Óscares 2019 | Quem é Sandy Powell?

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Com 14 nomeações e três Óscares já ganhos, Sandy Powell, a figurinista de “A Favorita” e “O Regresso de Mary Poppins”, é uma das mais prestigiadas cineastas do cinema contemporâneo.

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Bradley Cooper, Lady Gaga e Alfonso Cuarón não são as únicas pessoas com múltiplas nomeações nesta edição dos Óscares. Entre os cineastas menos célebres que também alcançaram várias honras entre os indicados para os Prémios da Academia de 2019, destaca-se aquela que é a rainha dos figurinistas contemporâneos. Referimo-nos à designer inglesa que já ganhou três Óscares e este ano celebra as suas 13ª e 14ª nomeações, a inigualável Sandy Powell.

Desde Robin Williams na Antiguidade Clássica até Elle Fanning como uma donzela extraterrestre, passando por comédias na corte de Isabel I, ação sanguinária na Escócia seiscentista, o século XVIII com Tilda Swinton, aventuras vampíricas no reinado da Rainha Vitória, o glamour da Velha Hollywood, o excesso do glam rock londrino e o excesso de Wall Street nos anos 90, Sandy Powell é capaz de retratar qualquer época em qualquer tipo de registo cinematográfico. Este ano, as suas nomeações reconhecem a criação de uma versão mágica da Londres de 1934 em “O Regresso de Mary Poppins” e as intrigas da corte da Rainha Anne da Grã-Bretanha no início do século XVIII em “A Favorita”.

Os dois projetos receberam muitas nomeações, sendo que “A Favorita” é o grande campeão numérico ao lado de “Roma”, com um total de dez nomeações individuais, incluindo Melhor Filme. Quem sabe se esse prestígio e adoração geral vão resultar em mais uma vitória para Powell? A sua maior adversária será Ruth E. Carter e seus memoráveis trajes para “Black Panther”, mas, como se sabe, os Óscares tendem a dar muito mais valor a roupas de época do que a ficção-científica e cinema de ação. A própria Sandy Powell já se queixou de tais preconceitos e injustiças.

Quando ganhou o terceiro Óscar, em 2010, ela usou o seu discurso para recordar como nem todos os figurinistas têm oportunidade de trabalhar em faustosos filmes de época e não é por isso que seus esforços são menos valiosos. Enfim, uma coisa é certa, se voltar a ganhar bem podemos esperar que Sandy Powell suba ao palco para dizer que não precisa de mais uma estatueta e fá-lo-á muito mais bem vestida que qualquer uma das grandes celebridades presentes.

Sandy Powell com os seus três Óscares, ganhos em 1999, 2005 e 2010.

Para Sandy Powell, a moda representa algo de extrema importância na vida, como se vê tanto no seu estilo pessoal como na multiplicidade de referências estilísticas em todos os seus projetos. Contudo, quando chegou a altura de estudar e se enveredar no mundo profissional, ela virou as costas ao mundo da moda, preferindo seguir a sua paixão pelo teatro, cinema e a realidade necessariamente colaborativa dessas artes. De facto, em termos de estudos superiores, Powell começou a licenciatura em Design de Cena para Teatro na Central School of Art and Design de Londres.

Desde então, ela nunca abandonou o mundo das artes performativas, quer estas se manifestem nos palcos londrinos ou na ribalta de Hollywood. O primeiro realizador com que Powell trabalhou foi Derek Jarman, um autor vanguardista inglês famoso por suas propostas punk e experimentais. Essa colaboração ditou o rumo da carreira da figurinista que tem vindo a reunir uma coleção de cineastas de renome que, sempre que podem, vestem os seus filmes com as criações desta designer. Martin Scorsese, por exemplo, desde 2002 que depende dos talentos de Powell e o mesmo acontece com Todd Haynes, Mike Figgis e Neil Jordan. Para encantar tantos mestres do cinema, há que se ser uma mestra também.

Acima de tudo, Sandy Powell é uma artista e até está disposta a sacrificar a sua segurança financeira em nome de liberdade criativa. Note-se como ela se foca em cinema de autor e sempre recusou qualquer trabalho em blockbusters de super-heróis. Para a figurinista, é uma escolha simples, pois não está disposta a dedicar meses da sua vida a um projeto do qual não se vai orgulhar e que, enquanto espectadora, ela mesma não teria interesse em ver. Não é uma snob, simplesmente uma cinéfila exigente que aplica os mesmos critérios de espectadora ao seu trabalho.

Com tudo isto dito, convidamos-te a descobrir connosco as maravilhas de Sandy Powell numa viagem pela sua filmografia desde o começo em cinema de autor vanguardista até à glória dos orçamentos gigantes da Disney e consagração do Óscar. Acredita que é um grande festim para os olhos ver a beleza das suas criações. Basta seguires as setas para comprovar isso mesmo e ver as próximas páginas.




COMO TUDO COMEÇOU

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CARAVAGGIO marcou a estreia de Sandy Powell e Tilda Swinton no grande ecrã.

A meio da licenciatura em Design de Teatro, Powell arranjou emprego a trabalhar para uma companhia de dança liderado pelo coreógrafo Lindsay Kemp e nunca mais voltou aos estudos. Uma eterna fã de David Bowie, Powell tinha conhecido o trabalho de Kemp graças à sua colaboração com o cantor durante a fase Ziggy Stardust. A figurinista ficou nessa companhia durante seis anos, experimentando estilos e registos tão díspares como espetáculos de mimos, burlesco, dança contemporânea e teatro mais clássico. Foi durante esses anos a trabalhar em teatro que Powell entrou em contacto com Derek Jarman. Como era fã dos seus filmes, ela enviou uma carta ao cineasta e convidou-o a ir ver um dos seus espetáculos. Encantado com o que viu, Jarman decidiu que tinha encontrado sua nova figurinista e introduziu Powell ao trabalho em cinema com “Caravaggio”.

Antes de fazer essa biografia avant-garde, Powell passou um ano a colaborar em alguns vídeos musicais mais underground, habituando-se às exigências de trabalhar num plateau em contraste com o palco. Quando chegou a altura de começar a sua primeira longa-metragem, a figurinista ainda era uma relativa novata e hoje em dia olha para trás com alguma vergonha, reconhecendo erros básicos de técnica nos seus esforços iniciais. Mesmo assim, esse filme, que também foi a estreia de Tilda Swinton no cinema, é visualmente esplendoroso e a natureza meio artesanal de algumas das criações da figurinista contribui para a beleza idiossincrática do projeto. Mesmo que não componham um guarda-roupa perfeito, os figurinos deliberadamente anacrónicos de “Caravaggio” ajudaram Powell a estabelecer sua metodologia de trabalho em cinema.

Para a figurinista, tudo começa com a leitura do guião e com a visão do realizador. A partir daí, ela pensa em cor e silhueta e começa a definir o guarda-roupa a partir daí, mesmo antes de pensar em diferenciar personagens. O uso de cor, em particular, é um dos elementos mais pessoais no trabalho da figurinista, cujas paletas cheias de contrastes e têxteis em cores ricas e padrões berrantes fazem com que os figurinos sejam indissociáveis do seu nome. No que diz respeito a pesquisa histórica, esta é uma cineasta que acredita na procura por conhecimento e autenticidade, mas vê o seu trabalho como o de uma artista e não de uma arqueóloga. Por isso, suas referências nunca se resumem só ao facto histórico, incluindo também moda contemporânea, assim como artes plásticas. Sandy Powell é uma verdadeira autora cinematográfica e tudo começou com uma humilde cinebiografia sobre o mais famoso dos pintores barrocos.




