Emma Watson, Saoirse Ronan, Florence Pugh e Eliza Scanlen em "Mulherzinhas" (2019), de Greta Gerwig | ©Big Picture Films

Mulherzinhas | Todas as adaptações do pequeno e grande ecrã

Com a estreia de “Mulherzinhas” de Greta Gerwig conhece todas as adaptações do romance de Louisa May Alcott. 

Esta semana chega às salas de cinema portuguesas a nova versão de “Mulherzinhas”, desta vez com argumento e realização de Greta Gerwig (a consagrada cineasta de “Lady Bird”), que não só se inspirou no romance de Louisa May Alcott (1832-1888), como também nas notas deixadas pela escritora americana. “Little Women”, no título original, é um dos filmes mais fortes desta temporada de prémios, que concorre a 6 Óscares da Academia, incluindo Melhor Filme, Melhor Atriz e Melhor Argumento Adaptado.

Por um lado, não pensem que este “Mulherzinhas” que é mais uma daquelas insistentes adaptações de um romance de época. De facto, a trama leva-nos aos anos da Guerra Civil Americana (1861 – 1865), até à cidade de Concord – no estado de Massachusetts nos EUA – junto de mulheres que redefiniam o seu papel no seio familiar, ao mesmo tempo, que procuravam um novo lugar numa sociedade que vira maridos, pais e filhos partirem para o campo de batalha. Acontece que, estas pequenas e adoráveis mulheres retratadas por Greta Gerwig, revelam-se bastante contemporâneas ao nosso tempo. A protagonista Jo March (que a atriz Saiorse Ronan dá vida),  através dos seus gestos e roupas masculinas, rompe com os dogmas sociais e rejeita qualquer tipo de arquétipo da época, enquadrando-se perfeitamente no grupo de mulheres jovens americanas que se sentem aprisionadas na era Donald Trump.

Greta Gerwig e a sua versão moderna de “Mulherzinhas”

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Florence Pugh é “Amy” em “Mulherzinhas” (2019), de Greta Gerwig © Big Picture Films

Por outro lado, esta não é mais uma versão de “Mulherzinhas” que constrói linearmente a sua estrutura narrativa,  procurando solidificar-se como filme realmente contemporâneo, ao apostar em flashbacks e flashforwards nos momentos mais marcantes da vida da vida adulta e infantil de Jo, Meg, Amy e Beth, as irmãs March. Cada sequência é essencialmente um jogo de memória para a protagonista, mas também para os espectadores, em que Gerwig nos permite entender um pouco melhor uma das transições mais importantes da vida humana: o fim da inocência da infância e o início da maturidade e das responsabilidades da vida adulta.

Mas como bem dissemos ao início deste artigo, Greta Gerwig não nos oferece o primeiro filme de “Mulherzinhas”. Quando publicou o seu romance em 1868 – que poucos sabem ser autobiográfico ou semi-biográfico -, Louisa May Alcott não esperava iniciar uma espécie de império no mundo das adaptações, que se coloca bem ao nível das adaptações cinematográficas de Jane Austen. Tantas vezes adaptado para o grande ecrã, “Mulherzinhas” também já teve direito a adaptações televisivas (várias minisséries e até telenovelas latino-americanas), teatrais e até mesmo em rádio. Contudo, com o passar do tempo, algumas obras começaram a ser esquecidas, e dificilmente conseguem ser vistas ou até mesmo encontradas nos dias de hoje.

Entre as adaptações da obra de Louisa May Alcott que se perderam para sempre, encontramos um filme mudo britânico lançado em 1917, outros três filmes feitos para televisão nos anos 40 e uma minissérie da BBC dividida em seis partes, que foi feita em 1950. Além disso, dificilmente conseguiremos ouvir às 48 adaptações do romance feitas entre 1935 e 1950 para a rádio, para já não falar dos musicais (sim, musicais!) como “A Girl Call Jo” de 1955, ou o musical do canal de televisão norte-americano CBS realizado em 1958. Apesar dessas perdas, ainda existem tantas adaptações que são facilmente acessíveis em plataformas de streaming ou em DVD e Blu-ray.

Só nos últimos dois anos, o romance de “Mulherzinhas” foi adaptado por três vezes para cinema e para televisão, talvez mais do que qualquer outra obra literária.  O resultado? Bem, poderemos supor que cada adaptação de “Mulherzinhas” é uma forma de aproximação do leitor a uma realidade que apesar de distante – são mais de 150 anos que separam a publicação da obra de Louisa May Alcott da adaptação de Greta Gerwig -, continua a ser verdadeiramente presente.

