On Falling, a Crítica | Proletários do mundo, uni-vos contra as novas rotinas de trabalho!
“On Falling”, a estreia nas longas-metragens da realizadora portuguesa Laura Carreira, radicada na Escócia, é um excelente filme de realismo social, sobre a migração e as rotinas mal remuneradas de trabalho na atualidade.
“On Falling”, a estreia nas longas-metragens da realizadora portuguesa Laura Carreira — autora das curtas “Red Hill” (2018) e “The Shift” (2020), que passaram ambas, pelo Curtas Vila do Conde — é um olhar bastante deprimente sobre o trabalho moderno e a produtividade, que se vem agravando com as novas tecnologias e a sombra da IA, ao serviço da humanidade. A história de Carreira é bastante derrotista e comovente. Trata-se no fundo, de um ensaio cinematográfico quase documental, sobre as novas formas de ‘escravidão remunerada’, que acompanha as repetitivas tarefas e as jornadas de trabalho de Aurora, uma jovem migrante portuguesa, interpretada por Joana Santos”(“Vadio”).
As tristes rotinas de Aurora
Os dias de Aurora custam muito a passar, no seu trabalho de repositor ou selecionador de um grande armazém na Escócia, semelhante aos da Amazon: coloca os produtos, no carrinho automatizado, com um scanner digital, um aparelho que ao mesmo tempo, vai monitorando a sua produtividade. Parcialmente inspirado nas experiências da realizadora como estudante de cinema em Edimburgo, Aurora, para sobreviver, tem de aceitar esta profissão desqualificada e trabalho por turnos.
Vê o trailer de “On Falling”
Realismo social luso-britânico
Centrada na estética do realismo social britânico, esta história de “On Falling”, — que faz lembrar, em termos de contexto “Listen”, de Ana Rocha de Sousa ou “Great Yarmouth: Provisional Figures”, de Marco Martins,— consegue tornar-se bastante impactante pela sua subtileza, silêncios, contenção e minimalismo. Vê-se quase como se fosse um documentário filmado em tempo real, mas que evita oscilações violentas — a câmera funciona como um olhar passivo — ou diálogos artificiais.
Uma realização impecável
Tudo na realização de “On Falling” parece perfeito e natural como se estivéssemos como observadores, ao mesmo tempo que a história vai sendo marcada pela devastadora interpretação de Joana Santos. Inicialmente Aurora parece otimista, até que o seu humor vai declinando gradualmente. A sua personagem vai-se esvaziando por dentro, por causa dessas condições de trabalho desumanas a que está sujeita e às quais não consegue fugir, porque não tem outra alternativa.
Sem alternativas de trabalho
É verdade, que a personagem de Aurora poderia à primeira vista ter mais resiliência e mais desenvoltura — ela bem tenta é um facto. Recorde-se a cena da entrevista de emprego, em que a protagonista procura outra oportunidade torna-se num momento carregado de emoção. De facto, não é fácil colocarmo-nos no lugar de Aurora, quando pensamos sobre o papel do trabalho, na economia e nas pessoas que trabalham como ‘repositoras’ de supermercado, operadoras de call center ou à frente de um computador introduzindo dados. Estas tarefas cada vez mais vazias e sem sentido vão desencadeando um impacto muito negativo na auto-estima das pessoas.
Um olhar sobre o presente
Em “On Falling”, Carreira tem um olhar bastante oportuno do momento presente, sobretudo ao nível do ritmo e da profunda captação do clima e dos ambientes cinzentos, tristes e rotineiros — o clima escocês também não ajuda — onde se desenvolve esta história: o barulho dos passos dos trabalhadores, o rangido de um portão de metal, o irritante bipe do scanner de Aurora — a sua ferramenta — cria uma envolvente perfeita, que mostram como viveu intensamente parte desta experiência que é contada. E nesse aspecto é bem-vinda a sua inspiração no mestre Ken Loach.