A GLÓRIA DE JARMAN

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EDWARD II é um dos melhores filmes que Powell vestiu para o glorioso Derek Jarman.

Segundo Sandy Powell, um dos melhores conselhos que já lhe deram veio da boca de Derek Jarman. O cineasta vanguardista disse à figurinista que, na indústria cinematográfica, há que se criar diariamente o mesmo tipo de excitação e antecipação de uma festa, pois, de outro modo, não vale a pena dedicar a vida a tal ofício artístico. Certamente trabalhar com Derek Jarman foi como viver uma festa todos os dias para a figurinista que, ainda nos dias de hoje, diz nunca ter trabalhado com um cineasta melhor que o realizador que lhe abriu as portas da indústria cinematográfica.

“Caravaggio” foi certamente um triunfo artístico e o segundo filme de Jarman e Powell foi ainda melhor. “The Last of England” é dos filmes mais experimentais do cineasta e também um dos seus mais extraordinários, sendo o píncaro do cinema punk inglês. A última sequência, em que Tilda Swinton corta com tesouras um traje setecentista que tem vestido, é um grande triunfo de Powell enquanto criadora de ícones subversivos. De modo semelhante, as loucuras espampanantes que a figurinista concebeu para “Wittgenstein” são uma delícia estilística que veio complementar as ideias mais loucas de Jarman.

No entanto, de todos os filmes feitos por este duo, “Eduardo II”, uma adaptação da peça de Christopher Marlowe, foi aquele que lhes trouxe mais aclamação e valeu até um prémio da crítica a Sandy Powell. Observar a grandiosidade operática e híper estilizada desta tragédia histórica é ver dois artistas no píncaro dos seus talentos a mostrar tudo o que valem. Três, se contarmos com a magnífica prestação de Tilda Swinton no papel que lhe valeu a Taça Volpi do Festival de Veneza. Infelizmente, Jarman viria a morrer em 1994 devido a complicações relacionados com o HIV. Por essa altura, já Powell e Swinton tinham enveredado por caminhos que viriam a garantir a sua longevidade no mundo do cinema para além das suas colaborações com o realizador.




“ORLANDO” E A PRIMEIRA NOMEAÇÃO PARA O ÓSCAR

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ORLANDO é um curso de História da Moda em pouco mais de 90 minutos.

Sandy Powell sempre deu importância à necessidade de boa roupa interior, especialmente em filmes históricos. São as armações, os paniers, as anquinhas, os espartilhos e tudo o mais que criam a silhueta sobre a qual o figurino principal é disposto. Em “Orlando”, a cada vinte minutos, esta atenção à criação de visuais históricos, desde a base até aos detalhes mais pequenos é posta em evidência extrema. Dizemos isto pois esta adaptação do romance homónimo de Virginia Woolf começa no reinado de Isabel I e vai acompanhando seu protagonista imortal através do tempo e do género sexual, até que de um nobre quinhentista ele se tornou numa mulher a viver no século XX.

Por muito radicais que sejam as mudanças estilísticas entre cada capítulo temporal da narrativa, Powell nunca vacila. Tudo começa em tons de vermelho e ouro com alguns dos figurinos mais historicamente corretos alguma vez criados para representar este período da História inglesa. Durante a fase Jacobina, todos se vestem de escuro e Swinton aparece decorada com pérolas minúsculas e sedas negras reluzentes. Chegada a Restauração do século XVII, o preto-e-branco domina até que uma viagem ao Oriente faz o filme explodir numa orgia de cor e choque cultural. No Rococó, Powell exagera as cores e proporções para criar caricaturas loucas e em tempos da Rainha Vitória o verismo histórico com um toque de romantismo melancólico é a ordem do dia. O filme é praticamente um curso em História da Moda com pouco mais de 90 minutos. Uau! Além disso, foi esta a obra que deu a Tilda Swinton projeção mundial e valeu a Sandy Powell a sua primeira de 14 nomeações para o Óscar. Ela perdeu, no entanto, para “A Idade da Inocência”.

Este talento para representar os fluxos evolutivos da moda ao longo da História viria a revelar-se como uma das grandes mais valias de Powell enquanto profissional do cinema. Muitos foram os projetos, para além de “Orlando” em que a figurinista teve de levar o espectador numa viagem pela História da Moda. Veja-se, por exemplo, os cinco saltos temporais de Robin Williams em “Gente Como Nós” ou a odisseia vampírica do mais famoso filme de Neil Jordan.




OS JOGOS E ENTREVISTAS DE NEIL JORDAN

oscares 2019 sandy powell entrevista com um vampiro
A odisseia vampírica de Neil Jordan marcou a primeira vez que Sandy Powell trabalhou com um grande orçamento de Hollywood.

Sandy Powell pode dever a Derek Jarman a sua carreira, mas ele está longe de ser o único autor com que a figurinista trabalhou regularmente ao longo da sua carreira. Um dos grandes colaboradores de Powell foi o realizador irlandês Neil Jordan. Seu primeiro filme de Jordan foi “Amar Uma Desconhecida”, estreado em 1991, e os dois viriam a trabalhar em mais cinco projetos ao longo da década de 90. Um dos mais célebres filmes desse quinteto foi “Jogo de Lágrimas”, que valeu um Óscar de Melhor Argumento Original a Jordan e deu a Powell a oportunidade para conceber figurinos tão memoráveis como um vestido reluzente de uma misteriosa performer de cabaret e o fato cinzento de uma tresloucada soldada do IRA.

Apesar disso, foi outro projeto que viria a mudar a carreira dos dois cineastas para sempre. Referimo-nos a “Entrevista Com o Vampiro”, uma adaptação do célebre romance de Anne Rice que constituiu a primeira aventura de Jordan e Powell no mundo dos grandes estúdios americanos. A figurinista bem aproveitou a oportunidade e usou o dinheiro da Warner Bros. para mandar costurar seus figurinos na Tirelli Costumi, um atelier italiano famoso pelo seu requintado trabalho. Foi aí que alguns dos ídolos de Powell fizeram os guarda-roupas para seus filmes como é o caso do lendário figurinista italiano Piero Tosi.

Tal qualidade técnica era bem exigida pelo guião que não só envolve elementos fantásticos de vampirismo e romance gótico como envolve mais uma narrativa que saltita pela História, delineando uma cronologia das evoluções da moda ocidental. Mais especificamente, este conto de terror vai desde a segunda metade do século XVIII até aos anos 90 do século XX, passando pelo estilo império e a “forma natural” da década de 1880. O melhor de tudo é que, não obstante o fausto destes figurinos e a qualidade blockbuster do projeto, a individualidade artística de Powell continua tão presente como sua integridade profissional. Basta olhar para as combinações de cores e materiais cheios de texturas e padrões vistosos para ver que se trata de um guarda-roupa assinado por Sandy Powell. Estranhamente, nenhum dos projetos de Neil Jordan valeu uma única nomeação para os Óscares a esta genial figurinista.




VESTINDO A HISTÓRIA DA ESCÓCIA E IRLANDA

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ROB ROY é um dos filmes mais injustamente subvalorizados no currículo de Sandy Powell.

Sandy Powell passou 1995 e 1996 a estrear filmes históricos protagonizados por Liam Neeson em luta com as forças imperiais inglesas. O primeiro e mais ostentoso desses trabalhos foi “Rob Roy”, uma espécie de “Braveheart” do século XVII onde as roupas dizem tanto sobre um homem como suas habilidades com uma espada na mão.