Conheçamos agora as irmãs March e as suas variações ao longo dos diferentes meios artísticos. Obviamente, nenhuma das adaptações alterou radicalmente a característica principal destas mulheres: Jo é a mais rebelde e vive com uma certa ânsia em ser escritora, Meg é a mais tradicional, mas isso não significa que os sonhos não sejam igualmente importantes, Beth é a inocente, a mais silenciosa e Amy, é a mais um arrogante e snob (o que não acontece em todas as versões menos naquela que agora estreia realizada por Greta Gerwig).

Enfim, todas as versões de “Little Women” buscam intensificar a necessidade da independência económica das mulheres, a sua liberdade face ao considerado mandamento do casamento e a sua luta por serem como são, em casa e na rua, sem se limitarem às regras impostas pelo patriarcado.




Mulherzinhas | As adaptações cinematográficas

Com o nascimento das imagens em movimento começou a existir interesse dos pioneiros produtores norte-americanos em encontrarem o mote para as suas histórias nos romances de época e, obviamente, “Mulherzinhas” de May Alcott não poderia ser esquecido, sendo mesmo uma das primeiras obras da literatura a chegar ao grande ecrã.

Curiosamente, a primeira versão cinematográfica foi feita no Reino Unido, que nos permite entender a dimensão internacional que o romance facilmente havia adquirido. Contudo, o filme que tinha a atriz Gaiety Ruby Miller no papel de Jo é considerada um filme perdido. O segundo filme de “Mulherzinhas”, que ainda pode ser visto, chegou em 1918, realizado por Harley Knoles, e rodando em Concord, a terra natal de Alcott, como fez também Greta Gerwig. O marketing em torno do filme destacava a capacidade da sua trama reunir o público feminino nas salas de cinema, algo muito comum em Hollywood que ficaria conhecido como women’s cinema,  que posteriormente influenciaria o (sub)género do melodrama.

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Claire Danes como Beth em “Mulherzinhas” (1994) © Columbia Pictures

Seguir-se-ia depois a proposta sui generis de George Cukor, em 1933, que foi o eclodir de Katherine Hepburn como uma estrela de cinema, apesar de este ser já o seu quarto crédito cinematográfico. Tanto a atriz como a personagem tornaram-se ícones das mulheres independentes na sociedade americana e marcariam um romper de uma nova fase no campo das adaptações cinematográficas.

Além disso, esta foi a primeira adaptação no cinema sonoro, e um estrondoso sucesso de bilheteira e da crítica, arrecadando ainda o Óscar de Melhor Argumento Adaptado, como provavelmente acontecerá com Greta Gerwig na edição deste ano. O filme pode, no entanto, parecer um pouco desatualizado nos dias de hoje, sobretudo pela idade dos seus atores quando comparada às das personagens, algo que se tornou hábito nas produções hollywoodescas e, lamentavelmente, ao longo das próprias adaptações de “Little Women”. Amy, que supostamente deveria ter 12 anos, foi erroneamente interpretada por Joan Bennett, na altura com 23 anos e secretamente grávida.

Seguimos com “Mulherzinhas” de 1949 que estreava num momento bastante particular: os anos posteriores da Segunda Guerra Mundial, algo que permitiu os espectadores identificarem-se com a trama dos March desenrolada na Guerra Civil. A adaptação foi uma desculpa para reunir um dos maiores elencos num só projeto. Janet Leigh (a atriz do grito do chuveiro de “Psico”) interpreta Meg, Elizabeth Taylor é Amy e Margaret O’Brien é Beth (a atriz voltou a desempenhar a mesma personagem numa série televisiva de 1958). Aqui, Beth é a mais nova das irmãs March, ao contrário do que acontece nas outras adaptações.

June Allyson, habituada a desempenhar esposas leais é Jo, essa jovem rebelde e relutante em casar. Novamente foi escolhida uma atriz com uma idade bastante distinta das suas co-protagonistas. June Allyson tinha já 32 anos quando foi convidada para interpretar Jo, além de ter apenas 11 anos de diferença em relação à atriz que interpretava a sua mãe Marmee, Mary Astor. Além do mais, a obra não parte do livro de May Alcott, mas do guião do filme de 1933, da autoria de Sarah Y. Mason, além de que usa a mesma banda-sonora. A única novidade? “Mulherzinhas” de Mervyn LeRoy foi a primeira das adaptações a cores do romance, evidenciando a necessidade da obra adaptar-se aos tempos e às novas técnicas.

Por fim, mais de 45 anos sem uma adaptação ao cinema, chegamos àquela que é para muitos a mais memorável: “Mulherzinhas”, de Gillian Anderson, foi lançada em 1994 e assimila-se bastante à obra de Greta Gerwig, não só por serem obras realizadas por mulheres, mas também por serem tão fiéis ao romance, quão próximas ao nosso momento presente.

