"Um Susto de Família" | © MOTELX

MOTELx ’19 | Um Susto de Família, em análise

A secção Lobo Mau do MOTELx de 2019, retorna “Um Susto de Família” aos cinemas portugueses. Este filme de animação conta a história de uma família transformada em monstros e o vampiro que se apaixonou pela matriarca.

“Um Susto de Família” é o segundo filme de animação originalmente estreado em Portugal no outubro de 2017 a marcar presença no MOTELx de 2019. Juntamente com “O Pequeno Vampiro”, os dois formam um duo fascinante de cinema de animação de baixo orçamento e grandes ambições. Enquanto o primeiro filme é medíocre e aborrecido, este segundo não é muito superior em termos qualitativos, mas é tudo menos enfadonho. Se uma obra pecou pela falta de inspiração e ideias, falta de empenho e paixão dos seus cineastas, a outra vai em demasia na direção oposta. Parece que tanto em política como em cinema de animação sobre vampiros, extremos são sempre algo a evitar.

A melhor forma de exemplificar o tipo de excesso caótico de “Um Susto de Família” é mesmo tentar sumarizar a sua história. Atenção que isto não é tarefa fácil. Algures na Transilvânia vive o Conde Drácula que, apesar de ser também uma figura da cultura popular deste universo, existe de verdade. Um dia, ele recebe uma chamada de alguém em busca de uma loja de máscaras para Halloween. Nunca entendemos como é que este equívoco telefónico ocorreu, mas também não há muito tempo para tais conjeturas pois, num abrir e fechar de olhos, o vampiro ancestral apaixonou-se por Emma Wishbone, a dona de casa americana do outro lado da chamada.

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Decidido a conquistar esta mulher casada e com filhos, Drácula convence a sua prisioneira mágica, Baba Yaga, a usar os poderes para tornar Emma numa vampira. Aparentemente, se alguém for transformado em vampiro por magia ao invés de uma dentada, podem manter a alma e Drácula quer preservar a alma da sua amada. Com um amuleto muito defeituoso em sua posse, a bruxa lá viaja até aos EUA, onde encontra a família Wishbone, todos eles vestidos a rigor para uma festa de Halloween. A magia transfigurante só funciona em pessoas infelizes, o que não é um problema quando consideramos que Emma tem uma filha adolescente carrancuda, um filho mais novo em fase de rebeldia e um marido desinteressado com um grave caso de flatulência explosiva.

Com um estalar de dedos e alguma pirotecnia mágica, os Wishbone transformam-se nas mesmas criaturas de que estavam mascarados. Os miúdos, Max e Fay, assumem a forma de um lobisomem e uma múmia respetivamente. Os pais, por sua vez, tornam-se no monstro de Frankenstein, no caso de Frank, e numa elegante vampira, no caso de Emma. Ainda mal o espectador assimilou o que aconteceu e já a família de monstros, com a ajuda de uma hippie amistosa, estão a viajar para Londres, onde esperam intercetar a bruxa que precisa de recarregar o amuleto mágico no London Eye. Só que, como nada neste filme é minimamente simples, Drácula aparece no avião onde a família viaja e, pouco depois de chegarem à capital inglesa, os Wishbone são teletransportados para o meio do deserto egípcio.

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Muito acontece depois disso, incluindo raptos mágicos, tornados falantes, escaravelhos gigantes que se tornam em faraós imortais que querem dominar o mundo, uma paródia de America’s Next Top Model, momentos musicais extravagantes e um plano para congelar o mundo por parte de um vampiro que foi rejeitado pela mulher que ama. “Um Susto de Família” parece ter sido escrito por um grupo de miúdos de seis anos com um grave déficit de atenção ou por uma sala cheia de produtores de cinema sob o efeito de alucinogénios. Como dissemos antes, este não é um bom filme, mas também não é aborrecido.

Em termos formais, a realização do filme parece seguir a mesma atitude descontrolada, fazendo de “Um Susto de Família” um cocktail estilístico sem nexo. Na mesma sequência, o realizador Holger Tappe é capaz de piscar o olho ao terror clássico, formular uma piada visual à la DreamWorks e fazer referência a “Moulin Rouge!”. Felizmente, há algo de charmoso no visual do filme, que pode ser tão tresloucado como a sua história, mas, pelo menos, trespassa um grande nível de virtuosismo. Nomeadamente, “Um Susto de Família” tem alguma da melhor cenografia e iluminação que já se viu em animação europeia.

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Só o castelo de Drácula é uma endiabrada delícia de arquitetura impossível, com um órgão monumental, janelas mais altas que montanhas e banheiras que parecem arranha-céus cheios de água. A certa altura, parece que os cineastas se aperceberam dos únicos méritos artísticos do filme e conceberam cenas inteiras para por em destaque estes mesmos elementos. Note-se que o clímax da ação é basicamente um jogo de iluminação refratada pelos caixilhos de janelas. O vilão é literalmente derrotado graças ao poder de decoração de interiores.

Isso quase compensa a estupidez risível do argumento, temos de admitir. Também no que diz respeito à animação de personagens, a flexibilidade elástica das figuras tenta compensar um design genérico. O problema é que estas mais-valias nunca conseguem totalmente esconder os problemas sintomáticos do projeto, especialmente algumas das falhas técnicas. Os lábios, por exemplo, parecem estar sempre descoordenados com as falas e linguagem corporal. Quando a história se perde nas areias do Egito é que nem a excentricidade narrativa nem a cenografia mais original a conseguem salvar do humor bafiento que mais depressa despoleta um revirar de olhos que um riso. Esse prolongado momento morto no meio de “Um Susto de Família” aniquila muito do nosso entusiasmo para com o filme, uma obra imperfeita que não ousamos recomendar a ninguém, mas que nos proporcionou algumas risadas e encanto. É claro que, na maioria das vezes nos estávamos a rir do filme e não das piadas, mas humor acidental continua a ser humor.

Um Susto de Família, em análise
Um Susto de Família

Movie title: Happy Family

Date published: 14 de September de 2019

Director(s): Holger Tappe

Genre: Animação, Comédia, Família, 2017, 93 min

  • Cláudio Alves - 50
50

CONCLUSÃO:

“Um Susto de Família” é uma premissa ridícula de cinema familiar com uma lição moral bolorenta no fim. Felizmente, a esta receita de mediocridade cinematográfica foram acrescentadas boas doses de loucura e primor cenográfico, resultando num cocktail divertidamente instável. Não se trata de bom cinema, mas lá entretém e maravilha intermitentemente.

O MELHOR: A arquitetura impossível do castelo de Drácula.

O PIOR: Tudo o que se passa no deserto é para esquecer.

CA

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