Nancy Olson em "O Crepúsculo dos Deuses" © Paramount Pictures

70º Aniversário de Sunset Blvd. | A inesquecível Nancy Olson

“Sunset Blvd.” celebra 70 anos desde a sua estreia, por isso recordamos Nancy Olson, atriz que, aos 91 anos, diz ter renunciado à fama. 

Numa época em que estamos em casa de quarentena poderemos aproveitar para conhecer alguns filmes mais marcantes da história do cinema e alguns dos seus intervenientes. Um dos filmes que vale a pena (re)ver é, indiscutivelmente, o film-noir sobre cinema “O Crepúsculo dos Deuses“, no título original “Sunset Boulevard”, vencedor de três Óscares da Academia.

Realizado por Billy Wilder, este clássico de Hollywood – e também sobre essa cidade, os seus demónios e seu cinismo -, reserva vários segredos em torno das suas estrelas. Gloria Swanson, era uma esquecida atriz do cinema mudo, William Holden, atravessava um crise pessoal e estava prestes a cair em desgraça devido ao álcool, e Erich von Stroheim, era um realizador alemão vanguardista do cinema mudo, também ele esquecido. Porém, não é de nenhum destes atores que vos vamos falar.

São certamente poucos os espectadores que se lembram de Nancy Olson, que interpreta a jovem a leitora / revisora de argumentos de um estúdio de cinema, e talvez a única personagem simpática do filme, com personagens totalmente acabados. No ano em que “Sunset Blvd.” celebra 70 anos – a estreia aconteceu a 10 de agosto de 1950 nos Estados Unidos e, em Portugal, a 11 de maio de 1951  -, vale a pena conhecermos um pouco mais sobre esta atriz, hoje com 91 anos.

Sunset Boulevard
Da esquerda para a direita: Erich von Stroheim, Gloria Swanson e William Holden em “Sunset Boulevard” (1950) © Paramount Pictures

Com o seu desempenho, Nancy Olson foi nomeada ao Óscar, mas nem a nomeação à estatueta dourada, a tornou uma vedeta do cinema. Não teve direito a outras nomeações, ou a outros prémios, nem sequer tem uma estrela no Passeio da Fama. Na realidade, a atriz nunca atingiria o nível de estrelato de, por exemplo, Marilyn Monroe, com quem partilhou várias sessões de publicidade nos estúdios da Paramount. Os espectadores que nunca ouviram falar dela, à excepção de “O Crepúsculo dos Deuses”, sabem como a própria Olson o afirma, o quanto esse filme a perseguiu ao longo da sua vida.

O Crepúsculo dos Deuses é um filme que me perseguiu a vida toda. Não quero dizer no mau sentido. Apenas que é algo que senti e que permanecerá mesmo depois de eu morrer.

Nancy Olson nasceu a 14 de julho de 1928 na cidade de Milwaukee, em Wisconsin, nos Estados Unidos. Mais velha de dois irmãos, Olson era filha de um casal de classe média – o pai Henry John Olson era médico, e a mãe Evelyn Bertha uma professora – que, desde cedo, começou a participar em peças de teatro e, até, se dedicava ao canto. Enquanto caloira, na Universidade de Wisconsin, dava os seus primeiros passos na representação, ao conseguir o papel principal numa peça de um grupo local. Mas foi ao mudar para Los Angeles que tudo se transformou. Jovem e bela, Olson vivia com os seus tios no bairro de sonho de Pacific Palisades, enquanto estudava na UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles), na qual o seu tio era o reitor. Estava tudo alinhado para esta jovem de classe média alta, dar o salto para o grande ecrã.

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Certa noite, após terminar a sua atuação em “The Play’s the Thing” de Ferenc Molnar, Nancy Olson receberia um dos profissionais da Paramount, que estava em busca de novos talentos, e que lhe pediu para aparecer no estúdio para uma audição. Pouco tempo assinaria um contrato de 7 anos com a Paramount – apesar da sua primeira aparição ter sido em “A Conquista da Civilização” (Edwin L. Marin, 1949), ao lado Randolph Scott, quando foi emprestada pela Paramount à 20th Century Fox.

Com o crescer da fama, cresciam também as situações embaraçosas com homens poderosos que se tentavam meter com aquela bela atriz loira de olhos azuis. Nancy Olson teve a sorte de conseguir cruzar-se várias vezes nas ruas dos estúdios da Paramount com Billy Wilder, cineasta que nunca abusou da sua confiança e perguntava-lhe frequentemente sobre a sua vida, o que estudava e como era a UCLA. Todas essas perguntas, considera hoje, foram um teste de preparação para o argumento de “O Crepúsculo dos Deuses” e para o seu papel de uma jovem sonhadora. Pouco tempo depois, Nancy Olson recebeu um telefonema do estúdio, confirmando que o seu próximo filme seria “O Crepúsculo dos Deuses“.

