Wagner Moura: O regresso de uma estrela ao cinema brasileiro. ©Vitor Juca

“O Agente Secreto” e “Die My Love” confrontam repressão e colapso com estilos opostos | Diário do Festival de Cannes 2025 (Dia 8)

O Festival de Cannes 2025 apresentou ontem dois dos títulos mais intensos da sua Competição Oficial: “O Agente Secreto”, de Kleber Mendonça Filho, e “Die My Love”, de Lynne Ramsay. Embora ambos explorem universos opressivos, os seus estilos não podiam ser mais contrastantes: de um lado, o thriller político brasileiro mergulhado na sombra da ditadura; do outro, um retrato punk e estilizado da depressão pós-parto.

“O Agente Secreto”: Ditadura, vigilância e a claustrofobia de existir

Depois do fabuloso documentário “Retratos Fantasmas”, o realizador brasileiro Kleber Mendonça Filho (“Bacurau”) regressa à ficção com “O Agente Secreto”, protagonizado por Wagner Moura. Ambientado em 1977 (mas por vezes intercalado com registos presente, sobretudo na sequência final), o filme acompanha Marcelo (Moura), um professor universitário da área das tecnologias, que abandona São Paulo para tentar recomeçara vida em Recife, no auge da ditadura militar brasileira.

VÊ TRAILER DE “O AGENTE SECRETO”

Uma tensão constante face à repressão

Num registo contido e atmosférico, em “O Agente Secreto” o cineasta evita os clichés dos dramas políticos — não há cenas explícitas de tortura nem discursos panfletários, nem uma repressão visível. Em vez disso, aposta na sugestão e na tensão constante, recriando um ambiente em que ‘as paredes tinham ouvidos’ e o silêncio podia ser tão perigoso quanto a palavra. O filme destaca-se pela atenção ao detalhe histórico e cultural — das roupas aos automóveis, das ruas ao comportamento social — e pelo olhar intimista sobre uma época marcada por medo difuso e essa opressão invisível.

O Agente Secreto
Um o thriller político mergulhado na sombra da ditadura militar brasileira. ©Vitor Juca

Wagner Moura: O regresso de uma estrela ao cinema brasileiro

Em “O Agente Secreto” Wagner Moura, conhecido internacionalmente por “Narcos” ou “Guerra Civil”, entrega-se a uma performance subtil, marcada pelo peso do passado e pela desconfiança permanente. Kleber Mendonça Filho descreve-o como ‘um astro clássico do cinema’, sublinhando que esta poderá ser a melhor interpretação da sua carreira. A cumplicidade entre realizador e ator, já evidenciada em entrevistas, traduz-se numa obra que combina sofisticação formal com relevância política, sem nunca perder de vista a dimensão humana do protagonista, da sua família e dos amigos do prédio onde vive. Mais uma vez uma vez também o “O Agente Secreto”, torna-se num cartão postal ao Recife, cidade natal do realizador e num regresso às suas memórias afectivas com os velhos cinemas de “Retratos Fantasmas” como o Cine São Luis.

Jennifer Lawrence
Jennifer Lawrence neste filme está absolutamente está incandescente. ©Okasha

“Die My Love”: Maternidade punk num mundo em ruínas

Diferente de “O Agente Secreto” e do outro lado do espectro, a britânica Lynne Ramsay (“Nunca Estiveste Aqui”) apresentou “Die My Love”, protagonizado por uma Jennifer Lawrence incandescente e um Robert Pattinson algo apagado. A realizadora escocesa mergulha-nos numa espiral de colapso emocional, onde a depressão pós-parto é tratada como desintegração absoluta da identidade.Lawrence interpreta Grace, uma jovem mãe isolada numa casa no campo, em crise total após dar à luz. Entre gritos, tiros, danças destrutivas e silêncios inquietantes, Ramsay constrói uma experiência audiovisual intensa, mas que por vezes roça o exibicionismo emocional.

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Forma sem fundo? Ramsay fascina, mas não convence

Apesar de momentos de beleza visual inegável — como a sequência em que Grace dança num delírio catártico —, “Die My Love” perde força na ausência de profundidade emocional. Grace é um corpo em convulsão, mas raramente compreendido. O argumento oferece pouco contexto ou introspeção, apostando mais na estética do colapso do que na sua análise. Robert Pattinson, num papel quase secundário, é reduzido a espelho da loucura da protagonista, sem densidade dramática. A relação entre os dois carece de verosimilhança e empatia, o que fragiliza o impacto emocional do filme.

Die My Love
Robert Pattinson tem um papel um pouco apagado. ©Okasha

Dois cinemas, duas visões da opressão

“O Agente Secreto” é um thriller sóbrio, onde a política é pano de fundo para uma reflexão profunda sobre identidade, memória e vigilância. Já “Die My Love” aposta tudo na intensidade sensorial, sacrificando o desenvolvimento psicológico dos seus personagens. Ambos são filmes relevantes, cada um à sua maneira: o primeiro, uma meditação sobre o Brasil de ontem que ecoa no de hoje; o segundo, um grito de fúria visual sobre a maternidade e a saúde mental. Cannes 2025 tem mostrado que o cinema de autor continua a ser o espaço onde se enfrentam os traumas do mundo — seja com silêncio ou com estrondo.

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