Para este projeto, Powell decidiu rejeitar o facto histórico e privilegiar a iconografia mítica da Escócia para uma audiência moderna. Assim, concebeu kilts que não teriam existido na época, mas que, para o espectador de 1995 seriam sinónimos com a tradição escocesa. Em contraste, para realçar a futilidade e perigoso poder dos antagonistas ingleses, Powell vestiu os vilões com toda pomposidade e verismo histórico das modas barrocas. A indumentária de Tim Roth é de particular destaque, sendo que o ator teve de travar complicadas batalhas de esgrima com seus pulsos a transbordar renda e um colete de brocado a servir como a couraça de um pavão humano.

Para o seu outro projeto a desenhar as roupas para Liam Neeson, “Michael Collins”, a figurinista optou por uma abordagem mais historicamente correta e caracterizada por contrastes menos extremados. Este foi um filme realizado por Neil Jordan e, nos próximos projetos de teor mais prestigiado e socialmente relevante do cineasta, Powell sempre optaria por esse verismo pouco ostentoso.

É claro que tal contenção raramente vale prémios e Powell não recebeu uma única nomeação por tais esforços, nem mesmo para o BAFTA.




ROMANCE, ESTILO E “AS ASAS DA POMBA”

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Modas de transição são a especialidade de Sandy Powell.

A maior parte dos figurinistas de Hollywood, mesmo os melhores, tende a olhar para as modas do passado como um monólito estilístico. Sandy Powell, pelo contrário, entende que a moda é algo fluído e que, lá porque uma certa década é definida por um estilo icónico, não quer dizer que todas as pessoas se vestissem consoante esses ditames estilísticos. Um dos melhores exemplos desta sagacidade histórica de Powell é “As Asas da Pomba”, onde a figurinista ilustrou um período de transição e contrastes culturais. Aliás, foi a própria Powell a estabelecer que a narrativa se passaria em 1910, pois estilisticamente é uma época mais interessante que 1902 na história original.

O filme, adaptado de um romance de Henry James, conta a história de uma mulher britânica de classe alta que engendra um esquema cruel para assegurar a sua união com um homem sem posses. Ela planeia que seu noivo seduza uma herdeira americana enferma, de modo a que, quando esta morra, sua fortuna caia nas mãos do casal inglês. Dos salões de Londres às ruas carnavalescas de Veneza, o filme é um festim para os sentidos e as roupas são parte essencial desse espetáculo.

O gosto por cores contrastantes e têxteis vistosos de Powell está em máxima apoteose neste filme, onde ela emprega tais estéticas e gostos a estilos de época idiossincráticos como os plissados de Fortuny ou as linhas orientalistas de Poiret. Aqui, as figuras não são ícones de estilo e suas roupas tanto demonstram a severidade Eduardiana como a doçura continental da Belle Époque. Em joias e peças fugazes, até já vemos os primeiros sussurros de Art Déco. Powell usa estas referências para caracterizar um tempo específico, como que sublinhando a temporalidade da história e como o mundo está sempre a avançar, deixando para trás estilos antigos e herdeiras inocentes cuja fortuna importa mais que sua vida.

Tais esforços valeram a Powell, sua segunda nomeação para os Óscares. Desta vez, ela perdeu para Deborah Lynn Scott e seus figurinos para “Titanic”.




O FAUSTO DE “VELVET GOLDMINE”

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VELVET GOLDMINE é o melhor guarda-roupa que Sandy Powell alguma vez desenhou. Aplausos!

Nos anos 70, Sandy Powell era uma adolescente apaixonada pelo glam rock que passava a vida em lojas de roupa usada a tentar criar o novo visual arrojado para se pavonear pelas ruas de Londres com seus amigos. Muitos anos depois, quando Powell já se começava a afirmar como uma figurinista de renome, ela teve a oportunidade de ressuscitar essa parte da juventude no grande ecrã. O filme em questão é “Velvet Goldmine”, uma visão ficcionada e quase mitológica da vida de David Bowie, Lou Reed e Iggy Pop que marcou a primeira vez que Sandy Powell trabalhou com aquele que se tornou um dos seus realizadores favoritos, Todd Haynes.

De facto, apesar de muitos outros triunfos cinematográficos, este continua a ser o filme preferido de Haynes e Powell. Face à glória de “Velvet Goldmine”, é fácil entender tal paixão. Trata-se de um tratado narrativo em temas de fluidez sexual e o papel que a cultura popular e a música podem ter na vida de jovens, de uma nação e do mundo. No meio de tudo isso, os figurinos assumem um papel essencial, representando um artifício que através da falsidade diz algo mais real que a realidade, quer seja no contexto de uma conferência de imprensa tornado espetáculo de circo ou de um concerto feito funeral de toda uma era.

Como o orçamento era tão pequeno, Powell teve de fazer acordos especiais com as casas de figurinos londrinas e acabou por reciclar inúmeras peças usadas em antigos projetos de teatro e cinema. Toni Colette, por exemplo, enverga várias peças desenhadas para Tilda Swinton vestir em filmes de Derek Jarman. Tais soluções para cortar custos acabaram por contribuir para o melhor guarda-roupa alguma vez desenhado por Sandy Powell, onde seu gosto por estilos históricos está em perfeita comunhão com a sua estética moderna e gosto por teatralidade. No fim, Powell ganhou o BAFTA por este filme e foi nomeada para o Óscar. Curiosamente, apesar de outro filme ter ganho esse prémio da Academia de Hollywood, Powell saiu vitoriosa à mesma…




“A PAIXÃO DE SHAKESPEARE” E O ÓSCAR

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Primeiro Óscar!

A Paixão de Shakespeare” sempre viverá na infâmia devido ao seu devastador domínio sobre os Óscares de 1999. Acerca das outras categorias não nos pronunciaremos, mas é difícil olhar para a vitória de Sandy Powell pelo guarda-roupa da comédia romântica passada no tempo de Isabel I e nela ver alguma instância de indevida aclamação. De facto, a grande competição de Powell era ela mesma, pois este foi o primeiro ano em que ela foi reconhecida com duplas nomeações, sendo também indicada pelo já referido “Velvet Goldmine”. Ambas as obras vibram com teatralidade jubilante, mas convém apontar como essa mesa teatralidade em conjunto com as tonalidades cómicas de “A Paixão de Shakespeare” permitiram à figurinista brincar mais despreocupadamente com a inspiração histórica.

Nesta obra, Powell exagera cores e proporções, moderniza silhuetas e vai construindo um guarda-roupa estilizado que, ao invés de reproduzir uma verdade histórica da década de 1590, simplesmente a sugere com um sorriso rasgado e um piscar de olhos. Veja-se como, por exemplo, a figurinista usou rendas com missangas dos anos 20 como base para construir a gola de um espampanante vestido amarelo de Gwyneth Paltrow, ou a forma como reinterpretou a silhueta masculina da época e decidiu que Shakespeare iria vestir um gibão de cabedal verde do mesmo modo que um homem moderno vestiria um modesto casaco de ganga.

Como boa sabedora de História da Moda, Powell até soube manipular estilos pré-existentes para melhor contar a história de amor do filme. Os tipos de calções usados na época em Inglaterra, por exemplo, são bem ridículos para um espetador moderno. Por isso Powell relegou essa silhueta para figuras vilanescas e cómicas e vestiu o protagonista romântico em calças mais modestas e típicas da Itália seiscentista. Para a magnífica Isabel I, pelo contrário, Powell foi aos retratos buscar a silhueta mais fiel possível. Foi nos materiais que decidiu deturpar a História, usando cores e têxteis anacrónicos e até penas de pavão. Mais do que reproduzir a figura da rainha, Powell queria sugerir sua grandiosidade quase divina no contexto da narrativa.

Em suma, foi um Óscar mais do que merecido.




A COLABORAÇÃO COM MIKE FIGGIS

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MISS JULIE é provavelmente o filme mais bem-vestido na filmografia de Mike Figgis.

Como já deu para perceber, Sandy Powell é uma figurinista que gosta de trabalhar com realizadores a que se pode justamente dar o título de autores. Sua filmografia é marcada pelos já mencionados Neil Jordan, Derek Jarman e Todd Haynes, por exemplo, mas outro nome a acrescentar a essa lista é Mike Figgis. Powell trabalhou pela primeira vez com o realizador inglês quando ambos ainda estavam em início de carreira. “Dia de Tempestade” de 1988 foi somente o terceiro filme da figurinista, enquanto era a estreia de Figgis no panorama das longas-metragens.

Esse drama criminal contemporâneo não tem figurinos particularmente vistosos além de uns quantos fatos aprumados de Melanie Griffith. Contudo, Powell terá impressionado o realizador estreante, pois, muitos anos a seguir, quando Figgis se aventurava no território do cinema de época, foi à figurinista do seu primeiro filme que ele veio pedir ajuda. A obra em questão foi “Miss Julie, uma adaptação da célebre peça de Strindberg cujo orçamento era minúsculo. Tal adversidade em nada prejudicou o trabalho de Powell, que esticou seus fundos de modo a construir um guarda-roupa modesto, onde a diminuta quantidade de figurinos é totalmente ofuscada pelos detalhes minuciosos que cada peça evidencia, desde as decorações de uma bota feminina até aos botões de uma gola engomada.

Ainda hoje, “Miss Julie” de 1999 representa uma das melhores montras para a moda dos finais do século XIX em cinema, tal é a qualidade dos seus figurinos. Infelizmente, tal como muitos filmes de Figgis, o projeto é pouco conhecido e tem vindo a ser esquecido com o passar dos anos. O mesmo se pode dizer da terceira colaboração entre o realizador e Powell, “Realidade Suspensa” de 2012.




“O FIM DA AVENTURA” COM NEIL JORDAN

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Até no horror da guerra, Sandy Powell consegue acrescentar seus toques de glamour colorido.

Para a colaboração entre Sandy Powell e o realizador Neil Jordan, “O Fim da Aventura” foi também o fim das suas parecerias cinematográficas. O filme é uma adaptação de um romance de Graham Greene pela qual Julianne Moore veio a conquistar a sua primeira nomeação para o Óscar de Melhor Atriz Principal em 2000. É também um drama romântico cheio de erotismo e tragédia que se desenrola tanto no pós-guerra como nos escombros fumegantes de uma Londres sob ataque.

Na filmografia de Sandy Powell, esta é uma das propostas mais comedidas, mas isso em nada significa que o estilo pessoal da figurinista não está presente. Seu uso de cor é bem visível nas indumentárias de Julianne Moore que, nas cenas mais marcantes durante os bombardeamentos sobre Londres, veste pormenores vermelhos que quase a fazem brilhar no caos acinzentado de uma cidade em ruínas. Até nas paisagens enevoadas do período de rescaldo do conflito, que Jordan filma cheias de luz teatral, Moore destaca-se em casacos com silhuetas fortes e véus dramáticos que lhe emolduram a face e sugerem o mistério de uma femme fatalle muito fora do vulgar.

Segundo entrevistas, este projeto representou um curioso desafio para a figurinista, há que se dizer. Tantas são as cenas de sexo do filme que Powell teve de dedicar a maioria do seu tempo de pesquisa a encontrar roupa interior adequada à época. No final, lá conseguiu encontrar o balanço entre sensualidade moderna e facto histórico, entre teatralidade do melodrama de guerra e o realismo de uma tragédia humana dolorosa.




O MELODRAMA COLORIDO DE “LONGE DO PARAÍSO”

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LONGE DO PARAÍSO é um festim de cor e melodrama.

Logo a seguir a “O Fim da Aventura”, Sandy Powell voltou a trabalhar com Julianne Moore. Desta vez, contudo, ao invés de um drama romântico a transbordar culpa católica e a miséria do tempo de guerra, o projeto envolveria uma pastiche apaixonada dos melodramas de Douglas Sirk dos anos 50. Estamos a falar de “Longe do Paraíso”, onde Todd Haynes brincou com a renovação de estilos do passado cinematográfico e tentou examinar o poder subversivo do melodrama de Sirk, explorando temas que teriam sido tabu em 1955 como homossexualidade reprimida e o flagelo do racismo.

Parte desta abordagem meio arqueológica envolveu uma reprodução cuidada do aspeto desses filmes, especialmente sua fotografia colorida. Os figurinos são uma parte essencial deste jogo cromático, sendo que Sandy Powell teve não só de emular o tipo de figurino visto nos filmes de Douglas Sirk como construir um discurso de cores adequado à visão do seu realizador. Veja-se, por exemplo, a cena outonal em que Julianne Moore e as amigas estão no jardim e suas roupas copiam os tons de vermelho, amarelo e laranja da paisagem. A única exceção é o lenço azul que quase brilha no pescoço de Moore e acaba por se assumir como um elemento central da sequência, voando pelo arvoredo, uma pincelada celeste numa pintura de folhas amarelecidas.

Para além disso, como queria imitar o tipo de fausto das grandes produções de outrora, Powell decidiu criar todas as peças e proibir o uso de roupas vintage. Tudo tinha de parecer novo e impecável, mesmo quando as condições sociais das personagens sugerissem o contrário. Além do mais, como Julianne Moore estava grávida durante as gravações, coube a Powell construir indumentárias capazes de esconder a transformação física da atriz.

É um crime que tais esforços não tenham valido à figurinista uma nomeação para o Óscar. Convém referir, contudo, que este não foi o único guarda-roupa extraordinário que a figurinista trouxe aos cinemas em 2002.




SCORSESE E “GANGUES DE NOVA IORQUE”

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GANGUES DE NOVA IORQUE marcou o início da colaboração entre Sandy Powell e Martin Scorsese.

No mesmo ano em que Sandy Powell se afirmava como a suprassumo colaboradora de Todd Haynes com “Longe do Paraíso”, chegou aos cinemas o seu primeiro trabalho com o outro realizador que viria definir a fase mais áurea da sua carreira. O filme foi “Gangues de Nova Iorque” e o realizador foi o lendário Martin Scorsese, que entrou em contacto com Powell logo a seguir à vitória do Óscar em 1999. Trata-se de um realizador perfeccionista, que, como Todd Haynes, é um entendedor do papel do figurino no edifício cinematográfico. Segundo a figurinista, até com figurantes, ele gosta de examinar as roupas, de tocar e sentir os tecidos.

Martin Scorsese queria filmar este épico como uma grande produção da Era Dourada de Hollywood. Para conseguir isso, ele moveu as filmagens para Roma, onde Dante Ferretti construiu cenários monumentais na Cinecittá. Powell, pela sua parte, teve de dedicar mais de um ano ao projeto e acabou por construir mais de um milhar de figurinos de raiz. Tal foi a grandiosidade desse desafio, que Powell ainda hoje aponta para “Gangues de Nova Iorque” como um dos filmes dos quais mais se orgulha.

Uma das escolhas mais contraintuitivas e simplesmente geniais na carreira de Powell foi o modo como a figurinista não deixou que a brutalidade sanguinária deste argumento ditasse um estilo sombrio. Pelo contrário, as roupas de “Gangues de Nova Iorque” vibram com cores berrantes, padrões ruidosos, têxteis vistosos e uma riqueza em detalhe que torna mesmo o mais psicopático dos gangsters num dandy pomposo. Para Powell, isso fazia sentido, pois existe uma qualidade ameaçadora num assassino que se preocupa com o seu aspeto, como que refletindo uma arrogância e desejo de projetar poder que só salientam a malignidade de caráter.

Como sempre, Powell estava correta e as suas escolhas idiossincráticas resultaram num guarda-roupa épico que lhe valeu mais uma nomeação para o Óscar. Apesar disso, a figurinista perdeu contra Colleen Atwood por “Chicago”.




“O AVIADOR”: ÓSCAR Nº 2

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Segundo Óscar!!

Devido à experiência de “Gangues de Nova Iorque”, Martin Scorsese ficou rendido aos talentos da figurinista inglesa e desde então raramente trabalha sem ela. Seu projeto subsequente a esse épico nova-iorquino bem necessitou dos talentos de Sandy Powell, sendo uma das produções mais estilisticamente robustas na filmografia do veterano da sétima arte. “O Aviador” não é somente uma biografia de Howard Hughes. Mais do que isso, o filme é uma carta de amor de Scorsese à Era Doirada de Hollywood, seus filmes e suas estrelas glamourosas como Jean Harlow, Katharine Hepburn e Ava Gardner, todas as quais são personagens dentro da narrativa.

Apesar deste tema e das personagens em cena, Powell não copiou nada de fotografias ou gravações da época. Seu trabalho aqui é de um rigor histórico indiscutível, mas a referência factual foi somente inspiração e foi o guião, suas tonalidades emocionais e demandas dramáticas que, no fim, mais ditou o desenho das roupas. Isso e as loucuras fotográficas que Martin Scorsese decidiu experimentar neste projeto, é claro.

Como já havia feito em “Longe do Paraíso”, Sandy Powell desenhou figurinos para trabalharem em conjunto com uma fotografia em imitação de estilos antigos de Hollywood. Na primeira metade de “O Aviador”, Scorsese e o diretor de fotografia Robert Richardson filmaram tudo nos tons de preto, branco, verde e vermelho que caracterizavam os primeiros processos de Technicolor dos anos 20 e 30. Com o advento dos filmes em cores vibrantes mais tecnologicamente avançados de 1937 para a frente, todo o visual do filme muda, imitando os excessos cromáticos do cinema da época. Powell tudo isso considera e negoceia, construindo um guarda-roupa tecnicamente impecável, historicamente preciso e cheio de glamour.

Seus esforços compensaram e não só o filme é deslumbrante, como Sandy Powell ganhou com ele seu segundo Óscar.




AS FOLIAS E MARAVILHAS DE “MRS. HENDERSON”

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O fausto colorido e ridículo da revista em tempo de guerra.

Acabada de ganhar um Óscar por “O Aviador”, Sandy Powell estava já pronta a estrear mais um filme de época destinado a garantir-lhe uma nomeação. “Mrs. Henderson” de Stephen Frears conta a história verídica de como uma milionária britânica renovou um teatro londrino e, durante os anos da 2ª Guerra Mundial, entreteve milhares de pessoas com espetáculos de revista musical com nudez incluída. Judi Dench interpreta a figura titular e o filme é mais uma joia estilística na carreira da sua figurinista.

Como sempre, Powell é excelente a representar épocas de transição social e estilística. Aqui, ela delineia a transição dos anos 30 para a austeridade da guerra em Inglaterra, prestando atenção às diferenças de classe e gosto das personagens. Note-se como, apesar de serem muito menos abastadas, as humildes estrelas do espetáculo vestem roupas muito mais atuais que a personagem titular, cujo estilo imperioso com alguns toques de moda Eduardiana mostra a sua idade assim como os círculos conservadores que frequenta.

O mais impressionante, contudo, nem é esse retrato histórico e social. De facto, grande parte do que garantiu a Powell a sua muita merecida nomeação por este projeto foram as muitas sequências musicais passadas no palco do teatro da Sra. Henderson. Desde paródias com ares mexicanos a paradas de glamour em fato de banho e joias falsas, este filme é um incessante desfile de divertidos jogos de moda e erotismo retro. Isso e muitas, muitas plumas e missangas.

Powell foi nomeada para o Óscar em 2006, mas perdeu contra Colleen Atwood por “Memórias de Uma Gueixa”.




“THE DEPARTED”: O DESAFIO DA CONTEMPORANEIDADE

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Mesmo fora do cinema de época, Sandy Powell continua a ser um génio.

Ao longo da sua invejável carreira, Sandy Powell tem-se vindo a especializar em cinema de época e fantasia. Raro é o seu projeto vestido em indumentária contemporânea, mas isso não significa que a figurinista é incapaz de ver valor ou de trabalhar em tais registos. De facto, Powell considera que trabalhar em narrativas contemporâneas é bastante difícil, pois há muito maior diálogo com as expetativas, conhecimento e opinião do espetador comum. Até com realizadores e produtores é mais relativamente fácil trabalhar em cinema de época pois, não tendo essas entidades o mesmo conhecimento que a figurinista, Powell acaba por ter mais liberdade criativa sem ter de prestar contas a ninguém.

Nos últimos quinze anos, a única narrativa contemporânea de relevo que Powell vestiu foi “The Departed – Entre Inimigos”, o filme que finalmente valeu a Martin Scorsese o muito merecido Óscar para Melhor Realizador. A narrativa criminal desdobra-se em camadas de dissimulação à medida que gangsters e polícia de Boston tentam dominar seu reino urbano. Para destacar somente as figuras centrais num filme caracterizado por inúmeras cenas de multidões e esquadras a rebentar pelas costuras, Powell concebeu uma paleta cromática dominada por tons neutros e somente em alguns casos deu uso ao seu talento para trabalhar com padrões e cores vibrantes.

As roupas de Jack Nicholson, por exemplo, estão sempre num diálogo de antagonismo cromático com os seus parceiros de cena, enquanto Vera Farmiga destaca-se em fatos às riscas e cortes de linhas severas num universo dominado por homens em camisas e calças demasiado grandes e desleixadas. Este pode não ser o guarda-roupa mais extravagante de Sandy Powell, mas é um dos seus trabalhos mais subtis, onde personagens são diferenciadas e caracterizadas por algo tão pequeno como o tipo de calças de ganga que usam ou a qualidade da gola de uma camisa.




“DUAS IRMÃS, UM REI” E UMA FIGURINISTA EM CRISE

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Até génios cometem erros.

Como já deve ser óbvio, Sandy Powell é uma das melhores figurinistas de cinema da atualidade. Vamos mais longe ainda e arriscamos afirmar que ela é das grandes figurinistas da História do Cinema. Contudo, até os mestres cometem erros e vacilam. Tal é o caso de “Duas Irmãs, Um Rei”, um filme que merece lugar de destaque na filmografia de Sandy Powell, mas não pelas melhores razões.

Adaptado de um romance histórico muito pouco historicamente correto, o filme conta a história de Ana e Maria Bolena e suas relações românticas com Henrique VIII, desde o dia em que as irmãs, primeiro se cruzaram com o monarca até à execução de Ana, então rainha regente de Inglaterra, por ordem do marido. O projeto veio coincidir com uma repentina procura por ficção sobre esta época histórica, sendo que foi filmado ao mesmo tempo que as primeiras temporadas de “The Tudors”, cujo figurinista arrendou todas as roupas da época disponíveis na Grã-Bretanha. Uma consequência disso foi que Sandy Powell não teve acesso nenhum a roupas pré-existentes e que teve de construir todo o guarda-roupa, até a indumentária dos figurantes. Seu orçamento não era grande, mas Powell lá se desenvencilhou. De facto, o seu engenho é impressionante, pois os figurinos quase não denotam qualquer falta de orçamento. Os problemas devêm de escolhas de desenho criativo.

De forma geral, a silhueta dos figurinos segue o facto histórico, mas existem exceções extremamente estranhas. Numa cena, as irmãs vestem robes orientais, noutra aparecem trajadas em roupas germânicas, por exemplo. Além disso, o gosto por têxteis ostentosos e discursos cromáticos cheios de drama e pujança acabou por ser um tiro na culatra para Powell. Sua decisão de vestir Ana e Maria em tons frios e quentes respetivamente, mas em cortes quase idênticos, pode ser uma ideia atraente, mas resulta em figurinos demasiado esquemáticos que violam a credibilidade do drama humano. Tudo isto dá muita pena, pois raro é o filme que tenta usar as silhuetas desta época e Powell chegou mesmo a lutar com os produtores para poder usar toucados rigorosos que, para a figurinista, servem de belíssima moldura para a cara dos atores. As indumentárias masculinas também são extraordinárias, sendo que a mediocridade deste esforço reside na generalidade do guarda-roupa e não nas peças individuais. Escusado será dizer que Powell não recebeu nenhuma nomeação de relevo por este projeto.




“A JOVEM VITÓRIA”: MAIS UM ÓSCAR…

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Terceiro Óscar!!!

Depois da mediocridade de “Duas Irmãs, Um Rei”, Sandy Powell regressou à sua glória usual com “A Jovem Vitória”, mais um drama histórico focado num monarca inglês. Desta vez, o foco está na Rainha Vitória, mas não na imagem convencional que se associa a essa figura, a de uma mulher envelhecida e vestida no aparato da viuvez oitocentista. Nesta obra, é explorada a vida de Vitória aquando da sua ascensão ao trono e início da relação com o amado Príncipe Alberto.

O papel titular pertence a Emily Blunt e a trama vai desde 1837 a 1840. Essas datas são importantes pois, como conhecedores da moda do século XIX saberão, trata-se de um período de estilos estranhos e silhuetas meio grotescas, com cinturas subidas, saias cónicas, mangas insufladas e ombros descaídos. Tornar tal estética apelativa a uma audiência de gostos modernos é algo de miraculoso e, felizmente para todos os cineastas envolvidos, Sandy Powell é uma figurinista milagreira. Nas suas mãos, os estilos mais peculiares do século XIX ganham nova vida em têxteis modernos e cores que deleitam o olhar.

O que é interessante é o modo como Powell pouco sacrifica do facto histórico, pelo menos ao nível de silhueta e corte. Seu balanço entre factualidade e artifício cinematográfico é perfeita. Além disso, ela não descura o papel dramatúrgico dos figurinos e delineia o arco dramático das personagens através das suas escolhas de vestuário. Vitória, por exemplo, começa por viver sob o controlo tirânico da mãe e veste estilos e cores forçosamente infantis antes de ganhar independência com a coroa, uma transformação manifesta em cores mais sóbrias e proporções levemente alteradas para sugerirem a figura de uma poderosa mulher adulta e não de uma menina indefesa.

Sandy Powell ganhou o seu terceiro Óscar por “A Jovem Vitória”. Apesar da honra, esta lenda viva entre figurinistas fez questão de salientar quão injusto é que prémios como os Óscares apenas reconheçam a qualidade de figurinos de época em detrimento de outras abordagens mais modestas, mas não por isso menos desafiadoras ou artísticas. Enfim, não podemos dizer que ela esteja errada.




AS LOUCURAS SHAKESPEREANAS DE JULIE TAYMOR

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Shakespeare com fechos e muito cabedal.

Sandy Powell ganhou o seu primeiro Óscar por uma comédia baseada na vida e obra de William Shakespeare e, doze anos depois, viria a ser nomeada para o mesmo prémio por mais uma aventura pelo cânone do maior dramaturgo da língua inglesa. “A Tempestade” foi a última peça escrita por Shakespeare e, nas mãos da realizadora e encenadora Julie Taymor, torna-se numa adaptação estrambólica cheia de peculiares afetações estilísticas e uma ambição por novidade que muito excede a real qualidade do filme na sua forma final.

Apesar de tal avaliação negativa do projeto, admitimos que existem algumas mais-valias no meio do miasma de más escolhas. Ben Wishaw, por exemplo, oferece uma performance fascinante como Ariel e os figurinos de Sandy Powell conjuram uma visão de intrigas primordiais que muito transcendem as especificidades históricas, culturais e geográficas da peça. É certo que a figurinista pisca o olho às origens do texto, mas fá-lo sob a forma de silhuetas isabelinas construídas a partir de fechos e cabedal, de vinil e espartilhos feitos quadros de iconografia renascentista pintada sobre o corpo dos atores.

Mais do que qualquer outro dos filmes de Sandy Powell, “A Tempestade” parece um desfile de moda com uma narrativa agrafada à força no seu espetáculo de têxteis em movimento e corpos adaptados às exigências esculturais da indumentária. Ocasionalmente, tal fausto também se torna num problema para o drama, ofuscando os próprios intérpretes que pouco podem fazer para competir com criações tão estonteantes como uma capa de estilhaços de plástico que parecem ser lava transfigurada em roupa. Enfim, não é um equilíbrio perfeito, mas não podemos deixar de nos espantar com a criatividade e rigor técnico desta figurinista que parece estar sempre a tentar superar-se a si mesma.

Este esforço mereceu uma indicação para o Óscar, mas foi Colleen Atwood que ganhou por “Alice no País das Maravilhas”.




“A INVENÇÃO DE HUGO” E A IMAGINAÇÃO DE SCORSESE

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A INVENÇÃO DE HUGO é uma carta de amor à magia do cinema.

Depois de “The Departed”, Powell e Scorsese trabalharam juntos também em “Shutter Island”, mas esse é um trabalho menor na filmografia de ambos. Os dois cineastas voltaram a unir esforços logo a seguir numa proposta infinitamente mais interessante. “A Invenção de Hugo” é uma adaptação do livro para crianças de Brian Selznick que Martin Scorsese reinventou como uma apaixonada homenagem ao cinema de George Meliés e à inovação tecnológica no contexto da sétima arte. Em 3D e com uma paleta cromática de laranjas áureos e azuis brilhantes, este é, sem dúvida, um dos filmes mais visualmente extravagantes do cineasta americano.

Pela sua parte, Sandy Powell vestiu o filme com o olho de uma ilustradora de livros infantis. A maior parte das personagens só tem um figurino, cujas linhas, texturas e cores as destacam, mesmo no meio das multidões parisienses inerentes a esta narrativa. Para Hugo, por exemplo, Powell recorreu às riscas e padrões para dinamizar seu visual, ao mesmo tempo que escolheu cortes que demonstram como o órfão tem crescido para além das roupas que nunca troca. Num espectro oposto de realismo indumentário, o inspetor da estação veste um uniforme azul que Powell deliberadamente desenhou para ser como um farol de cor na imagem ruidosa do filme. Não se trata de nenhuma reprodução histórica, mas sim da lógica de uma ilustração.

Tanto para Scorsese como para Powell, “A Invenção de Hugo” foi um dos projetos mais divertidos da sua carreira. Por exemplo, sendo ela uma cinéfila, pesquisar os filmes de Meliés foi um prazer, especialmente quando o seu objetivo era tentar adivinhar a realidade material dos seus mirabolantes figurinos e fantasias. Durante as filmagens das sequências passadas nos estúdios desse pai do cinema fantástico, Powell e sua equipa chegaram mesmo a construir figurinos para si mesmos e foram figurantes em frente à câmara de Scorsese.

Sandy Powell foi nomeada para o Óscar por este filme, mas perdeu para Mark Bridges por “O Artista”.




A OSTENTAÇÃO OBSCENA DE “O LOBO DE WALL STREET”

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Luxo despido de gosto e elegância.

Apesar de se passar nos anos 80 e 90, uma época que muitas pessoas achariam semelhante à nossa em termos de moda, “O Lobo de Wall Street” foi encarado pelos seus criadores como um filme de época. Sandy Powell certamente abordou o projeto do mesmo modo que faria para uma requintada biografia de monarcas ingleses. Uma grande diferença, contudo, foi como a figurinista teve oportunidade de usar peças ainda existentes da época e contactar as mesmas casas que construíram as roupas das personagens verídicas. Grande parte dos fatos que Leonardo DiCaprio enverga como o ganancioso Jordan Belfort, por exemplo, foram feitos pelos alfaiates da Armani sob a orientação de Powell.

Mas, convém dizer, construir este guarda-roupa não foi somente um exercício em arqueologia estilística, sendo que o figurino é sempre um elemento dramatúrgico quando presente num filme narrativo como este. Veja-se como Powell veste a personagem de Leonardo DiCaprio para evidenciar como ele se vai tornando cada vez mais rico ao longo das décadas de 80 e 90 e, refletindo suas ambições e aspirações sociais, gasta obscenas quantidades de dinheiro na sua aparência. Não se trata de uma procura de sofisticação, mas sim de pura ostentação sem gosto ou elegância.

Para Powell, um dos maiores desafios do filme foi diferenciar as personagens masculinas, cuja profissão exigia que estivessem quase sempre vestidos com fatos de corte semelhante. Foi nas escolhas de tecido das gravatas e detalhes mais ínfimos de alfaiataria que a figurinista encontrou a chave para dar a cada figura seu individualismo. Veja-se, por exemplo, como Matthew McConaughey se destaca nas cenas em que aparece com uma gravata vermelha e um casaco forrado com cetim na mesma tonalidade fogosa. Martin Scorsese, que adora moda e a arte dos figurinos, divertiu-se bastante com estas escolhas e passou imenso tempo com Powell a escolher gravatas, mesmo já no plateau durante as filmagens.




A MAGIA DISNEY DE “CINDERELA”

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Um sonho da Disney tornado realidade material.

Apesar de não ter interesse em desenhar figurinos para blockbusters de super-heróis, Sandy Powell não é alérgica a projetos com grandes orçamentos. Aliás, um dos seus mais famosos trabalhos para o público geral é o remake com atores de carne e osso que a Disney fez de “Cinderela”. Realizado por Kenneth Brannagh, este é o melhor de todos esses remakes de clássicos de animação com que a Disney insiste em inundar o mercado.

Parte da sua qualidade devém das suas imagens deslumbrantes que, ao contrário dos outros remakes, tenta oferecer uma perspetiva nova ao invés de copiar o filme antigo. Pela sua parte, Sandy Powell presta homenagem à animação dos anos 40 e 50, mas de um modo bastante original e inesperado. Para a madrasta malvada, por exemplo, a figurinista decidiu criar uma coleção de figurinos todos com a mesma silhueta inspirada por filmes de época dos anos 40 e o estilo icónico de Joan Crawford. Assim, Cate Blanchett ganha a aparência de uma personagem desenhada, cujas mudanças de vestuário são somente uma variação de pintura sobre o mesmo modelo base.

No entanto, o figurino mais icónico do filme é o espetacular vestido azul usado pela personagem titular no grande baile. Trata-se de uma obra-prima da Tirelli Costumi, feita de metros e metros de vários tipos de têxteis em várias cores que, quando sobrepostas, forma um azul incandescente. Mesmo no meio de todo o fausto do baile real, no meio dos muitos vestidos em padrões e cores berrantes, a simplicidade elegante da indumentária azul destaca-se e chama o olho do espectador. Powell recebeu uma nomeação para o Óscar pelo seu fantástico trabalho, mas essa não foi a única nomeação que a figurinista recebeu em 2016…




A PAIXÃO DE “CAROL”

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CAROL é um dos melhores filmes em que Sandy Powell já trabalhou e devia ter-lhe ganho mais um Óscar.

Como viria a acontecer também com “Wonderstruck”, foi Sandy Powell quem trouxe o projeto de “Carol” à atenção de Todd Haynes. Elizabeth Karlsen, uma das produtoras do filme, é amiga antiga de Powell e quando esta mencionou que estava a trabalhar numa adaptação do livro de Patricia Highsmith com Cate Blanchett no papel principal, a figurinista pensou logo em Haynes. De facto, a união de projeto, realizador e figurinista foi um milagre cinematográfico que deu origem ao mais belo romance a agraciar o grande ecrã nos últimos dez anos ou mais.

Contando a história de amor entre duas mulheres em 1952, uma delas abastada e em processo de divórcio, a outra mais nova, pobre e com olho de artista, “Carol” é um filme definido por detalhe histórico, sensorial e social. Tudo isso é definido pelos figurinos em harmonia com todos os outros departamentos do filme, especialmente a fotografia granulosa de Ed Lachman, com suas paisagens de cores esbatidas a serem chocadas pela intensidade de lábios escarlates ou uma manicura vermelha. Ver o filme é cair num feitiço dos sentidos criado pelos tecidos texturados que Powell emprega, é imaginar a sensualidade de pelo luxuoso sobre pele sedosa, é apreciar como uma carteira cara diz muito sobre uma mulher ou como um robe axadrezado pode ser a peça de roupa mais erótica imaginável.

Longe de cair nas suas estilizações históricas do costume, Sandy Powell manteve-se fiel e rigorosa à realidade factual para este projeto, chegando mesmo a delinear o modo como a moda regente estaria a evoluir dependendo da pessoa, sua capacidade financeira e classe. Carol, por exemplo, veste estilos severos saídos das capas da Vogue, enquanto sua amada ou veste roupas mais démodé ainda a refletir a estética do pós-guerra ou então opta por estilos mais juvenis quando tem dinheiro para gastar.

Powell jamais foi mais subtil ou precisa nas suas criações e “Carol” assume-se assim como uma das joias da coroa numa carreira invejável. Em 2016, a figurinista foi indicada ao Óscar por este filme e por “Cinderela”, acabando por perder o prémio para Jenny Beavan pelas suas invenções pós-apocalípticas em “Mad Max: Estrada da Fúria”.




“WONDERTSRUCK”: A AVENTURA COM TODD HAYNES CONTINUA…

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Uma fantasia infantil vestida com requinte.

Wonderstruck – O Museu das Maravilhas” representa uma série de estreias na carreira de Sandy Powell. Pela primeira vez, a figurinista fez também de produtora e , além disso, devido à natureza bipartida da história que se divide entre Nova Iorque dos anos 20 e da década de 70, Powell teve de desenhar figurinos para serem filmados em monocroma. O realizador Todd Haynes decidiu filmar a secção mais antiga do argumento ao estilo do cinema mudo, sem diálogo e sem cor. Para Powell, cujo estilo pessoal é definido, em parte, pelo uso dramático de combinações cromáticas, a limitação do preto-e-branco foi algo difícil de superar.

