr tudo a descoberto…

Animação bastante simples e quase rudimentar, mas com fundos impressionantes que ilustram a imensidão de um vale brilhante e noite estrelada, “Trona Pinnacles” é uma narrativa sobre disputas familiares.

Relaciona-se com isolamento, desespero, ansiedade e transmite uma agressividade quase visceral interessante. O escaldante “Vale da Morte”, na Califórnia, é um palco perfeito para toda a energia acumulada aqui exprimida.

A imponência da natureza também não passa despercebida. A descarga cicatriza, a beleza prevalece.

Classificação: 65/100




7 – A MONTANHA DE HARRISON FLEMING (REINO UNIDO, 2020, 5′)

A MONTANHA DE HARRISON FLEMING
©MONSTRA

Montanhistas reformados recordam o passado e gabam-se das lesões que sofreram na juventude. As suas divagações vão transformar-se em horrores que tentam consumi-los.

 

Mais um dos inegáveis pontos altos deste MONSTRA na FILMIN. “Mountain” é um videoclipe vertiginoso, com uma melodia viciante e uma simbiose perfeita entre som e arte visual. Os ecos do passado permeiam o presente e prolongam-se até ao fim.

O  montanhista “ficou inebriado com o aroma das rosas que vinha da montanha“. Eis que o desafio, o risco, a adrenalina tomam conta daquele que procura viver de forma mais plena. O reverso da medalha é assombroso, entre mazelas físicas e psicológicas.

A música original,”‘Mountain”, da autoria de Mama Jerk and the Ladyfingers, é absolutamente contagiante (e não abandonará tão depressa a mente de quem a ouve). Pode ser encontrada aqui.

 

Arrepiante, esta Montanha de Fleming!

Classificação: 92/100




8 – AMIGO DE UM AMIGO DE ZACHARY ZEZIMA (FRANÇA, 2019, 14′) 

Amigo de um Amigo Monstra na Filmin
©MONSTRA

Um jovem é agredido sexualmente. O mesmo sequestra, pune e depois torna-se amigo do próprio agressor. Confronta o seu passado e os seus impulsos sexuais ambíguos. Entre ficção, autoficção e sonho, Amigo de um Amigo abre o debate sobre os maus tratos, as suas motivações e implicações.

 

Este é um filme que lida com temáticas complexas e de difícil assimilação (desta lado permanece a dúvida, foi a  “mensagem” escutada ?).

De acordo com o realizador, “Friend of a Friend” é uma tentativa no sentido de alargar a conversação em torno do abuso, das suas motivações e implicações. A sua missão passa também por estudar as dinâmicas sobrevivente vs atacante e quais os resultados de uma possível ostracização.

As linhas do binómio agressor vítima tornam-se mais complexas, sem que exista uma sensação de normalização ou tentativa de desculpabilizar comportamentos abusivos. As intenções são, sem dúvida, louváveis. Todavia perdem-se, por vezes, numa infinidade de pequenas referências visuais que entram em conflito com a história central.

Tendo em conta a temática complexa e o debate estimulado, “Amigo de um Amigo” poderia ter sido mais coeso, tanto do ponto de vista visual como considerando o arco narrativo do seu relato. O potencial desperdiçado faz-se sentir.

Classificação: 60/100




9 – CARANGUEJO DE SHIVA SADEGH ASADI (IRÃO, 2020, 11′) 

Caranguejo
©MONSTRA

Um rapaz tímido e acanhado quer mesmo muito fazer parte do grupo de teatro da escola, mas o único papel que lhe dão é o de um caranguejo.

 

A entrada do Irão no “Best of Curtas 2021”, integrada na MONSTRA na FILMIN, é assinada por Shiva Sadegh Asadi. A realizadora tem um historial de trabalhos com emoções reprimidas personificadas em animais (aconteceu no seu “Maned&Macho” e repetiu-se de novo aqui).

“Caranguejo” contou com a produção do “Institute for the Intellectual Development of Children & Young Adults” do Irão. A organização promove o desenvolvimento cognitivo e a sensibilização para as artes junto de jovens. Aqui colabora na criação de uma narrativa que coloca em evidência os pesadelos não pronunciados com os quais se debate uma criança mal tratada.

Do ponto de vista visual, “Crab” é uma belíssima e elevada obra de animação. A pintura a óleo e a clássica técnica da rotoscopia são os seus alicerces. O preto e o vermelho garrido dominam esta que é uma experiência que despreza a linearidade. Viajamos pelos confins mais negros da mente e, embora vejamos alguns símbolos recorrentes dentro deste género, os quais tornam a obra menos original, não deixamos de apreciar a jornada rumo aos demónios capazes de unificar a experiência humana.

Deliciosamente negro, será “Caranguejo” desprovido de esperança? Não, e daí advém parte do seu charme.

Classificação: 82/100




10 – ANFITRIÃ DE ALEXANDER BUHNOV (UCRÂNIA, 2020, 4′)

Anfitriã Monstra na Filmin
©MONSTRA

O sopro impiedoso do vento de Outono leva um homem de meia-idade até a um café. Um estranho café: um estranho empregado de mesa, estranhos clientes e estranhos gostos… O prato mais caro chamado “Verão Cheio” atrai um homem ao menu. O que será este prato? Ele faz o seu pedido, mas a espera prolonga-se.

 

Animação muito interessante e colorida, com forte inspiração retirada da corrente do Cubismo. “Anfitriã”  destoa de tudo o resto que pode ser visto neste conjunto de filmes.

Neste café assistimos a conflitos internos entre os demais ocupantes e a uma surreal distorção temporal que evoca levemente a “Persistência da Memória” de Dali. Este é um sonho pautado por tranquilizantes notas Jazz, mesmo enquanto aqueles presentes no estabelecimento parecem manifestar uma ânsia incontrolável (motivada por algo que não chega).

“Anfitriã ” é uma celebração surreal de correntes artistas que antevê a renovação das estações.

Classificação: 87/100




11 – LUGARES VAZIOS DE GEOFFROY DE CRÉCY (FRANÇA, 2020, 9′) 

 

Empty Places MONSTRA na FILMIN
©MONSTRA

Geoffroy de Crécy imagina um mundo hipnótico onde, em supermercados, aeroportos, escritórios, boates, desapareceram todos os vestígios humanos.

 

Que curta-metragem foi capaz de prever o pandemónio global que começou em 2020 e por cá se mantém? Aparentemente “Empty Places”. É estupendo saber que este filme foi produzido antes desta nossa grande crise pandémica. Aqui a máquina despede-se do seu mestre num belo ensaio sobre quietude.

Avassalador, exaltante, inebriante, “Lugares Vazios” fascina pela capacidade de conceber um mundo que parece agora quase verosímil.

Classificação: 70/100

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