Outlander | Figura de Estilo, T2E02

Provocatórios vestidos vermelhos, piercings nos mamilos, prostitutas exuberantes e Christian Dior. O guarda-roupa do segundo episódio da nova temporada de Outlander é uma coleção de espetaculares visões.

 

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Depois de um primeiro episódio em que os visuais alternaram entre o pesar melancólico dos anos 40 do século XX, e a relativa miséria de um porto francês cerca de dois séculos antes desse ambiente pós 2ª Guerra Mundial, Outlander finalmente chegou a Paris. E nessa magnífica cidade das luzes, os Fraser integram um mundo de opulência e riqueza até então distantes para estas personagens. Como consequência, pela primeira vez, podemos realmente ver Claire desenvolver um estilo fortemente pessoal, em que a sua estética sofisticada do século XX se mescla com o fausto setecentista. Essa fusão estilística encontra o seu mais espetacular apogeu naquele que é talvez o melhor figurino em toda esta série, uma versão rococó do célebre Bar Suit de Christian Dior, de onde o New Look que caracterizou tanta da moda europeia do pós-guerra acabou por nascer. Que o Bar Suit foi introduzido vários meses depois de Claire ter desaparecido do século XX é um dado de pouca importância.

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Há uma severidade nesse figurino inspirado na Dior que se traduz em quase todo o guarda-roupa de Claire neste episódio, tanto em termos de desenho como de paleta cromática. Há algo de severo e quase masculino em tal estética que a posiciona como uma presença alienígena nesta Paris ancestral. Em comparação com o boticário que enverga um colorido colete cheio de bordados de imagética mística, ela é quase minimalista. Mais tarde, em casa, num vestido que segue uma peculiar tendência desta época em que costureiras se inspiraram em retratos do século XVII, Claire parece quase usar uma versão feminina das roupas usadas pelo seu marido. Mesmo quando a vemos na companhia de outras mulheres, as suas roupas de simples decoração e linhas severas, mais parecem uma sóbria criação da Hollywood dos anos 40 para um filme de época, do que uma genuína peça do século XVIII. Apenas um robe usada no ambiente descontraído da domesticidade é que Claire enverga algo de mais suave estilo, com cores quentes e motivos vegetalistas a marcarem presença.

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Esse robe doméstico é a peça mais historicamente correta a ser envergada por Claire neste episódio, sendo que a grande pièce de resistance desta hora de televisão é o infame vestido vermelho, usado pela protagonista de Outlander aquando da sua primeira visita à corte de Luís XV. Na concepção desta peça, a figurinista Terry Dresbach ignorou muita da descrição do livro em que esta temporada se baseia, escolhendo uma estética mais provocatória e completamente removida de qualquer noção de fidedignidade histórica. Por um lado, a simplicidade decorativa e uso de óbvias montanhas de tecido maravilhosamente esculpido numa visão que quase se insinua como arquitetura e não como moda, são de indiscutível valor. No entanto, muitos dos detalhes como o decote ridiculamente profundo, tanto que torna o uso de espartilho uma ridícula impossibilidade, e o comprimento limitado da saia, fazem com que esta espetacular visão de sensualidade setecentista deixe muito a desejar como um figurino numa fantasia histórica. É claro que o seu impacto é inegável, e é fácil perceber a escandalizada reação que Jamie tem ao olhar sua esposa em tais preparos.

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Tal como Claire é uma incontornável outsider no meio deste mundo de aristocratas e intrigas francesas, Jamie e Murtagh também se destacam como estrangeiros. Enquanto a sua mulher veste estilos híbridos entre a moda setecentista e os gostos do século XX, Jamie enverga as peças usuais de um nobre francês da década de 40 deste século passado, mas com uma escassez decorativa e sobriedade cromática que o põem a uma grande distância da aristocracia hedonista que o rodeia. Murtagh, por seu lado, não se deixa dominar pelas modas parisienses, insistindo em continuar a usar o kilt escocês. Assim, mesmo quando se apresenta em Versalhes com uma elegante sobrecasaca de seda, este insolente highlander nunca deixa que ninguém o possa confundir com um homem de uma nacionalidade que não escocesa.

