Russell Crowe está irreconhecível neste drama sobre o fundador da Fox News
Enquanto Hollywood aplaude transformações físicas, Russell Crowe desaparece em próteses e entrega uma metamorfose assombrosa e inexplicavelmente esquecida.
Em tempos de obsessão pela transformação física de atores — desde Christian Bale em “O Vencedor” até Jared Leto em praticamente qualquer papel — parece quase impossível que uma das metamorfoses mais impressionantes da última década tenha ficado relativamente esquecida. Uma performance que podia facilmente estar na corrida para os mais prestigiados prémios televisivos, mas que, por razões que merecem análise, acabou por não receber o reconhecimento devido.
Russell Crowe em The Loudest Voice: O monstro sob a maquilhagem
A transformação de Russell Crowe em Roger Ailes é simplesmente assombrosa. Sob camadas de próteses e maquilhagem, o ator carismático que conquistou Hollywood com “Gladiador” desaparece completamente para dar lugar a uma das figuras mais controversas da comunicação social americana. No entanto, a verdadeira proeza de Crowe não está nas transformações estéticas, mas na capacidade de capturar a essência perturbadora de Ailes — o seu magnetismo manipulador, a paranoia crescente e, acima de tudo, a natureza predatória que acabaria por ser a sua ruína.
Ao contrário de muitos vilões cinematográficos, o Roger Ailes de Crowe nunca é caricatural. Pelo contrário, é terrivelmente humano nas suas falhas, o que torna a sua vilania ainda mais perturbadora. À medida que a sua saúde declina, a personagem torna-se paradoxalmente mais ameaçador — como uma fera ferida, cuja imprevisibilidade aumenta o perigo. Crowe captura magistralmente esta dicotomia, particularmente nos episódios finais da série, onde a sua implosão emocional nos mostra porque este homem era tão temido pelos que o rodeavam.
A série não se limita, contudo, à performance de Crowe. O elenco secundário brilha igualmente, com destaque para Seth MacFarlane, numa rara incursão dramática como Brian Lewis, e Naomi Watts como Gretchen Carlson — a jornalista que finalmente conseguiu enfrentar o aparentemente intocável magnata dos media. Particularmente notável é a interpretação de Emory Cohen como Joe Lindsley, cuja gradual radicalização sob a influência de Ailes oferece um retrato arrepiante de como a manipulação psicológica pode funcionar em ambientes de trabalho tóxicos.
A vantagem do formato minissérie
Enquanto “Bombshell” (2019) teve maior visibilidade mediática, “The Loudest Voice” oferece uma análise mais profunda e com mais nuance da vida e impacto de Roger Ailes. A natureza episódica da minissérie permite uma exploração mais detalhada. Consegue, assim, dedicar tempo a vítimas menos conhecidas, como Laurie Luhn (interpretada por Annabelle Wallis), cuja história foi frequentemente ofuscada pelas de figuras mais proeminentes.
De forma brilhante, “The Loudest Voice” estabelece paralelos entre o abuso de poder pessoal de Ailes e o seu impacto mais amplo na sociedade americana. Particularmente interessante é o modo como a série explora a psicologia de Ailes sem nunca o desculpabilizar. Aprendemos sobre a influência do seu pai abusivo e os seus problemas de saúde, mas estes elementos são apresentados como contexto e não como justificação. Esta abordagem é reminiscente da adotada em “The Apprentice“, sobre Donald Trump. Ambos mostram uma compreensão da origem dos comportamentos sem nunca transformar o protagonista em objeto de simpatia.
Gabriel Sherman, o guionista de “The Apprentice”, escreveu o livro que inspirou “The Loudest Voice”, e co-escreveu três dos sete episódios da minissérie. Esta ligação permite-lhe explorar com conhecimento a escuridão por detrás destas figuras influentes. Por falar em impérios midiáticos controversos, não podemos ignorar “Succession“. A série da HBO, inspirada no império Murdoch da Fox, tornou-se um fenômeno cultural. A série explora, assim como “The Loudest Voice”, os bastidores sombrios dos impérios mediáticos e suas influências na sociedade contemporânea. Se quiserem ter um fim de semana cheio de drama mediático americano, estes três projetos não podem faltar na vossa agenda.
Já vos aconteceu descobrir tardiamente uma obra-prima que todos pareciam ter ignorado? Partilhem nos comentários as vossas descobertas tardias que mereciam muito mais atenção do que receberam inicialmente.