Uma Boa Pessoa, em análise
“Uma Boa Pessoa”, escrito e realizado pelo também comediante Zack Braff, é um melodrama de fazer chorar as pedras da calçada. Nos papéis centrais, Florence Pugh e Morgan Freeman em estado de graça.
Florence Pugh protagoniza e produz “A Good Person“ (ou “Uma Boa Pessoa” em português), filme realizado pelo seu ex parceiro romântico (então parceiro) Zack Braff. A atriz faz das tripas coração e, apesar de um argumento previsível e incapaz de acompanhar a sua premissa pesada e devastadora, Pugh dá vida ao texto e recorda-nos que é, sem margem para dúvida, um dos talentos mais notáveis da sua geração. Não tivesse o texto, e a personagem, sido escritos para ela.
Zach Braff, ator ,produtor, comediante e realizador, tem vindo a demarcar-se no universo dos dramedies ou comédias dramáticas, tendo realizado episódios de séries que sabem navegar muito bem estes territórios – como “Shrinking” e “Ted Lasso” (que partilham a mesma equipa) e mais relevante ainda, tendo começado em grande a sua carreira de realizador, em 2004, com um filme por si escrito, realizado e co-protagonizado, “Garden State“, onde nos surge um dos exemplos mais pragmáticos do arquétipo “manic pixie dream girl“, na forma da personagem icónica que criou para Natalie Portman.
Sem nunca se ter elevado à categoria de realizador de 1ª. categoria e sem nunca reproduzir novamente a magia de “Garden State”, Zach Braff tem-se sabido mover em Hollywood e com “Uma Boa Pessoa”, sem dúvida foi possível elevar o material através dos seus três exímios protagonistas – Florence Pugh, Morgan Freeman e Molly Shannon. Inclusive, todo o elenco secundário, nomeadamente a novata Celeste O’Connor na pele de Ryan, tornam as palavras de Braff mais sinceras e sentidas, convencendo os espectadores a alinharem no enredo, por muito inverosímil que este consiga parecer por vezes.
“Uma Boa Pessoa” narra a história de Allison, uma jovem de 25 anos com a vida aparentemente perfeita. Apaixonada e quase a casar-se com Nate (Chinaza Uche), o homem dos seus sonhos, Allie parece estar a viver a vida dos seus sonhos. É alegre, sonhadora e dedicada – canta e compõe ao piano e tem um jeito particular para vender medicamentos como representante farmacêutica.
Tudo muda quando se envolve num acidente fatal, no qual morrem os outros dois passageiros (nomeadamente a irmã do seu noivo, Molly). Um ano depois, Allie está ainda a recuperar deste acidente devastador. As dores tornaram-na dependente de narcóticos, mais particularmente Oxicodona, um opioide altamente viciante. Sem emprego e já sem noivo, Allie arrasta-se pela casa da sua mãe sem rumo ou vontade de viver.
A jovem parece, contudo, recuperar parte da chama quando encontra Daniel (Morgan Freeman), numa reunião de alcóolicos/narcóticos anónimos. Daniel, o pai de Nate e Molly, nunca perdoou a Allison o seu envolvimento no acidente (Allie tirou os olhos da estrada para mexer no Maps, o que lhe retirou a capacidade de reagir a um objecto na estrada). Todavia, pouco a pouco, Daniel permite a Allie entrar na sua vida e na vida de Ryan, a sua neta adolescente, órfã desde o acidente.
Em conjunto, Daniel e Allie procuram recuperar a vontade de viver e, da sua forma pouco adequada, tentam ajudar a revoltada Ryan a voltar a tomar controlo da sua vida. Allie não faz sempre a coisa certa (de todo), e a sua jornada, como a de muitas pessoas com vícios, é pautada por passos em frente e passos para trás. “Uma Boa Pessoa” é muito honesto no seu retrato do vício, embora por vezes algo exacerbado, preocupando-se em mostrar as personagens como falíveis mas nunca abdicando da esperança.
