Tom & Roland catch up & pray. (Warrick Page/HBO)

Nenhuma série se aproxima da escrita do Nic | Entrevista a Stephen Dorff

Stephen Dorff, o popular e carismático ator, mais conhecido recentemente pelo seu papel na muito esperada  série True Detective da HBO,  falou à MHD sobre da sua vida como ator, bem como da rodagem e primeiras reações a esta terceira temporada da série.

Numa mesa redonda para a qual a MHD foi convidada, aquando do lançamento do HBO PortugalStephen Dorff, respondeu a várias perguntas sobre o seu papel na série True Detective, duma forma descontraída, franca e apaixonada pela sua arte.

É a primeira vez em Portugal?

Sim, é a primeira vez. […] É incrível. A Europa é assim? Há três semanas estive cá, em Paris, em Londres, e foi terrível.

“True Detective” é uma série especial porque cada temporada tem uma nova narrativa. Quando começou a terceira temporada, olhou para as temporadas passadas e tentou inspirar-se nelas ou foi como uma página completamente branca?

Eu sou um grande fã da série, por isso, vi as temporadas completas. É a melhor coisa que vi na televisão desde os “Sopranos”. Sou fã de drama, sobre pessoas, histórias mais realistas, sou menos fã de coisas com muitos efeitos, tipo de terror, já fiz muito disso. Durante a segunda temporada estava em filmagens e não mergulhei muito nela mas todos dizem que é a pior. Claro, é uma grande pressão para todos, é algo importante para a HBO – regressar com esta temporada e fazê-la bem, com grandes atores, um grande guião. Nós só temos de ir e contar a nossa história e foi isso que fizemos. Mas eu não queria ter visto a primeira e a segunda temporada, eu queria chegar fresco mas é isto que temos.

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Como conseguiu o papel?

Ameacei matar o Nic (Nic Pizzolatto). Não. Foi numa altura em que estava muito infeliz. Perdi o meu irmão mais velho e estava de luto, estava chateado, não queria representar. Estava num sítio terrível e do nada recebo uma chamada a dizer que o Nic tinha pensado em mim para o papel e mostraram-me duas cenas. A cena de abertura em que estou a disparar contra ratos – é uma boa cena de abertura. Estamos numa noite tranquila onde nada acontece e depois recebemos uma chamada, como na vida real, e as nossas vidas mudam. Lemos essa cena e outra de uma discussão no carro, do episódios 2.

O Nic ligou-me um dia depois. Eu sabia que havia algo de especial no papel. Eles ainda não me tinham enviado os guiões, eles não enviavam os guiões aos atores até terem fechado contrato com eles. Sabe, normalmente enviam algo aos agentes e os agentes enviam ao atores tipo “olha, tenho aqui um grande papel para ti”. O Nic não queria isso. Depois de ficar com o papel perguntei se podia ler, para saber o que estava a fazer, e eles começaram a enviar os guiões e eu fiquei wow. A história ficava cada vez melhor, a personagem tinha lugar para crescer.

Pensei, bem este não vai ser somente o meu trabalho mais longo mas poderá ser o meu melhor. As cenas boas não paravam de vir. Eu e o Mahershala Ali fazíamos uma muito boa mas no dia seguinte tínhamos mais para filmar, e depois no dia seguinte. Sabe, num filme temos duas ou três cenas assim e é isso. Talvez uma cena no início, depois um bocadinho de drama no segundo ato, e uma cena emocional no final. Temos o tipo bom e o tipo mau, só temos tempo para fazer isso. O guião costuma ter cem páginas e nesta série tenho quinze dessas cenas, é incrível.

É uma altura especial para mim porque acho que o papel ajudou-me. Fazê-lo teria feito o meu irmão feliz e colocou-me num lugar positivo, ao pé destes artistas que estão no topo, com uma equipa que me apoia. Era o que precisava. Não precisava de ficar em minha casa sentado, a chorar e a beber até morrer. Precisava de estar ao pé de boa gente, de trabalhar, e é o que meu irmão gostaria que eu fizesse. Veio na altura certa.

