“Megalopolis”, quem sou eu para o criticar?
“Megalopolis” de Francis Ford Coppola chega finalmente às salas de cinema nacionais. Depois de muitos anos de espera, em maio passado vi-o quando estreou no Festival de Cannes, aquela que talvez venha a ser a última obra de um génio da História do Cinema Mundial. No meio da azáfama de um grande evento, não fiquei tão entusiasmado como antes e como em outros filmes de Coppola. Mas quem sou eu para lhe fazer uma crítica?
“Megalopolis” o último filme de Francis Ford Coppola, é para todos os efeito um acontecimento marcante na História do Cinema Mundial, uma obra literalmente extraordinária realizada por um dos grandes génios da sua geração, de um homem com cerca de 40 filmes como cineasta-autor e mais não sei quantos como produtor. Coppola foi o criador das muitos filmes que marcaram as minhas referências cinéfilas: a trilogia “O Padrinho” (1972, 1974 e 1990), “Apocalypse Now” (1979), “O Vigilante” (1974), “Tucker: O Homem e os Seus Sonhos” (1988), “Do Fundo do Coração” (1982),“Drácula de Bram Stoker” (1992), e de tantos outros, verdadeiras obras-primas, além de vencedor de cinco Óscares, duas Palmas de Ouro e outros tantos prémios do cinema mundial. Coppola foi ainda o génio cuja determinação em fazer “Do Fundo do Coração”, o levou à falência quando os seus resultados de bilheteira não corresponderam às expectativas. Foi o homem capaz de sacrificar a sua estabilidade financeira para realizar os seus projetos cinematográficos sem comprometer a sua visão artística.
Regressar a Megalopolis
Francis Ford Coppola (1939) tem 85 anos e conta que começou a pensar neste projeto de “Megalopolis”, no início dos anos oitenta, éramos ainda umas crianças ou melhor uns aprendizes da cinéfila mas a geração da Nova Hollywood estava no seu auge. Coppola leu então a história de Catilina, o protagonista de uma conspiração política na antiga República Romana em 63 A.C. , em que um político romano tentou tomar o poder através do populismo exacerbado e o apoio dos militares, algo que afinal não está assim tão longe de muitos países da realidade internacional da actualidade. Porém, neste seu projecto de filme, os EUA seriam uma espécie de reencarnação da República Romana e a cidade de Nova Iorque seria como que recriação da Roma Antiga. Infelizmente, os seus problemas financeiros na altura obrigaram-no a abandonar o projeto, mas de qualquer modo continuou a considerar a ideia.
Uma paragem obrigatória
No Verão de 2001 organizou leituras de uma primeira versão do argumento de “Megalopolis” com Robert De Niro, Paul Newman, Leonardo DiCaprio, Uma Thurman, James Gandolfini e Russell Crowe. Chegaram a filmar mais de trinta horas de imagens da cidade de Nova Iorque, com o objetivo de os utilizar no projecto. Mas entretanto aconteceram os atentados de 11 de Setembro e não parecia o mais adequado e correcto continuar com um filme sobre um arquitecto visionário que confronta as autoridades de Nova Iorque, com o seu desejo de criar um futuro idealista e utópico, a partir da reconstrução de uma parte da cidade, que foi devastada após uma catástrofe devastadora. Porém, Coppola não desistiu da ideia e em 2021, depois da pandemia de COVID-19 e já com mais de oitenta anos de idade, decidiu retomar o projeto. Contactou Jon Voight, Shia Labeouf, Giancarlo Esposito e Lawrence Fishburne, que já tinham colaborado antes com ele nas fases anteriores do mesmo projeto. Conversou com Talia Shire, James Remar e D.B. Sweeney com quem já tinha trabalhado também em outros filmes. E depois trouxe Adam Driver, Aubrey Plaza e Nathalie Emmanuel para interpretarem os três protagonistas.
Um visionário vs. conservadores
Coppola mais uma vez, para manter a sua visão artística e a sua independência criativa, auto-financiou o projeto “Megalopolis”, com um orçamento de cerca de 120 milhões de dólares, através da venda de parte do seu negócio da famosa vitivinícola da Califórnia. O resultado é um filme enlouquecido e excessivo. “Megalopolis” é uma enxurrada de ideias, uma mistura de géneros cinematográficos, um olhar para o futuro, um reflexo do confronto entre as ideias criativas e arriscadas de um visionário e as posições conservadoras das autoridades da cidade. No fundo, corresponde à atitude do próprio Coppola em relação à indústria cinematográfica, ao longo de toda a sua carreira. Surpreendente e inclassificável, visualmente impressionante, “Megalopolis”, apesar de tudo não nos deixa indiferentes ao génio do seu autor e sobretudo pelo respeito que temos pela sua obra. Até porque nele cabe igualmente uma reflexão ponderada e um humor mais básico e elementar, que é uma marca de Coppola nos seus filmes e ao longo da sua extensa carreira. “Megalopolis” é sem dúvida um olhar cinematográfico sobre o que de mais grotesco existe na nossa sociedade contemporânea, a partir da perspetiva e da sabedoria de um génio de oitenta e cinco anos que teve a coragem, (o dinheiro, também é verdade) e sobretudo a liberdade criativa, para conceber e realizar um filme tão único e especial com este. Enfim, é por isso que não me sinto à vontade, nem me atrevo a fazer-lhe uma crítica!
JVM