Perante um argumento triste e repleto de acontecimentos devastadores, Zack Braff tenta, por vezes, equilibrar o drama com alguma comédia pura e dura. Nem sempre o equilíbrio está lá, e sem dúvida o melodrama pesa mais do que a comédia (e a comédia nem sempre é elevada o suficiente para conseguir acompanhar o tom da obra). Assombrado por conceitos como dor, perda, luta, culpabilidade e moral, “A Good Person” preocupa-se acima de tudo com responsabilização e autonomia, defendendo que, não obstante os acontecimentos cruéis ao longo do caminho, não devemos nunca libertar-nos da responsabilidade pelos nossos atos.
A relação que se estabelece entre Daniel (Freeman) e Allie (Pugh) é o coração e a alma do filme, e os dois intérpretes não só estão à altura como elevam o material. Com alguns diálogos genuinamente emotivos, “A Good Person” não é mau, mas consegue perder as estribeiras em vários momentos. Exemplo máximo é uma cena tensa mais para o final do filme, que inclui todas as personagens centrais da narrativa a chegar a um mesmo quarto à “hora H”, mesmo a tempo de impedir que a desgraça suceda.
Mais teatral que cinematográfico e dependente de muitos lugares-comuns, é assim que podemos por vezes descrever “Uma Boa Pessoa”, que sem dúvida sofre de excessivo dramatismo e de alguns instantes de clara conveniência narrativa imperdoável. Todavia, salvo raros momentos a isolar, o filme consegue emocionar e criar um melodrama de facto envolvente.
Morgan Freeman recorda-nos das suas competências para o género dramático, escolhendo aqui aceitar um papel capaz de o favorecer: a ele, à história, e à sua co-protagonista. Pugh canta e encanta e mostra-nos talentos escondidos, talentos musicais mais especificamente, quando julgávamos já ter visto “tudo” o que a estrela tem para oferecer (que era e é, tanto).
Algo ingénuo, exacerbado e previsível, mas nunca mal intencionado, “Uma Boa Pessoa” estreia nos cinemas nacionais a 31 de agosto. Não achamos que esteja fadado para ser um peso pesado da temporada de prémios, mas não deixamos de recomendar para quem procure libertar energias e chorar algumas (muitas) lágrimas inevitáveis durante a projeção.
TRAILER | UMA BOA PESSOA – NOS CINEMAS A 31 DE AGOSTO
Uma Boa Pessoa, em análise
Movie title: Uma Boa Pessoa
Movie description: Seguimos Allie (Florence Pugh) e o desmoronar da sua vida depois de se envolver, acidentalmente, numa colisão automóvel fatal.
Date published: 28 de August de 2023
Country: EUA
Duration: 128 minutos
Author: Zach Braff
Director(s): Zach Braff
Actor(s): Florence Pugh, Morgan Freeman, Molly Shannon
Genre: Drama
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Maggie Silva - 72
CONCLUSÃO
“Uma Boa Pessoa” é um filme assente em fórmulas e lugares-comuns, mas com dois intérpretes brilhantes ao volante temos tendência para esquecer e desculpar a previsibilidade. Florence Pugh e Morgan Freeman são uma dupla que não sabíamos ser tão premente.
Pros
- Grandes prestações por parte de todo o elenco e em particular por parte do elenco central;
- A descoberta dos tenros talentos musicais de Florence Pugh;
- A tentativa de construir um retrato honesto acerca de uma temática complicada;
- Uma premissa inicial interessante.
Cons
- O sub-aproveitamento da premissa inicial, com desenvolvimentos previsíveis e que quase conseguimos antever desde o início;
- O excessivo cunho teatral que o melodrama consegue atingir (tanta gritaria para quê?);
- Certos momentos inegáveis de conveniência narrativa – em que as personagens se encontram num determinado local sem que a lógica tenha grande papel a fazê-las chegar lá;
- Um equilíbrio insuficiente entre a comédia e o drama.