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Comparativamente a estes dois peixes fora de água, os restantes homens da nobreza e realeza que vislumbramos durante este episódio exibem-se em faustosas indumentárias decoradas com esplendorosas quantidades de pesados bordados e exuberantes cascatas de renda nos pescoços e punhos. O mais ostentoso de todos estes homens é, como seria de esperar, o rei Luís XV, que é primeiro vislumbrado num fabuloso robe de damasco dourado e preto. A seguir a essa humorística cena de angústias intestinais, o rei aparece novamente em dourado, agora num conjunto de muito maior formalidade e completo com uma peruca empoada típica da época.

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Durante estas festividades, o rei leva a seu lado o seu mais exótico acessório, a sua amante e favorita. Ela usa um vestido amplamente descrito nos livros da saga Outlander, um robe a l’anglaise com um decote que deixa o peito completamente a descoberto, de melhor modo a exibir os piercings em forma de cisne que esta cortesã usa nos seus mamilos. Para tal peça existem poucas fontes históricas, sendo que todo o guarda-roupa feminino deste episódio é um constante desfile de inconsistências factuais como a completa inexistência de robes à la française. Esse estilo de vestido era a ordem na corte gálica desta década, com as suas costas com as célebres pregas Watteau que dispunham o tecido das costas e da saia como uma espécie de capa solta na retaguarda do conjunto. No entanto, em Outlander, a maior parte das mulheres veste estilos mais típicos da década de 1770 e 80, como o robe a l’anglaise, com as costas ajustadas ao corpo e o a la piemontaise com uma capa separada do vestido a ser acrescentada às costas. Tais detalhes poderão parecer pedantes, mas para quem sabe um pouco de história da moda, esta época é rica em conotações políticas e sociais no vestuário, sendo que maior rigor na sua representação seria de desejar. Ironicamente, a mulher que mais claramente exibe os estilos da década de 40 do século XVIII é a dona do bordel onde Jamie se encontra com Carlos Stuart e não uma das senhoras da nobreza.

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Pelo contrário, apesar de historicamente problemáticas, as roupas das aristocratas presentes neste episódio são de invejar. Louise de Rohan, uma perfeita apoteose do hedonismo e candor epicúrio da nobreza da França de Luís XV, é introduzida durante uma sessão de depilação em que a sua disposição desavergonhada é posta em direto contraste com o de Mary Hawkins, uma jovem inglesa sob sua tutelagem. Em termos de vestuário, o seu contraste é imediatamente estabelecido com Louise a envergar um robe de seda e mais nada por baixo, enquanto Mary, qual púdica rosa inglesa, usa uma modesta chemise e um pequeno casaco doméstico em azul, a sua cor característica. Mais tarde, num ambiente de corte, o contraste entre as duas persiste, com Louise a parecer uma luxuosa reincarnação de Madame de Pompadour, coberta de bordados florais, renda dourada e laços, enquanto Mary se exibe num exemplo de revivalismo seiscentista, com mínima decoração e uma virginal tonalidade de azul claro.

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No final, “Not In Scotland Anymore” é o episódio de Outlander em que, até agora, a importância narrativa e estética dos figurinos desenhados por Terry Dresbach mas é colocada em posição de destaque. Tal como já foi referido, ao contrário de muitas alegações e erróneas afirmações da figurinista, a reprodução histórica que ela e a sua equipa alcançaram está muito longe de ser fidedigna. Isto deve-se a contratempos logísticos e questões de sensibilidades e gostos contemporâneos mas não deixa de ser uma verdade incontornável deste guarda-roupa que, apesar dessas suas fragilidades, se continua a afirmar como um dos mais esplendorosos da televisão atual. Mesmo com falhas históricas, o fausto que proporciona ao espetador é inegável e, na sua cuidada conceção, este guarda-roupa é uma maravilhosa extrapolação visual de muitas das mais complicadas caracterizações e ideias narrativas inerentes à história de Claire Fraser e suas viagens entre duas distintas e conturbadas épocas históricas.

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No próximo episódio trocamos o fausto de Versalhes pela sobriedade utilitária de um hospital regido por freiras, mas a beleza ostentosa do século XVIII continuará a marcar incontornável presença em Outlander. Não percas!


 

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