Vários anos depois, comecei a acreditar que o Billy estava a testar-me. Ele estava a escrever um filme sobre Hollywood, com uma jovem que era aspirante a argumentista e, portanto, a atriz que fazia esse papel não poderia ser apenas uma das estrelas do trio principal. O público que assistisse ao filme teria que acreditar, em algum momento, que escrever era mesmo o seu interesse. Acho que foi essa a forma que encontrei para conciliar-me com o papel.

Através do argumento que Wilder escreveu com Charles Brackett e D.M. Marshman Jr., Nancy Olson percebeu que estava diante de uma história ousada e fora do comum, comparada com tudo aquilo que havia sido feito no cinema americano. A história começa a ser narrada em flashback por um homem, mas oferece qualquer coisa de hiper-artificial, porque a voz que ouvimos é de um homem morto.

Como esperado, Nancy Olson acabou por interpretar Betty Schaefer, a leitora de argumentos que sonha ser argumentista, comprometida a “Artie” Green, mas que se acaba apaixonando pelo protagonista Joe Gillis, cativo de uma estrela arruinada do cinema mudo. Segundo Olson, William Holden foi escolhido propositadamente para o papel por Billy Wilder, porque havia perdido o seu potencial de estrela. A atriz confessou recentemente que desconhecia por completo Gloria Swanson, como era provavelmente normal a qualquer outro jovem na época.

O William Holden estava arruinado. Interpretava apenas personagens secundárias, bebia demasiado, tinha um péssimo casamento e estava desesperado com a sua carreira. Como a sua personagem Joe Gillis, Holden estava a perder-se… estava a perder a sua carreira, e os seus sonhos. Quanto a Swanson? Eu não fazia a menor ideia de quem era… Tive que perguntar à minha mãe e ela respondeu-me.

Sunset Blvd.
William Holden e Nancy Olson em “O Crepúsculo dos Deuses”, com quem voltaria a contracenar no mesmo ano em “Rosto Sangrento” © Paramount Pictures

Sunset Blvd.” foi rodado quase por inteiro nos estúdios da Paramount, e Olson visitou o set onde filmava as suas sequências inúmeras vezes, antes sequer do início das filmagens. Refere ter-se sentido satisfeita com o resultado, desde as cenas nos escritórios do departamento de revisores da Paramount – situado no segundo andar dos estúdios (e que ainda existe) – até ao palacete gótico de Norma (que não se encontrava na 10086 Sunset Blvd., como o filme indica, mas na 641 S. Irving Blvd, na esquina da Wilshire Blvd & S Irving Blvd), demolido em 1957. A intérprete de Betty recorda, também, uma sequência muito particular… Quando Betty Schaefer e Joe Gillis caminham pelos estúdios juntos, ela diz, a determinado momento, o quanto aspirava ser atriz e, decidida, pagou por uma operação plástica ao nariz. A sequência, das mais encantadoras e românticas deste filme tão negro, pode ser vista no seguinte link.

Com o fim das filmagens de “Sunset Blvd.”, Nancy Olson seguiu com o seu trabalho como atriz, recebendo 300 dólares por semana. Rodou, ao lado de Bing Crosby, “A Secretária Ideal” (Richard Haydn, 1950) e mais três filmes com William Holden: “Rasto Sangrento” (Rudolph Maté, 1950), “Quando Passar a Tormenta” (Michael Curtiz, 1951) e “O Tigre dos Mares” (John Farrow, 1951), nenhum dos quais com o sucesso de “O Crepúsculo dos Deuses”. Como não poderia deixar de ser, William Holden passou várias vezes pela camarim de Olson durante a rodagem do filme de Billy Wilder, para seduzir-la, mas cedo percebeu que a atriz nada queria com ele. A reprovação foi bem aceite e ambos tornaram-se grandes amigos.

Antes do lançamento de qualquer um desses projetos nas salas de cinema norte-americanas, Nancy Olson tomaria, no entanto, uma decisão importante: afastar-se das luzes da ribalta de Hollywood. Várias coisas fizeram-na tomar a decisão. Primeiro, não seria capaz de terminar os estudos. Depois apaixonou-se pelo escritor Alan Jay Lerner, cuja carreira estava em Nova Iorque – acabariam por ter um casamento de sete anos, de 1950 a 1957, do qual nasceram duas filhas.

