É na secção competitiva de longas-metragens europeias que se insere a obra espanhola “Cross the Line”, um thriller de cortar a respiração capaz de nos colocar na 1ª pessoa.
“Cross the Line”, no original em espanhol “No Matarás”, é um thriller criminal realizado por David Victori e que, inteligentemente, se faz construir num crescendo. Este filme estreou, inicialmente, no 53.º Festival Internacional de Cinema Fantástico de Sitges, no seu país nativo de Espanha. Desde logo, esta que é a segunda longa-metragem da carreira de Victori, destacou-se como uma das prediletas do público. Mais tarde, viria inclusive a vencer diversas premiações também no seu país de origem, desde Prémios Gaudí ao Goya de Melhor Ator para o protagonista Mario Casas, nesta que foi uma de seis nomeações para a empolgante obra.
A narrativa acompanha a vida de Dani (Casas), um jovem regrado, cumpridor, que se encontra a tomar conta do seu pai idoso. A morte é, apropriadamente, o mote para o arranque da história em “No Matarás”. Depois do pai acamado de Dani morrer, este arruma os objetos que retratam a vida a dois que levaram – a cama articulada no centro da sala, o tabuleiro de xadrez, correspondência e memórias várias.
Agora, Dani começa a poder sonhar com algo mais. Viajar pelo mundo, quebrar as regras, sair da sua moribunda rotina. Contudo, é difícil contrariar padrões…eis que, numa noite comum, conhece Mila (Milena Smit) num restaurante. A jovem imprevisível, animalesca, a típica femme fatale perigosa, envolve Dani involuntariamente numa teia de drogas, sexo, violência e morte. Inadvertidamente, Dani ultrapassa todas as linhas morais expectáveis e envolve-se nas mais perigosas das atividades.
Nada disto parece muito novo ou inventivo. Um rapaz certinho é desviado do seu caminho por uma boa vivant imoral e ligeiramente tresloucada. Todavia, com “Cross the Line”, tudo começa e termina na execução. Tecnicamente, “No Matarás” é um triunfo no cinema espanhol e uma perfeita noite imperfeita, filmada e editada com particular destreza. No início, tudo é calmo, sereno, vagaroso. Desde os movimentos de câmara, passando pela música ouvida pelo protagonista até aos próprios diálogos e acções. Mas eis que, à medida que a fatídica noite avança, tudo se torna mais caótico. A banda-sonora transfigura-se inteiramente e torna-se hipnótica, as sequências tornam-se mais longas e claustrofóbicas e tudo parece ser mais ruidoso e caótico.
Enquanto o nosso herói vagabundeia por Barcelona, a cidade progride e é também ela cada vez mais negra e solitária. Longe do seu apelo turístico ou da sua natureza domada diurna, estamos numa metrópole pouco exibida, repleta de vícios, onde o Dani de Casas se perde progressivamente no seu mergulho rumo à insanidade. A cada momento, “Cross the Line” vence por escolher a rota menos provável e, claro, por se tornar verdadeiramente sufocante a certo ponto.
Numa sala de cinema com um som pujante, como é a Manoel de Oliveira, chegamos ao ponto em que o som começa a sobrepor-se às nossas palpitações elevadas e respiração ofegante. Essa tensão é mantida até ao último instante, o qual, como não podia deixar de ser, acaba num ponto alto e em total êxtase e dúvida.
TRAILER | CROSS THE LINE, DE DAVID VICTORI, NA COMPETIÇÃO INTERNACIONAL DE LONGAS DO MOTELX ’21
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Cross the Line, em análise
Movie title: Cross the Line
Movie description: Dani, cidadão exemplar e cumpridor das regras, dedicou os últimos anos a cuidar do pai doente. Depois do pai falecer, decide que é hora de alinhar a própria vida e compra um bilhete para começar uma viagem pelo mundo. Antes de iniciar a sua jornada pessoal, conhece Mila e o que começa como uma noite descontraída e de aventura, transforma-se no seu pior pesadelo, levando-o para uma espiral de violência, drogas, sexo... e morte
Date published: 14 de September de 2021
Country: Espanha
Director(s): David Victori
Actor(s): Mario Casas, Milena Smit, Elisabeth Larena
Genre: Thriller, Criminal , Ação , 2020, 96 min
Maggie Silva - 85
85
CONCLUSÃO:
“Cross the Line” é um thriller cativante, capaz de transformar uma premissa bastante genérica numa exuberante experiência cinematográfica feita para a sala.
O MELHOR:
A alucinada progressão da narrativa.
A prestação dos intérpretes centrais.
A fotografia, montagem e banda sonora – a execução é a chave para o sucesso de “Cross the Line”.
O PIOR:
Nada de particularmente chocante a apontar, o filme cumpre a sua promessa. Talvez o seu único pecado seja a banalidade da temática.
Comunicadora de profissão e por natureza. Dependente de cultura pop, cinema indie e vítima da incessante necessidade de descobrir novas paixões.
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