A esmagadora interpretação de Joana Santos
Apesar de Joana Santos é importante ainda realçar o excelente elenco de “On Falling” com atores naturalistas, que nos dão um belo efeito de cinema-vérité: quando Aurora, conversa à mesa do refeitório, com os colegas escoceses, que são na sua maioria bem-intencionados e ingénuos, que como ela lutam pela sobrevivência. Entre estes actores e na sua primeira aparição no cinema, merece destaque Piotr Sikora, em Kis, o colega de apartamento de Aurora, que traz alguns momentos de ternura e bem-estar à protagonista: convida-a para sair, oferece-lhe um sorriso, uma garrafa de cerveja e gentilmente apoia-a quando os recursos e as pessoas a quem recorrer, começam a escassear.
Um bom exemplo de co-produção internacional
“On Falling” é ainda meticulosamente moldado à medida do seu argumento, a partir de localizações bastante credíveis que vão do armazém ao apartamento partilhado por pessoas de várias nacionalidades, às cenas no bar ou outras situações. Os actores parecem ter ainda espaço e liberdade para respirarem e improvisarem. Produzido pela BRO Cinema, a produtora portuguesa de Mário Patrocínio e pela Sixteen Films, de Ken Loach, “On Falling”, de Laura Carreira, teve a sua estreia mundial na secção Discovery do Festival de Toronto e chegou à Competição do Festival de San Sebastián 2024, onde ganhou a Concha de Prata para Melhor Realizadora. No BFI London Film Festival, foi também distinguido com o Prémio de Realizadora Revelação.
JVM
Movie title: On Falling
Movie description: “On Falling”, a longa-metragem de estreia da argumentista e realizadora Laura Carreira é passada em Edimburgo e arredores. O enredo social-realista acompanha as rotinas monótonas de Aurora (Joana Santos), uma migrante portuguesa que trabalha longas horas como selecionadora de um depósito de artigos para entrega, num conglomerado comercial não identificado. Lutando para sobreviver, torna-se cada vez mais solitária e desgastada pela rotina diária.
Country: Portugal, Reino Unido, 2024
Duration: 104 minutos
Director(s): Laura Carreira
Actor(s): Joana Santos, Inês Vaz, Piotr Sikora
Genre: Drama
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José Vieira Mendes - 75
Conclusão:
Inteligentemente realizado, ainda que um pouco áspero nas suas extremidades, “On Falling”, de Laura Carreira, assinala o início de uma nova e convincente era do cinema de realismo social em Portugal e no Reino Unido, com um testemunho aparentemente passado à realizadora Laura Carreira, por Ken Loach e a sua produtora Sixteen Films. “On Falling” impressiona por nos mostrar uma representação muito sombria da experiência dos imigrantes ou melhor de uma jovem migrante portuguesa na Escócia. Este conto íntimo de sofrimento tem uma certa especificidade e autenticidade, que são captadas pela realizadora sediada na Escócia, que se baseou na sua própria experiência no argumento. Numa metáfora visual desumanizante e algo carente de subtileza, Aurora (Joana Santos) é como se fosse uma das centenas de milhares de caixas de cartão arrumadas num armazém sem alma; um pouco maltratadas, abandonadas e depois descartadas na passadeira rolante ou trituradora, da sociedade moderna.
Pros
O melhor: A actriz portuguesa Joana Santos é incrível ao fazer quase silenciosamente, uma interpretação notável e comovente como Aurora.
Cons
O pior: Por mais que queiramos afastar essa ideia, o filme em termos de contexto, remete-nos sempre para as referidas obras de Marco Martins e Ana Rocha de Sousa. Mas não há mal nisso…
“o filme em termos de contexto, remete-nos sempre para as referidas obras de Marco Martins e Ana Rocha de Sousa. Mas não há mal nisso…” Se não há mal, porque é assinalado como um “contra” do filme? São precisos sim mais filmes destes que desmistifiquem a falsa percepção da emigração portuguesa para o Reino Unido e outros países desenvolvidos como se fossem todos uma espécie de conto de fadas. Na verdade, tendo em consideração o cada vez maior número de jovens adultos portugueses a emigrar, será inevitável que muitos mais filmes sobre esta nova diáspora venham a lume e sejam “manchados” por este “con”.