Óscares da Academia © Featureflash Photo Agency / Shutterstock.com

História dos Óscares | Que artistas rejeitaram a estatueta dourada?

No decurso da temporada de prémios 2020/2021, revisitamos a história dos Óscares para descobrir que artistas rejeitaram a estatueta dourada.

Parece impensável nos dias de hoje alguém recusar um Óscar. Inevitavelmente, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood parece já saber de antemão quem não quer esse tipo de reconhecimento, por muito prestigioso que seja. São muitos os artistas que dizem não querem lá saber dos Óscares para nada, mesmo que no final de contas, também tenham um pequeno interesse.

As opiniões divergem, mas na MHD temos a certeza que ao falarmos de Óscares estamos a falar de prémios que servem de recompensa a tantas horas de trabalho, a tantos dias sem dormir e a pensar. São a recompensa por um trabalho artístico, mais até do que ser eleito empregado do mês em qualquer outra profissão. Na maioria dos casos, e como bem sabemos, vencer um Óscar significa receber vários telefonemas com novas propostas em cinema e televisão.

Awards Season Academia
Óscares da Academia © LibreShot

Os Óscares não são apenas um programa de entretenimento com indivíduos do mundo da sétima arte vestidos a rigor. Os Óscares são também um abrir de portas ao futuro, ao próximo emprego, algo ainda mais surpreendente quando falamos de atores de terceira idade. Para isso, poderemos olhar para a carreira de Glenn Close – nomeada a 8 prémios da Academia e atualmente com 73 anos -, de Meryl Streep – a atriz mais nomeada aos Óscares em 21 vezes -, ou até Anthony Hopkins – o mais velho nomeado na categoria de Melhor Ator e que no ano passado havia sido nomeado a Melhor Ator Secundário por “Dois Papas”. Nenhum deles quer ceder à reforma e prova estar ansioso por continuar a trabalhar.

De qualquer forma, muitos espectadores não se devem lembrar, mas no passado vários talentosos artistas, todos grandes nomes do cinema americano recusaram a estatueta dourada. Nenhum deles subiu ao palco do Dolby Theatre para receber o galardão. Aliás, qual a necessidade de colocar as mãos em cima de um homem com espada de cruzado revestido de ouro? Muita maçada teriam de ir aos correios e enviar um envelope almofadado com um Óscar lá dentro com destino para o local originário.

Na MHD não só celebramos quem já recebeu estatuetas douradas e os seus discursos, mas queremos também viajar no tempo e conhecer quem recusou Óscares. Em mais de 2.000 vencedores até ao momento somente 3 pessoas rejeitaram o seu Óscar, embora uma dessas pessoas tenha aceite a sua estatueta anos depois. Quem recusou o Óscar? Dois deles foram atores, um deles argumentista, mas todos com o currículo de causar inveja a muitos. Ironicamente, por muito que tenham rejeitado, o prémio não foi para um potencial vencedor do segundo lugar, teria sido justo talvez. As regras da AMPAS não funcionam como noutros tipos de concursos.

Segue agora com as setas para descobrires por ordem cronológica – do mais antigo para o mais recente – quais os artistas que recusaram Óscares da Academia. Por mais estranho que pareça temos vários discursos no palco do Dolby Theatre.




Óscares 1935 | Dudley Nichols rejeita o Óscar de Melhor Argumento

A primeira pessoa da história dos Óscares a rejeitar a estatueta dourada foi o argumentista Dudley Nichols (1895 – 1960).  Co-argumentista de alguns dos maiores sucessos da época dourada de Hollywood, como “Duas Feras” (Howard Hawks, 1939), “Cavalgada Heróica” (John Ford, 1939) ou “Almas Perversas” (Fritz Lang, 1945), Dudley Nichols recusou o Óscar de Melhor Argumento pelo filme “O Denunciante” (John Ford, 1935) na edição dos prémios da Academia de 1936.

No total, “O Denunciante” venceu 4 estatuetas douradas para Melhor Ator (Victor McLaglen), Melhor Realizador (John Ford), Melhor Banda Sonora (Max Steiner) e Melhor Argumento. Apesar do sucesso do filme junto da Academia, Dudley Nichols recusou o seu prémio por uma série de disputas com o sindicato de argumentistas – o Writers Guild of America – ele próprio um dos fundadores. Contudo, e apesar de algum escândalo nas páginas da imprensa amarela da época, que adoravam este género de notícias entre artistas, Dudley Nichols acabou por ser visto com a sua estatueta em 1949, como revelam os registos oficias da história dos Óscares.