Obrigada a trabalhar sem uma das suas ferramentas principais, a figurinista virou-se para a qualidade dos materiais, suas texturas e o potencial visual dos padrões em gradações de cinzento. Todo o processo foi feito de aprendizagem e experimentação, assim como muitos erros, mas no fim tudo se compôs. Aliás, uma das peças mais fascinantes do guarda-roupa encontra-se na metade acinzentada da história. Trata-se de um vestido usado por uma personagem atriz numa peça de teatro setecentista. Ver a moda do século XVIII filtrada primeiro pelos paradigmas estilísticos de 1927 e depois pela estética pessoal de Powell é uma delícia para os olhos.

Convém lembrar, como é evidente, que nem todo o filme é a preto-e-branco. A metade da história que se passa nas ruas nova-iorquinas de 1977 foi filmada com uma paleta de laranjas e ocres e, ao invés da idealização cinematográfica dos figurinos dos anos 20, Powell e companhia procuraram uma visão mais realista para esta secção. Baseando-se principalmente em fotografias da época, a figurinista construiu um fabuloso guarda-roupa que brilha principalmente nas indumentárias dos figurantes que definem todo o ambiente urbano como um jardim de subculturas a florescer num mundo sujo e hostil.




“COMO FALAR COM RAPARIGAS EM FESTAS”: VINIL, BORRACHA E ALIENS

melhores figurinos 2018 como falar com raparigas em festas sandy powell
Aliens e Punks, a combinação perfeita.

Tal como tínhamos dito no nosso artigo sobre os melhores guarda-roupas cinematográficos de 2018:

Vestir uma raça alien separada em castas e com uma cultura apoiada em filicídio canibal, desenhar uma visão realista da colisão entre os subúrbios conservadores da Grã-Bretanha dos anos 70 e adolescentes rebeldes, conceber a indumentária de uma rainha punk com aspirações a diva da moda – tudo isto poderia ser um desafio insuperável para muitos figurinistas. Para a inigualável Sandy Powell, contudo, isso é só uma brincadeira de miúdos, uma distração para se divertir com designs malucos e estéticas alucinantes. Quando vemos ‘Como Falar Com Raparigas Em Festas‘ quase sentimos o júbilo da figurinista.

Tomando inspiração na sua própria adolescência e suas indulgências nos movimentos punk e glam rock, Powell ressuscitou uma época perdida na cultura pop britânica e fê-lo com tanta autenticidade como estilo. Se as roupas do protagonista adolescente transmitem uma ideia de marginalização realista, Nicole Kidman afirma-se como o epíteto mais operático da estética, estando coberta com explosões de fechos, blazers mutilados e golas esculpidas em alfinetes de ama.

Com isso dito, as verdadeiras estrelas estilísticas desta adaptação de uma obra de Neil Gaiman são a raça alien que visita Croydon em 1977. Sua separação em cores consoante a colónia a que pertencem foi um elemento tirado do trabalho original de Gaiman, mas Powell muito acrescentou a isso, indo buscar inspiração tanto à alta-costura, à performance art, ao bondage como ao circo. O resultado é algo brilhantemente desumano e divertido, cheio de detalhes fetichistas e toques de humor perverso. Neste filme, Kidman pode ser a rainha do rock, mas Powell é que se afirma mais uma vez como rainha dos figurinistas de cinema. Avé Sandy Powell! Longo seja o seu reinado.




DE REGRESSO À DISNEY COM “MARY POPPINS”

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Sandy Powell regressa com estilo ao universo Disney.

O Regresso de Mary Poppins” foi, para muitos, um delicioso exercício em nostalgia cinematográfica. Também foi assim para Sandy Powell que regressou à fartura dos estúdios Disney para desenhar as roupas para a sequela ao filme que, segundo ela mesma, foi o primeiro que viu em cinemas quando ainda era menina. Nesta história nova, Poppins volta a ajudar a família Banks, anos depois da narrativa original. Michael é agora adulto e com filhos que estão prestes a perder a casa se não for encontrada uma solução.

Parte do desafio foi transpor todas essas personagens clássicas do período Eduardiano para 1934. Contudo, mais difícil ainda foi a tarefa de destilar a essência iconográfica de Mary Poppins de modo a construir uma nova visão da personagem que, apesar de distinta, tivesse o mesmo sabor estilístico que a encarnação de Julie Andrews. Para Powell, a chave foi encontrar uma silhueta forte, sendo que é isso que a audiência regista logo acerca de Poppins, à distância, quando ela aparece por entre as nuvens cinzentas do céu londrino. Powell criou assim uma paleta cromática de azuis e vermelhos intensos, padrões sobrepostos e uma casaca severa com capas a cobrir os ombros e uma cintura acentuada. O toque final foi um chapéu decorado com a imagem de um pássaro a referenciar aquele com que Julie Andrews cantou em 1964.

Com isso dito, os figurinos mais excecionais do filme são aqueles que Sandy Powell desenhou para as sequências que juntam os atores a animação 2D. Em nome da coerência visual, a figurinista concebeu um estilo híbrido entre modas vitorianas e a bidimensionalidade da animação. Os folhos de uma saia e os botões de um colete, por exemplo, são uma pintura contornada a preto feita sobre tecido. Só mesmo alguém tão genial como Sandy Powell conseguiria homenagear um clássico imortal e superar a sua qualidade.

Por tudo isto, a figurinista foi nomeada para o Óscar. Contudo, não foi a sua única nomeação deste ano.




“A FAVORITA”: O SÉCULO XVIII VESTIDO COM GANGA E VINIL

oscares 2019 sandy powell a favorita
Quarto Óscar????

Se, por um lado, “Mary Poppins Regressa” representa todo o fausto que uma megaprodução da Disney tem para oferecer, “A Favorita” de Yorgos Lanthimos é um filme cujos figurinos foram definidos pela falta de recursos. Por isso mesmo, Sandy Powell foi forçada a conceber um estilo radical que sugere as silhuetas rigorosas do início do século XVII na corte da Rinha Anne, mas é construído a partir de técnicas e materiais completamente anacrónicos, como vinil cortado a laser e calças de ganga desconstruídas.

Tais mecanismos e estilizações não são gratuitos, entenda-se. A ganga, tradicionalmente um tecido associado a uma classe trabalhadora, é usada para vestir os servos e a paleta cromática dominada pelo preto-e-branco serve para salientar a severidade da luta de poder das três protagonistas, qual jogo de xadrez. Em contraste, os homens vestem cores e estilos mais pomposos, ilustrando sua presença fútil e ineficaz na narrativa, ao mesmo tempo que a cor dos seus coletes é uma pista que a audiência pode seguir para saber suas relações partidárias no governo da Rainha.

Mais de três décadas depois de ter feito o seu primeiro filme, Sandy Powell continua a experimentar e inovar. “A Favorita” é um filme de época sem comparação e seus figurinos são parte da sua excelência. De facto, é quase possível entender a narrativa somente pelos figurinos, sem diálogo, tal é a claridade e complexidade do discurso dramatúrgico que Powell constrói com trajes. Emma Stone, por exemplo, pode esconder o oportunismo da sua personagem, mas o modo como os vestidos vão ficando mais elaborados, desprovidos de azul e contaminados por riscas ostentosas, demonstra toda a sua ambição em termos visuais.

Por este filme, Sandy Powell conquistou a sua 14ª nomeação e talvez até venha a ganhar.

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Qual é o teu filme preferido na filmografia de Sandy Powell? Além disso, pensas que ela merece ganhar o seu quarto Óscar este ano? Deixa a tua resposta nos comentários.

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