Não há frio polar que detenha os Iceage

Na pequena sala do Musicbox, Beyondless dos Iceage aqueceu Lisboa na primeira noite fria de Outono. 

Nove e meia da noite e a sala do Musicbox estava ainda longe do todo sólido e intransponível em que se converteria daí a pouco. Aqui não há multidões a aguardar ansiosamente o concerto, apenas vários grupos a vaguear dispersos em conversas distraídas. Decorridos uns minutos, acendem-se intensas as luzes do palco e as pessoas aproximam-se para ver os Palmers entrar.

O trio apresentou-se como vindo “das Caldas” e lançou-se imediatamente no seu ritmo acelerado e electrizante. Ora a voz de Raquel Custódio, na bateria, ora a voz de Cláudia Sofia, no baixo, acompanhadas por Vasco Cavalheiro a puxar pela guitarra, ressoavam no ar e atraíam todo aquele que entrava na sala. Apesar de se terem assumido como “tímidos” e “pouco faladores”, nesta sua primeira visita a Lisboa, deixaram uma sala cheia totalmente fixada no palco e não só porque o concerto dos Iceage se aproximava. Quando se despediram foram presenteados com um vigoroso aplauso, saindo ao som de vozes que gritavam os seus nomes.

Iceage Beyondless concerto
Palmers (© Ana Viotti)

Longos minutos decorreram e finalmente apareceram os tão esperados seis elementos que integram a digressão europeia dos Iceage. Foram recebidos com um impetuoso aplauso, “Good evening ladies and gentlemen!” saudou-nos Elias B. Rønnenfelt, seguido de um “Hurrah!” que deu início ao tema de abertura de Beyondless. Seguiram-se duas faixas também deste novo álbum, “Pain Killer” e “Under The Sun”. Elias, no centro do palco, o ponto para o qual convergiam os nossos olhos, envolvia-nos naquele seu espectáculo não só vocal mas também interpretativo, tanto nos momentos em que se dobrava e contorcia na nossa direcção como quando pegava naquela sílaba do “higher” e a prolongava exageradamente (ou não) despoletando no público um fascínio que se convertia em braços no ar e gritos de correspondência.

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Chegou a vez do clássico “The Lord’s Favorite”. Aqui não nos contivemos e, quando chegou a passagem de que tanto gostamos, “One-hundred Euro wine/I do believe in heaven and I do believe it’s time”, cantámos com ele, enquanto o próprio, lá em cima no palco com a mão aberta, nos apontava e transportava para o céu. Todas as músicas de Beyondless tiveram a oportunidade de brilhar naquele palco, mas também houve espaço para outras como “Ectasy” mostrarem o seu poder duradouro.

Elias Rønnenfelt (©Ana Viotti)

Ao longo do concerto não houve pausas, por muito que fosse preciso alternar entre saxofone e percussão ou violino e teclas, ou até voz e cerveja; nada fez com que a quietude pairasse. A transição de música para música não deu azo a nenhum período de silêncio pois ainda o público não se acalmara e já ressoavam as primeiras notas da música seguinte. Se os Palmers se diziam tímidos e pouco faladores, Elias era mudo. Mas extremamente expressivo. Alterna um rosto aparentemente alheado, de olhos semicerrados e cabelo caído sobre a cara, com uma interpretação efusiva em que  gesticula e se inclina para a beira do palco, no sentido do público que dança e salta energicamente.

Era a última música, sim, já todos sabem qual, “Catch it”. Ainda não começara e já se ouviam sussurros indistintos que lhe adivinham a vinda. O público, a prever o final do concerto, aderiu como uma massa única e intransponível. Era um prazer ver e fazer parte de todas aquelas cabeças que flectiam ao ritmo da música. Os elementos deste público tão zeloso da banda que tinham à frente, tornaram-se um só, entre si mas também com os próprios Iceage. Ali não havia lugar para curiosos, eram todos fãs. No falso final que caracteriza a “Catch it” ninguém se deixou iludir, conheciam-na demasiado bem.

Iceage Beyondless concerto
Iceage (©Ana Viotti)

Quando a “Catch it” acabou (mesmo), a banda abandonou o palco, ao som das palavras de despedida de Elias: “Thank you very much! Ciao!” A sala irrompeu em aplausos e os Iceage regressaram para tocar “Plowing in the field of Love”. Durante a longa introdução instrumental do tema, vimos o vocalista substituir o microfone pelo cigarro, descontraindo-se e comungando com o próprio público.

Foi assim que aquele tempo com os Iceage acabou, foi assim que aquela pequena multidão dispersou, foi assim que saí do Musicbox, duas horas depois de entrar. Estava de novo no ambiente refrescante da noite de Lisboa a andar em direcção ao metro, mas uns minutos antes fizera parte de um aglomerado que ali se juntara para ver os Iceage, a rumar naquele momento para Espanha. Não faço ideia de quem era o homem a dançar entusiasticamente ao meu lado, ou a rapariga que sabia as letras todas de cor, mas posso garantir-vos que, durante aquela hora, eu, eles e todos os que ali estávamos partilhámos algo muito maior do que nós.

ICEAGE + PALMERS | MUSICBOX 27 OUTUBRO 2018

Não há frio polar que detenha os Iceage
  • Margarida Seabra - 90
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