O facto é que, como representado em “O Crepúsculo dos Deuses”, as estrelas de cinema são descartáveis. ​Mesmo quando estás no centro do caminho para o estrelato, tudo não passa de uma ilusão. Há qualquer coisa que não é real. Não és tratado como quem realmente és, e tornaste dispensável. Foi então que disse à Paramount que não estava interessada em tornar-me numa estrela de cinema e eles tiraram-me logo da lista dos jovens em ascensão. O pior chegou com o lançamento de “O Crepúsculo dos Deuses”, cujo sucesso comercial e crítico fizeram o estúdio pressionar-me para voltar. A pressão foi mesmo inacreditável.

O Crepúsculo dos Deuses” acabaria nomeado a 11 estatuetas douradas, o segundo mais nomeado da edição de 1951, depois de outro filme sobre uma atriz de teatro envelhecida, “Eva” ( Joseph L. Mankiewicz, 1950), que alcançou um recorde de 14 nomeações (apenas voltaria a acontecer em 1998 com “Titanic” e em 2017 com “La La Land”).

Nancy Olson, mesmo sendo a única desconhecida do elenco de “O Crepúsculo dos Deuses” – que até teve direito a cameos de luxo como os de Cecil B. DeMille, Hedda Hopper, Buster Keaton ou H. B. Warner -, acabou nomeada ao Óscar de Melhor Atriz Secundária, Olson esteve presente na cerimónia dos Óscares, mas perderia para Josephine Hull (em “Harvey”).O mesmo aconteceu com Gloria Swanson, William Holden e Erich von Stroheim que perderam as suas nomeações nas categorias de Melhor Atriz, Melhor Ator e Ator Secundário, respetivamente. Com isso, “O Crepúsculo dos Deuses” incluiu-se nos 11 filmes nomeados às quatro categorias de interpretação, sendo que o último a conseguir tal feito magistral foi “Golpada Americana” (David O. Russell, 2013).

Nenhum de nós os quatro ganhou o Óscar e, embora o filme tenha vencido pelo argumento, pela decoração de arte / cenário e pela música, na corrida de melhor filme foi “Eva” que prevaleceu. É um ótimo filme, mas “O Crepúsculo dos Deuses” está muito mais à frente.

Lá de vez em quando, Nancy Olson regressaria ao cinema. Participou em “O Fio da Meada” (Edward Ludwig”, 1952), ao lado de John Wayne; em “Vida da Minha Vida” (Robert Wise, 1953); em “The Boy From Oklahoma” (Michael Curtiz, 1954), e também em “Antes do Furacão” (Raoul Walsh, 1955). Por incrível que pareça até esteve presente em quatro filmes da Walt Disney, “Pollyanna” (David Swift, 1960), “O Professor Distraído” (Robert Stevenson, 1961), “As descobertas do Sr. Professor” (Robert Stevenson, 1963) e “O Hotel da Barafunda” (Norman Tokar, 1972).

Abaixo, poderás assistir a uma sessão de Q&A a Nancy Olson, feita há 6 anos, após uma exibição de “O Crepúsculos dos Deuses” a 9 de maio de 2014. A conversa é dividida em três partes.

Nancy Olson em entrevista

Nancy Olson participaria também em algumas peças na Broadway – “The Tunnel of Love” (1957-1958), “Send Me No Flowers” (1960-1961) e “Mary, Mary” (1962-1964) -, e alguns episódios de séries de televisão, mas preferiu dedicar-se à família. Mais recentemente foi convidada para participar num episódio da última temporada da série “Big Love” da HBO. Mas nem o cinema, nem a TV a fizeram despertar a paixão pela arte da representação.

De 1962 a 2009, foi casada com Alan W. Livingston, um dos executivos da Capitol Records e compositor e criador de “Bozo the Clown”, com quem teve um filho. Hoje, Nancy Olson dá algumas palestras que a recordam como essa a jovem aspirante a argumentista de “O Crepúsculo dos Deuses“, numa cidade que ainda inferioriza as mulheres argumentistas e realizadoras. Todas as suas vivências são contadas no livro de memórias recentemente concluído, “A Front Row Seat” , mas que entretanto não foi publicado.

Enfim, não foi Nancy Olson a proferir a famosa frase “All right, Mr. DeMille, I’m ready for my close-up”, e também não foi ela a ter direito a tantos close-ups como Gloria Swanson. Contudo, ao contrário das suas co-estrelas, Nancy Olson – como a sua personagem no filme – preferiu viver serenamente, sem ilusões, e sem querer atingir, desesperadamente esse nível de divindade que muitas das estrelas de Hollywood procuravam no seu tempo. Talvez isso a torne uma atriz (e uma mulher) profissionalmente mais terra a terra e, com isso, insolitamente inesquecível.

[as palavras de Nancy Olson foram adaptadas da entrevista dada ao The Hollywood Reporter]

“O Crepúsculo dos Deuses” / “Sunset Boulevard” está disponível em DVD nas lojas habituais. Em breve, será de novo produzido para os cinemas como um musical protagonizado por Glenn Close

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