Tanto eu como o meu pai (Steve Dorff) tivemos oportunidades únicas em alturas complicadas. Ele conseguiu uma estrela no Hall of Fame [dos compositores de Nashville] no mesmo dia em que fui escolhido para o “True Detective“. Tenho a certeza de que o meu irmão, ou Deus, tem alguma coisa a ver com esta energia, é estranho. Era o sonho do meu pai estar naquele Hall of Fame. Ele não é famoso mas é um grande compositor. Foi um bom momento. Falei com os produtores, precisava de uns dias livres, era o meu único pedido. Tinha de lá estar com o meu pai. Fui a Nova Iorque e foi de loucos. Nem tinha dormido porque tinha filmado a noite toda com o Mahershala. Vesti um fato e fui para o evento, e tinha de discursar! Era muito importante. Foi sobre o meu irmão, sobre o meu pai, e sobre como é ser o filho de um compositor. Estava maravilhado porque aquelas pessoas são famosas e ninguém sabe quem és. Rimos e foi uma boa noite. É interessante, como podes ser compositor e ninguém te conhecer. Ambos eram criativos mas não conhecidos. Eu fui para o campo errado.

Wayne & Roland discute o que Logan diz. (Warrick Page/HBO)

É um pouco a história de “Backbeat”, no qual participou, não é?

É, e é engraçado porque o meu pai adora os Beatles. Cresci numa casa onde o John Lennon e o Paul McCartney são deuses. Sempre adorei os Beatles e o John Lennon. Esse filme foi importante para mim mas havia muitos artigos a perguntar porque raio havia um americano a interpretar um tipo de Liverpool mas eu interpreto um tipo que a maioria das pessoas, a não ser que são grandes fãs, não conhece. As pessoas acham que o quinto Beatle é o Pete Best [baterista original da banda] mas o Sutcliffe foi uma grande parte da vida do John Lennon. Eram melhores amigos e dá a sensação que o John realmente gostava dele e que sabia que ele era importante, que o rock era um estilo, uma energia. Só que ele era um músico terrível e ele era o primeiro a dizer isso. Então sim, foi uma grande experiência. Quando o filme estreou eles [os media] acabaram por dizer que era o melhor filme dos Beatles. É difícil fazer um filme sobre eles. Na minha opinião, o Softley [realizador] fez um grande trabalho e tive a oportunidade de conhecer a Astrid – era uma grande mulher, foi fantástico.

O “True Detective” é a sua primeira expeirência em televisão?

Sim, fiz uma quando era míudo e fiz uns episódios no “Roseanne” com o John Goodman. Esta é a era d’ ouro em que as séries se estão a tornar quase mais populares que os filmes. Se tivesse a escolha entre fazer isto ou um filme de terror, escolheria o “True Detective”. Tendo a oportunidade sim. O problema é que tens algo como isto e depois preciso de acabar e ir para casa. Talvez venha para Portugal e me torne pescador. Para mim acabou, foi isto, obrigado, é a minha última entrevista. Não. Virão grandes oportunidades no futuro.

A série ainda é nova porque ainda não terminou e às vezes as pessoas demoram a começar a ver. O meu amigo ligou-me a dizer “vi agora o episódio 1, é fantástico” e eu perguntei “hey, onde andaste?”. Eles andam a falar sobre o episódio 6! Para mim é a primeira vez a experimentar isto. O Mahershala fez o “House of Cards” e outras séries. Eu sempre fui o tipo dos filmes, seja um filme grande ou pequeno, nunca tive esta oportunidade antes.

Como tem sido trabalhar com o Mahershala? Ele é um grande ator. Seja com o reconhecimento nos Óscares, os filmes… E aqui está ele em “True Detective”. Também tem tido uma organização de carreira inteligente.

Sim, não sabemos essas coisas quando estamos a fazê-las. Ele terminou o “Green Book” tipo nove dias antes de irmos para o Arkansas. Conheci-o no voo a ir para o local. Ele é uma pessoa incrível, é um tipo gracioso, muito concentrado, um ator muito talentoso. Ambos iniciámos esta jornada juntos, a lugares que julgo que nunca tínhamos visitado. De certa forma, julgo que esta foi um grande evento para ele porque ele tem feito isto há algum tempo. É a primeira vez que é o número um e isso significou muito para ele. Sendo ator há tanto tempo, já fiz o número 2 antes. Vamos até ao final do mundo por esse papel. Sem revelar spoilers há cenas maravilhosas por vir e nunca cheguei até lá com alguém. Já trabalhei com atores brilhantes mas o material deu-nos a oportunidade de fazer algo maior. Maior do que alguma fez já consegui fazer nos filmes, e ele foi o parceiro perfeito.