Ao contrário dos filmes essencialmente focados em homens lançados em 1994, como “Os Condenados de Shawshank”, “Mulherzinhas” de Anderson foi produzido por uma mulher, escrito por uma mulher e realizado por uma mulher. O filme foca-se mais nas lições da mãe Marmee (interpretada por Susan Sarandon) enquanto as suas filhas crescem. Winona Ryder parece ser a escolha perfeita como Jo, chegando a ser nomeada ao Óscar de Melhor Atriz, numa adaptação que mostra mais as mulheres a sair de casa e a ganharem espaço no espaço social. Claire Danes é Beth, Trini Alvarado é Meg e Samantha Manthis e Kirsten Dunst como Amy, no único filme em que a personagem tem duas atrizes a desempenhá-la, de forma a mostrar este amadurecimento da personagem mais odiada do livro de Louisa May Alcott.




Mulherzinhas | As adaptações televisivas

São tantas as adaptações televisivas de “Mulherzinhas”, mais até que as adaptações cinematográficas, que é difícil escolher por onde começar. Na realidade, “Mulherzinhas” no pequeno ecrã –  e em versão live-action –  atingiu o seu auge entre os anos de 1939 e a década de 70, sendo que só seria novamente adaptada em 2018.

A adaptação de 1939 foi a primeira versão de “Mulherzinhas” feita para o canal NBC, que na realidade adaptava a peça da Broadway de 1912, escrita por Marian de Forest, e não o livro. Em 1946, foi adaptada para o mesmo canal com Margaret Hayes como Jo, num telefilme realizado por Ernest Colling. Em 1949, outra adaptação, com Meg Mundy na pele da protagonista. Infelizmente, estas três versões de “Mulherzinhas” estão atualmente dadas como perdidas.

Já em 1950, chega uma adaptação do Studio One Hollywood com Nancy Marchand (a atriz que faz de mãe de Tony Soprano em “Os Sopranos”) como Jo March. A série é dividido em dois episódios: o primeiro intitulado “Little Women: Meg’s Story” e o segundo “Little Women: Jo’s Story”. Esta versão, com sorte, pode ser encontrada para aluguer na Amazon, embora seja distribuída como uma versão restaurada do filme de 1918.

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Kathryn Newton, Maya Hawke, Willa Fitzgerald, e Annes Elwy em “Mulherzinhas” (2017)

Apesar ser uma obra americana, os britânicos quiseram deixar também a sua marca com várias adaptações de “Mulherzinhas”. Entre dezembro de 1950 e janeiro de 1951, foi exibida a primeira versão da obra numa série da BBC, baseada na peça de Winifred Oughton e Brenda R. Thompson.

Em 1970, outra série da BBC, com nove episódios, que resultou ser a mais fracassada e criticada das adaptações, pelo seu orçamento baixo, pelas perucas extremamente estranhas, pelo facto das atrizes serem consideradas demasiado velhas para as suas personagens adolescentes e ainda pelo sotaque americano não ser atingido na perfeição.

E quem diria que o famoso William Shatner, da série Star Trek, poderia entrar em “Mulherzinhas”? É bem verdade e aconteceu em 1978 numa série norte-americana da NBC, onde o ator interpreta o Professor Bhaer. Já a mais recente adaptação televisiva foi de 2018, do canal norte-americano PBS, e conta com um elenco de jovens em ascensão: Maya Hawke (atriz de Stranger Things) como Jo, Jonah Hauer-King como Laurie, Katherine Newton como Amy, Willa Fitzgerald como Meg March, Annes Elwy como Beth March, além de contar com Emily Watson (“Chernobyl“), Angela Lansbury, e Michael Gambon.

Noutras latitudes, é de referir que a paixão por “Mulherzinhas” foi levada até à América Latina, em forma de séries e até em formato de telenovela.  Em 1962, no México foi feita a primeira série, seguida de outra no Perú, no ano seguinte. Já em 1985 aconteceu a primeira aposta no formato de telenovela com o título castelhano “No hay por qué llorar”, tomando como ponto de partida a escrita de Louisa May Alcott. Em 1995, foi a vez da Argentina e, em 1999, a vez da Venezuela apresentarem as suas próprias telenovelas. Já imaginaram se “Mulherzinhas” chegasse à televisão portuguesa em formato de telenovela? Seria um sucesso da TVI, da SIC ou da RTP?




Mulherzinhas | As modernizações

Nesta secção destacamos as adaptações de “Mulherzinhas” mais peculiares e modernas na televisão e no cinema, nomeadamente as versões da anime japonesa e um filme que se desenrola nos dias de hoje, lançado em 2018.