Mesmo assim, não foram precisos tantos anos para receber a sua estatueta. As disputas entre Dudley Nichols, o sindicato de argumentistas e a Academia terminaram em 1937, ano em que o argumentista foi eleito Presidente do Writers Guild of America, muito em virtude da recusa histórica do Óscar. Depois de “O Denunciante”, Nichols voltou a ser nomeado, embora nunca mais tenha ganho uma estatueta. Esteve na corrida a Melhor Argumento por “Tormenta a Bordo” (John Ford, 1941), Melhor Argumento Original por “Águias Americanas” (Howard Hawks, 1943) e, por último, para o Óscar de Melhor Argumento Original por “Sangue no Deserto” (Anthony Mann, 1957).

Uma vez que não existe discurso de Dudley Nichols para mostrar, vale a pena assistir ao trailer de “O Denunciante”.




Óscares 1962 | George C. Scott rejeita nomeação

Depois da história com Dudley Nichols, talvez os espectadores estariam familiarizados com o facto de artistas recusarem uma estatueta dourada. No entanto, isso não aconteceu e houve até alguma surpresa quando um ator de Hollywood acabou por rejeitar a nomeação. Aconteceu praticamente 30 anos depois da vitória de Nichols, com o tão talentoso e simultaneamente controverso George C. Scott (1927-1999).

O ator norte-americano, sem papas na língua, não tinha qualquer interesse em receber um Óscar. A sua primeira nomeação, embora sem quaisquer registos oficias de controvérsia, aconteceu na edição dos Óscares 1960 na categoria de Melhor Ator Secundário pelo desempenho em “Anatomia de Um Crime” (Otto Preminger, 1959). Foi à segunda nomeação que a recusa ocorreria.

Na edição dos Óscares de 1962, George C. Scott foi nomeado na categoria de Melhor Ator Secundário por “A Vida É Um Jogo” (Robert Rossen, 1961) célebre filme protagonizado por Paul Newman, mas rejeitou estar na corrida.

Obviamente não recebeu o galardão, e dos nomeados Jackie Gleason também por “A Vida É Um Jogo”, Peter Falk por “Milagre Por Um Dia”, Montgemory Clift por “O Julgamento de Nuremberga” e George Chakiris por “West Side Story – Amor sem Barreiras”, foi este último a levar a estatueta. Justo ou não a vitória de George Chakiris? Poderás conhecer a nossa opinião num artigo especial sobre os vencedores do Óscar de Melhor Ator Secundário.

Abaixo assiste ao trailer de “A Vida É um Jogo”, vencedor de 2 Óscares da Academia.




Óscares 1971 | George C. Scott rejeita o Óscar de Melhor Ator

Será que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas gosta de brincar com o fogo ou simplesmente de reconhecer o talento? Depois da controvérsia com a nomeação rejeitada de George C. Scott, a Academia voltaria a nomear o ator, desta vez na edição dos Óscares de 1971 e na categoria de Melhor Ator pelo êxito “Patton” (Franklin J. Schaffner, 1970).

George C. Scott voltou a rejeitar a nomeação e o prémio, não acreditando em competições entre atores. O produtor do respetivo filme Frank McCarthy, também ele oscarizado nessa noite pelo Óscar de Melhor Filme, subiu ao palco e recebeu a suposta estatueta de Scott das mãos de Goldie Hawn. Sem muitas palavras, agradeceu o reconhecimento da Academia e a importância da instituição nos EUA, levando a estatueta consigo. Apenas um dia depois, voltou a entregar a estatueta para respeitar o desejo de George C. Scott. A vitória poderá ser vista abaixo:

George C. Scott considerava a cerimónia dos Óscares um desfile criado em virtude de interesses económicos. Na citação do próprio ator aquando do seu telegrama enviado à Academia, perante a nomeação por “Patton” disse:

Peço respeitosamente que retirem o meu nome da lista de nomeados. O meu pedido não tem a intenção de denegrir os meus colegas.

A estatueta dourada de George C. Scott não está nas mãos da Academia, mas na George C. Marshall Foundation Library no Instituto Militar da Virgínia. Mais estranho ainda é que apenas um ano depois, George C. Scott voltaria a ser nomeado para a mesma categoria pelo seu papel em “O Hospital” (Arthur Miller, 1971). Esse Óscar perdeu-o para Gene Hackman em “Os Incorruptíveis Contra a Droga”.




Óscares 1973 | Marlon Brando rejeita o Óscar de Melhor Ator

A década de 70 parece não ter dado tréguas à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Apenas dois anos depois à nomeação e à vitória rejeitadas por George C. Scott foi a vez do próprio Marlon Brando – já vencedor de uma estatueta de Melhor Ator por “Há Lodo no Cais” (Elia Kazan, 1954) -, rejeitar um Óscar. Adorado por tantos na indústria, Brando rejeitou a vitória por Melhor Ator em “O Padrinho”, mas algo bastante chocante.