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As pessoas não gostaram muito da segunda temporada mas toda a gente fala bem da terceira. As reviews são muito boas. Como se sente?

Muito bem! Estou muito feliz, é uma vitória, estou muito feliz que não estão a dizer que “esta temporada é uma porcaria”. Trabalhas arduamente e queres que as pessoas gostem do resultado. Trabalhei o máximo que já alguma vez trabalhei e o Marhershala também, ao ponto de exaustão – fisica e emocional.

Mas no final fazê-mo-lo pelas pessoas. Não o faço somente para a HBO ou para o filme ou para o meu agente. Faço-o pelo público. É isso que um ator faz. Criar algo que esperas que transcenda muitas pessoas e que essas pessoas digam a outras pessoas: “Tens de ter a HBO, tens de ver o ‘True Detective'”. A tua mãe vê e diz-te que tens de ver. Queres causar discussão. Estou muito feliz com o resultado.

É estranho mas as séries na Netflix vêm tudo de uma vez e ficas num espacinho confinado durante muito tempo. Na HBO tens todas as semanas esta coisa gigante de reviews e de entrevistas. Todas as semanas estou nesta pressão: “Ok, faltam duas semanas e meia, depois por agora termina”. Sei que o Nic vai ficar feliz, acho que ele está muito feliz com o resultado. Ele diz que é o melhor até agora, se lhe perguntares ele acha que é mais profundo do que a primeira temporada. Diz que é por causa das três décadas e da ambição, do tamanho. É muito superior à sua primeira produção, é maior. Sem retirar nada à primeira, eu adorei a primeira, mas esta é especial, não há nada como ela na televisão.

Acho que nunca haverá nada como ela. Tens boas séries na HBO como o “Game Of Thrones” mas são muito sexuais e tem dragões e coisas malucas a acontecer, mas esta é uma série rara, um outro nível. Nenhuma série se aproxima da escrita dele [do Nic], ele é mais novo que eu também, estou a ficar muito velho. Tenho 45, ele tem 42 e cria isto.

Se pensar nas duas temporadas anteriores, qual é o fator de sucesso? Sendo que disse que já era fã.

Acho que são os atores, a realização, a escrita. O Matthew e o Woody juntos. Nunca os vi serem tão bons como atores. Não era um grande fã do Matthew mas depois de ver aquilo, fiquei “wow, ele sabe atuar”. Ele foi fantástico. Foi muito simpático, veio à estreia da terceira temporada. Estreou em Hollywood e ele é estranho mas veio até mim e disse “bom trabalho Stephen”, e eu disse “obrigada Matthew”. Homem de poucas palavras mas gostei dele.

Acho que no geral foi uma série bem executada, gostei da intimidade das duas personagens. Adoro a forma de escrever do Nic porque não é só sobre os casos e as pistas, é sobre as personagens e as suas vidas. Eles mudam com o caso. No final, eles têm de revelar tudo e responder às perguntas para que o público não enlouqueça. Ele faz isso de forma tão bela. É sobre o caso mas também sobre o Roland e o Wayne, não é uma série sempre sobre o CSI, que é a equipa, sobre a impressão digital que era daquele tipo. Há tanto mais na poesia do Nic. Ele escreve poesia negra, depois com um humor fantástico.

O Roland tem as melhores falas, é uma atrás da outra, e a forma como ele olha para o Wayne, os momentos calmos, os momentos subtis que eu e o Wayne temos eu. É algo que nem sempre podemos fazer numa série porque é sempre corte, corte corte, “boom”, dragões, corte, corte, corte – move-se como um filme de ação. Isto é o oposto, entramos na mente das personagens. Para mim é o que estou habituado a fazer nos filmes, o que gosto de fazer.

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Vê muitas séries, tenta estar a par?

Vejo algumas, sim.

Streaming?

Sim, o mundo muda. Quando tinha 20 ou 21 me falasse disto tinha dito não, só no cinema é que vemos boas coisas. O mundo muda. A minha irmã mais nova, a minha meia-irmã, ela vê o “True Detective” no telemóvel e eu penso: “O que raio estás a fazer?!”. Com o quotidiano atual, o tipo de vida, e o modo como os telemóveis mudaram a nossa vida, o streaming está a apoderar-se de tudo. As pessoas gostam de ver as coisas ao seu tempo quando estão em casa. A maioria tem boas televisões e boas colunas.