De 11 de janeiro de 1987 a 27 de dezembro do mesmo ano, a televisão japonesa Fuji TV exibiu uma série de 48 episódios baseada em “Mulherzinhas” e na sua sequela “Little Men” (publicada por Louisa May Alcott em 1871), provando que a narrativa de Jo e da família March ressoava além fronteiras e além idiomas, mesmo que passado um século desde a edição do romance.

Um ano depois, a série chegaria aos Estados Unidos, ao ser exibida na HBO com dobragem em inglês e intitulada “Tales of Little Women” (Contos de Mulherzinhas, na tradução literal). Já em 1993 era lançada uma nova anime, uma sequela da anime original japonesa inspirada no romance “Little Women II: Jo’s Boys”, publicado em 1886. Em Portugal, as séries foram exibidas nos primeiros anos da TVI entre 1994 e 1995, com vozes portuguesas.

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Lea Thompson, Sarah Davenport, Allie Jennings, Melanie Stone, e Elise Jones em “Little Women” (2018) © Main Dog Productions

De facto, estas versões anime têm algo de doce e inocente, afinal o material original de “Mulherzinhas” é uma obra juvenil que deverá ser vista por públicos dessas idades e a animação é o caminho mais fácil para a transmissão das ideias originais da obra. Já o filme de 2018 parece ser algo desconcertante e a espécie de “ovelha-negra” do grupo de adaptações.

Em vez de se desenrolar no período da Guerra Civil, o filme com realização de Clare Niederpruem (no seu primeiro projeto cinematográfico), situa-se precisamente no ano em que o romance celebrou os seus 150 anos. “Mulherzinhas” conta com um elenco pouco conhecido, que inclui Sarah Davenport, Melanie Stone, Allie Jennings, Elise Jones e Lea Thompson.

Aparentemente, pode até não ser uma má ideia contextualizar uma história tão clássica como “Mulherzinhas”, no entanto, existem sequências do romance que parecem difíceis de serem transpostas para a nossa realidade, e que, mesmo assim, Niederpruem não hesita em adaptá-las. As personagens podem usar as conveniências modernas, mas parecem estranhamente deslocadas do mundo em que vivemos. Uma obra pouco bem adaptada, em que as personagens pouco se assimilam às personagens descritas por Louisa May Alcott.




Mulherzinhas | Nos palcos

Embora nos dediquemos neste artigo às principais adaptações para o cinema e para a televisão, não poderemos esquecer que “Mulherzinhas” tem também uma larga história nos palcos. A primeira produção da Broadway de “Mulherzinhas” teve a sua estreia em outubro de 1912, e teve texto de Marian De Forest, uma pioneira artista norte-americana que, tal como Louisa May Alcott, estava muito à frente do seu tempo. Jornalista e dramaturga talentosa fundou a Zonta, uma organização de mulheres profissionais, incentivando uma maior presença feminina no teatro.

Já em 1969, e com uma audiência bastante familiarizada com a história de Alcott sobre as quatro irmãs, surgiu um balé – a prova de que a acção de “Mulherzinhas” pode ser completamente desprovida da palavra. Christine Neubert, fundadora do Children’s Ballet Theater, coreografou este balé com mais de quatro horas que alterou algumas das sequências da trama do livro. Depois, em 1998, surgiria a ópera em dois atos com composição de Mark Adamo, focando-se essencialmente na relutância de Jo em crescer e de se amadurecer como mulher, um ponto chave da narração.

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Saoirse Ronan é Jo no novo filme de Greta Gerwig © Big Picture

Por último, em 2005, “Mulherzinhas” surgiu como um musical na Broadway que incluía a canção “Take a Chance on Me” dos ABBA (não, não é “Mamma Mia!”), que já foi reposto em mais de 35 vezes em vários países.

Enfim, seja a Jo March de Saiorse Ronan, ou a Jo de Katherine Hepburn filmada nos anos 30, ou ainda Jo de Winona Ryder introduzida dos anos 90, todas elas tocam temas importantes que o cinema mainstream em Hollywood esquece por vezes de abordar. Recomendamos vivamente a assistires não só ao novo filme, como também às outras adaptações do romance de Louisa May Alcott.

Pela natureza humana, May Alcott não pode ver o sucesso do mundo criado e vivido por si junto da indústria do entretenimento. Mas será que gostaria? Afinal, no cinema e na televisão o papel das mulheres na liderança das tramas ainda tem muito por onde crescer e evoluir. Que Hollywood não deixe artistas como Greta Gerwig serem meras mulherzinhas…

Segue para as próximas páginas, onde poderás explorar o modo como o cinema e a televisão têm vindo a filmar o trabalho desta autora, com algum destaque dado às suas mais importantes adaptações.

One thought on “Mulherzinhas | Todas as adaptações do pequeno e grande ecrã

  • Parabéns, muito bom (como sempre)

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