Marlon Brando era o grande favorito pela sua transformação em Don Vito Corleone e ninguém estava à espera da rejeição. Aliás, o ator não tinha sido tão direto quanto George C. Scott perante a nomeação. Brando acabaria por não estar presente na edição dos Óscares de 1973 e foi representado pela ativista pelos direitos dos índios americanos Sacheen Littlefeather. Marlon Brando rejeitava a estatueta dourada pelo tratamento impróprio da indústria relativamente à apresentação dos povos indígenas norte-americanos. A decisão de Brando levantou uma série de questões junto à indústria e mesmo enquanto Littlefeather esteve em palco assobiada. No fim, ativista disse esperava não ter se intrometido, uma vez que lutava apenas pela generosidade dos artistas para com uma causa.

Para entender o sucedido será preciso olhar além dos Óscares. Marlon Brando havia-se tornado ele próprio um ativista do Movimento Indígena Americano nos inícios dos anos 70 e planeou rejeitar a estatueta dourada aquando da ocupação de Wounded Knee – cidade americana da Dakota do Sul – que se iniciara precisamente um mês antes da cerimónia em 27 de fevereiro de 1973. Sacheen Littlefeather subiu ao palco com um papel escrito à mão pelo próprio Marlon Brando, mas não conseguiu ler o discurso nesse momento por questões de tempo. Além disso, recusou sequer tocar na estatueta. Roger Moore que anunciara segundos antes Marlon Brando como vencedor, acabou por  levar o Óscar para a sua casa, guardando-o por alguns anos até representantes da Academia lhe bateram à porta.

Na totalidade, o discurso de Marlon Brando tinha quinze páginas e foi lido na íntegra na sala de imprensa após o sucedido.

Depois que o pequeno discurso de Sacheen Littlefeather, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas decidiu criar uma nova regra de que mais ninguém poderia ganhar um Óscar e mandar alguém por procuração a representá-lo.  Curiosamente, a vitória de Marlon Brando por “O Padrinho” permitiu tornar o Dolby Theatre um palco político e, desde esse preciso momento vários atores têm vindo a apresentar as suas opiniões sobre questões políticas, sociais e culturais que merecem atenção e respeito pela sociedade.

Marlon Brando deixou uma marca amarga na história dos Óscares e desde então mais nenhum ator célebre ou artista recusou uma estatueta dourada. Sacheen Littlefeather que tinha trabalhado como atriz em papéis secundários jamais voltaria a atuar. Mais a baixo partilhamos a entrevista da ativista indígena, ao Museu de Nativos Americanos (Museum of American Indian), caso tenhas interesse em conhecer esta figura pública de relevo na história da Academia.

Se fosse nos dias de hoje, certamente a indústria seria forçada a mudar. Se compararmos os Óscares de hoje, com os Óscares de então, muito tem mudado a prol da diversidade.




Woody Allen rejeitou ou não os seus Óscares?

Katharine Hepburn é a artista que venceu mais Óscares da Academia na categoria de Melhor Atriz – foram quatro -, mas nenhuma das vezes esteve em palco para receber o galardão. Mesmo assim, sempre recebeu-os e colocava-os nas estantes da sua casa. O mesmo acontece com Woody Allen, o argumentista mais vezes nomeado ao Óscar de Melhor Argumento Original, venceu também por quatro vezes o galardão nessa categoria e nunca esteve presente numa cerimónia quando em competição. Muitos dizem que Woody Allen rejeitou os seus Óscares, mas não são essas as informações dos registos da Academia. Mesmo que não aceite a competição, Allen nunca rejeitou em comunicado oficial a estatueta e estas

Curiosamente não há informações sobre o paradeiro dos Óscares do cineasta norte-americano. De qualquer forma, vale a pena assistir à primeira e única vez em que subiu ao palco do Dolby Theatre, convidado pela Academia na edição dos Óscares de 2002 para homenagear a sua cidade, Nova Iorque, afetada pelo terrível atentado do 11 de setembro de 2011. Teve direito a ovação de pé, por muito que hoje seja uma figura controversa, inocentada pela justiça mas ignorada por muitos colegas da profissão, como Kate Winslet, Greta Gerwig ou Timothée Chalamet.

Na MHD não acreditamos que este ano nenhum ator, cineasta, argumentista, produtor ou artista técnico recusará os Óscares. Mas tudo pode acontecer… Se fosses profissional do cinema recusarias a tão desejada estatueta dourada? Partilha connosco a tua opinião nos comentários abaixo ou nas nossas redes sociais.

Estás à acompanhar a cobertura da MHD à temporada de prémios 2020/2021? Fica atento a todas as novidades sobre os Óscares 2021 e aos nossos artigos exclusivos. 

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *