Venice Sala Web | Il più grande sogno mai sognato, em análise

Em Il più grande sogno mai sognato, o jovem cineasta Michele Vannucci constrói um comovente retrato da vida de um homem nos subúrbios de Roma. Tal como todos os filmes presentes no Venice Sala Web, esta obra foi exibida no Festival Internacional de Veneza e está, de momento, disponível no Festival Scope.

Il più grande sogno mai sognato i was a dreamer venice sala web veneza

Por vezes, quando olhamos para uma obra particularmente original, perguntamo-nos como é que ocorreu a ideia para o filme ou de onde germinou. Existem, é evidente, várias possibilidades, que vão desde a inspiração numa imagem cristalizada na mente até impulsos singularmente mercenários ou até ambições de passar uma mensagem panfletária. Na grande maioria dos casos, o filme não nos telegrafa essa origem, mas no caso de Il più grande sogno mai sognato, a primeira longa-metragem do italiano Michele Vannucci, o mesmo não acontece. Na verdade, toda a construção do filme, e mesmo o uso de title cards no final apontam diretamente para um indivíduo para a inspiração de todo o projeto.

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Esse indivíduo é Mirko, um homem que, num processo de castings para outro projeto, fascinou Vannucci. Parte desse fascínio veio da sua história de vida, em que Mirko foi sempre roçando o mundo do crime, pela influência paternal, e acabou mesmo por ir para a cadeia. No entanto, como que num processo de redenção moral e espiritual, ele acabou por se tornar num membro importante da sua comunidade suburbana nos arredores de Roma, contribuindo para a construção de um centro social e de um programa de ajuda que, pela mão e decisão de Mirko, tem como objetivo a reinserção social dos pequenos criminosos de que o mundo muitas vezes se esquece e deixa apodrecer nas ruas do desemprego e da ostracização.

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Mirko pode ter acabado por não participar na curta-metragem com que Vanucci completou a licenciatura no Centro Sperimentale di Cinematografia, mas, quatro anos depois do seu encontro, Vanucci apresentou finalmente um projeto construído unicamente à volta do homem que tanto o fascinou. E, temos que dizer, para além da fascinante história pessoal, Mirko é uma figura que nasceu para ser posto em frente a uma câmara e capturar a atenção das audiências. A sua presença física é imponente e impõe respeito, os seus cabelos lembram a juba de um leão, enquanto a sua barba sugere imagens de Cristo, ele veste-se como um rockeiro envelhecido, mas é nos seus olhos, congelados numa expressão continuamente melancólica, que Vanucci encontrou um diamante em bruto. Com esta mistura de potencial violento e tristeza palpável no seu centro, Il più grande sogno mai sognato vai-se assim desenvolvendo.

Tomando inspiração da vida do seu protagonista, Vannucci edificou uma narrativa que, no seu âmago, pulsa com o desejo desesperado de mudar de vida. Tal como quando o realizador o conheceu, Mirko aparece-nos no filme reunido com a sua esposa, há anos abandonada, e com as suas duas filhas, enquanto espera um terceiro progénito para breve. Equipado com um novo e fervoroso empenho em tornar-se no tipo de homem que pode ser chefe de família, Mirko começa a distanciar-se do seu passado criminoso, mesmo que o seu pai esteja sempre a sussurrar-lhe no ouvido como um traiçoeiro Mefistófeles que prova o ocasional absurdo do 4º mandamento. O conflito familiar entre pai e filho quase sugere um tipo de história de arquétipos ao estilo bíblico, mas todo o projeto, especialmente as cenas em volta do centro comunitário, estão tingidas por um grande sentido de realismo, possivelmente inspirado pela longa tradição realista no cinema italiano.

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Não que Il più grande sogno mai sognato seja qualquer tipo de neorrealismo contemporâneo. Aliás, a abertura do filme, marcada por luzes abstratas, um momento de violência súbita, e uns créditos de puro artificialismo, dão ao filme uma aparência mais próxima de uma polida obra de televisão de prestígio atual do que de qualquer obra assinada por de Sicca, Rossellini ou Visconti. Essa polidez pode ser, para muitos, uma mais-valia que eleva o filme acima de outros esforços mais visualmente depurados, mas também se pode revelar como um sinal de demasiada superficialidade com as suas músicas americanas, montagens que mais parecem videoclips e um gosto imenso por filmar em contraluz dramática.

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No final, é essa questão da superfície que fica na mente do espetador, revelando como, apesar das suas qualidades, Il più grande sogno mai sognato é uma experiência relativamente anódina. Há um claro esforço da parte de Vanucci em  capturar um ambiente social precário com grande intimidade e isso é de respeitar, especialmente no que diz respeito a alguns tableaux de particular beleza ou, é claro, à magnífica presença de Mirko em frente da câmara. Temos aqui, para resumir, esforço, eficiência básica, nobres intenções, mas pouca originalidade, sendo que talvez o impacto mais poderoso do filme seja mesmo a sua história de redenção e as qualidades mais emotivas e comoventes que dela brotam.

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O MELHOR: Os momentos partilhados entre Mirko e a sua mulher na intimidade do quarto fechado são de uma beleza e ternura espantosas. O uso de som, da intimidade calorosa das imagens e da franqueza das palavras trocadas faz destes momentos, pequenos pontos de luz na penumbra de um filme em necessidade de muitos outros rasgos de semelhante génio.

O PIOR:  O voz-off que emoldura e comenta toda a ação e que, no final, se revela como parte de uma audiência judicial sobre a filha mais nova do protagonista, é algo desnecessário para o bom funcionamento de Il più grande sogno mai sognato, sendo que apenas distrai das imagens com platitudes desinteressantes e traz a todo o projeto o aroma desagradável do cliché.


 

Título Original: Il più grande sogno mai sognato
Realizador:  Michele Vannucci
Elenco: Mirko Frezza, Alessandro Borghi, Vittorio Viviani, Milena Mancini
Festival Scope | Drama | 2016 | 97 min

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