Outlander | Figura de Estilo, T2E03

As intrigas políticas vão-se intensificando no terceiro episódio desta nova temporada de Outlander, onde o guarda-roupa de Claire se torna num belíssimo barómetro de opressão feminina, ambição heroica e angústia matrimonial.

 

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Apesar de olharmos usualmente para Claire como uma força de imparável impetuosidade e valeroso heroísmo, é bom lembrar que ela é uma mulher na Europa do século XVIII. Se hoje em dia as desigualdades entre géneros ainda são um infeliz lugar-comum, então há mais de duzentos anos, tal diferença era horrendamente abismal. Enquanto Jamie passa o tempo a traçar as intrigas edificadas por Claire para a mudança do trágico futuro da Batalha de Culoden, ela é confinada à cansativa paz do domicílio. Na primeira cena desta hora de Outlander, tais contrastes na dinâmica do casal Fraser são colocados em ilustrativo conflito visual. Enquanto Jamie anda de um lado para o outro, rapidamente trocando de roupa, nos seus tons sóbrios e severos, Claire vai deambulando pelo lar, envergando um relaxado robe floral, uma peça apenas decente para a intimidade de uma mulher nesta época, e sem conseguir ser uma parte ativa dos seus próprios planos devido aos códigos sociais inerentemente injustos para com pessoas do seu sexo.

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Quando finalmente a vemos fora dessa prisão doméstica, o seu conflito com as pessoas que a rodeiam é ainda mais intenso. Nos salões da aristocracia francesa, em que as mulheres se vestem em delicados tons pastéis e suas figuras se encontram cobertas com rendas, laços e outros elementos decorativos, Claire apresenta-se, mais uma vez, numa peça de linhas simples, sem grande decoração, para além de uns leves pregueados nas mangas e um remate a diminuta renda preta. A sua cor, um intenso açafrão, é como que um grito cromático quando comparado com os cremes e brancos de Louise e Mary, as companheiras de Claire nesta cena.

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Nestas duas mulheres também vemos um jogo de contrastes, modas e ideias antagónicas de feminilidade setecentista. Louise é a perfeita ilustração de um luxo tipicamente francês, com o seu amplo decote a telegrafar o seu candor no que diz respeito a assuntos sexuais. Por contraste, Mary é uma visão de virginal inocência inglesa. As suas cores são semelhantes às da sua protetora e tal como no figurino de Louise, os têxteis de Mary estão ricamente decorados com bordados florais, mas ela cobre o seu decote com um modesto fichu, sua saia é complementada com um avental decorativo e seus cabelos, apesar do seu estatuto de mulher solteira, estão comedidamente cobertos por uma touca. A infeliz iconografia da virgem e da prostituta, a inglesa e a francesa.

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Longe dos estilos femininos e florais das suas amigas, Claire é sempre uma visão de simplicidade em cores saturadas, sendo que a única pessoa que consegue, de certo modo, rivalizar com a sua intensidade cromática é um dos seus venenosos inimigos, o exuberante Conde Saint Germain. Em contraste com os seus bordados e rendas, no entanto, Claire é uma peculiar visão de austeridade estilística, especialmente quando, mais tarde, a vemos trocar os salões da nobreza por um hospital gerido por freiras. Ela chega a esse estabelecimento de tricórnio na cabeça e com um figurino bordeaux pontuado por um colorido lenço roxo, como que em provocatório contraste com a severa vestimenta das freiras.

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Graças ao seu trabalho hospitalar e ao crescente entendimento com o seu frustrado marido, Claire vai progressivamente perdendo o antagonismo visual que caracteriza tanto do seu vestuário neste ambiente francês. Primeiro, despida de seu lenço e chapéu, e protegida com um avental grosseiramente preso com simples alfinetes, Claire está perfeitamente integrada com o utilitarismo simples do hospital e seus trabalhadores. Finalmente, depois de ajudar Jamie a desvendar o segredo de um código musical, a nossa protagonista mostra-se num magnífico sobrevestido azul, complementado por uma corrente à cintura que a coloca em posição de equilíbrio estético com Jamie que veste a sua usual sobrecasaca, assim como um kilt e tradicional sporran escocesa.

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No que diz respeito às roupas masculinas, os kilts usados por Jamie são de particular destaque. O seu uso ou recusa desta vestimenta inerentemente ligada à sua pátria demonstram quão o marido da nossa protagonista se movimenta num mundo de ilusão e ludibrio. Face à aristocracia local e estrangeira, ele enverga versões simplificadas, mas ricas, do usual traje masculino da nobreza. Na intimidade da sua família e no mistério da sua visita ao hospital, este escocês enverga o kilt, estando longe dos olhos cheios de julgamento dos nobres intriguistas e seus pomposos gostos.

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Apesar deste panorama de segredos e mentiras, Jamie descobre um peculiar aliado nos seus esquemas, sob a forma de um ladrão juvenil. Fergus, vestido em têxteis infinitamente mais pobres que os do aristocrata highlander, é uma espécie de pseudo Gavroche de Outlander mas a sua aparência está longe de ser a de um vagabundo das ruas. Pelo contrário, apesar da sua pobreza, todo o vestuário do rapaz está maravilhosamente ajustado à sua figura, marcando-o como um jovem capaz de se movimentar discretamente por entre os bolsos da nobreza endinheirada.

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Num episódio de cuidados jogos de contrastes e delicadas caracterizações, é divertido pensar como o mais memorável figurino é a ausência de roupa. Refere-se, pois claro, à cortesã que tem o seu corpo pintado como espetáculo erótico no bordel de eleição do príncipe Carlos Stuart, onde Jamie primeiro encontra Fergus e onde parece que todas as reuniões políticas dos jacobitas se fazem. Longe das fachadas da sociedade decente, não são decotes debruados a renda e fio de ouro que captam a atenção dos nobres lascivos, mas sim o burlesco descarado e sem classe de um corpete e seios protuberantes pintados em trompe l’oeil sobre as costas de uma mulher desnuda.

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No próximo episódio, o espetáculo de teatro passa do bordel para a sala de jantar, com uma festa de fachadas traiçoeiras e requintadas indumentárias cheias de perspicaz simbolismo. Mal podemos esperar!


 

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