Se fores um cinéfilo provavelmente ainda vais ao cinema para ver alguns filmes. É importante ver o Roma no cinema porque podes ver os planos gerais. Num ecrã pequeno de avião, sabes… Mas hoje em dia o cinema está a mudar, a atuação de filme está diferente e há vários por ano, a maioria uma porcaria. Não quero estar num filme de comédia, nem tenho o desejo, a não ser que tenha filhos um dia e tenha de fazer filmes familiares por eles. Mas eu gosto de contar histórias reais, de personagens reais. Não sou contra fazer um grande filme da Marvel se eles quiserem.

Atualmente, uma grande diferença entre a televisão, ou o streaming, e os filmes é que nos grandes estúdios tens sequelas, spin-offs, remakes… Na televisão podes fazer historias mais originais, não é?

Sim. É pena que tenha terminado, que o Roland não vai voltar. O que é bom sobre certas séries é que podes continuar mas é diferente do que o Nic faz. O “True Detective” é bom nisso. Vive aquela temporada e acabou. Não volta. Eu e o Wayne não nos vamos voltar a encontrar. É meio triste mas ao mesmo tempo foi fantástico. Tem sido uma experiência muito boa para mim, estar neste tipo de trabalho televisivo. Não estou habituado a que o escritor seja o meu capitão, ele realizou dois episódios, mas quero garantir que o Nic está lá quando outro realizador aparece, ainda que não o queira chatear. Não é assim nos filmes, nos filmes o meu realizador manda, acabou. O escritor pode lá estar e vai dando notas mas eu ouço o meu realizador.

Há muitos escritores…

É um jogo diferente, fiquei um pouco confuso. Mas é essa a questão e não queria saber se ficavam chateados. Eu perguntava ao Nic: “Queres que tente outra coisa. Queres que mude?”. E ele dizia: “Não, gostei do que fizeste”. Queria deixá-lo feliz, ele escreveu o papel para mim. Ele deu-me o papel. Foi interessante, aprendi muito.

Com o streaming há mais oportunidades, mais variedade, mais personagens. 

Espero que sim, mas também há muita “porcaria”. Não sei. A Netflix é fixe mas tenho dificuldade em encontrar algo bom. As séries parecem ser feitas de forma barata, não têm aquele visual da HBO. Ela tem uma coisa, não sei o que é, é tipo uma droga que metem na comida, não sei o que fazem. Mas está num nível diferente.

Mesmo que olhes para as séries curtas, a Netflix fez algumas que eu gostei como “The Crown”, muito bem feita, muito bem filmada, gastaram muito dinheiro, mas depois vês o “Narcos” e outras séries, com câmara-à-mão, parece tudo muito rápido. Meio que baixam a qualidade. “Vamos fazer a temporada oito, boom!”.

O Nic levou três anos para criar isto, para regressar a este franchise e acho que fez um grande trabalho. Mas sim, estou aberto a trabalhar em qualquer lado se o papel e a equipa forem como estas. Bem, sim. Preciso de encontrar uma personagem porque agora não tenho uma.

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Está à procura de uma nova droga.

Sim, porque depois de começar é como um carro, tens de conduzir e continuar a ir mas ao mesmo tempo não quero fazer a coisa errada. Os meus agentes todas as semanas dizem “não te preocupes, sê paciente”, e eu fico sentado durante dois meses, a querer andar. É uma batalha constante com isso mas felizmente assim que recomeçar, assim que a encontrarmos, esperamos que em breve, terei uma corrida longa novamente.

Estou mesmo com vontade de trabalhar. Fiz um filme muito fixe mesmo a seguir ao “True Detective”. Foi difícil mas continuei a ir porque estava mesmo com vontade. Podia ter continuado depois daquilo, trabalhei todo o ano, queria continuar, não queria tirar férias. No entanto, normalmente no Natal não há filmes a serem feitos, por isso… A não ser que faça um especial de Natal! Mas sim, tenho a certeza de que algo aparecerá em breve. Adorei fazer a conferência para isto porque estou muito orgulhoso. Podia ter sido bem pior.



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