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Van Gogh, em análise

“Van Gogh”, uma das obras-primas do multi-talentoso cineasta, Maurice Pialat (1925-2003), regressou ao grande ecrã em território nacional pelas mãos da Leopardo Filmes!

No dia 21 de Junho de 2023, o solstício de Verão acontece, segundo os cálculos mais precisos, pelas 15h57. No dia seguinte, a MEDEIA FILMES e a LEOPARDO FILMES darão início a uma das grandes iniciativas previstas para o período estival e cinéfilo que assim se inaugura da melhor maneira, ou seja, com a reposição no circuito comercial de dez longas-metragens, incluindo duas estreias inéditas em Portugal, assinadas pelo realizador, argumentista e actor Maurice Pialat, um dos mestres maiores da cinematografia francesa e mundial. Estamos a falar do ciclo UM VERÃO COM MAURICE PIALAT.

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Van Gogh
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Para além de VAN GOGH, esta semana estreiam ainda L’ENFANCE NUE (A INFÂNCIA NUA), 1968 (inédito comercialmente em Portugal) e À NOS AMOURS (AOS NOSSOS AMORES), 1983. Todos em cópias digitais restauradas. Desses e dos restantes daremos aqui notícia mais desenvolvida nos próximos dias e semanas.

SOB O SOL DE PIALAT, OU O CINEASTA E O SEU MODELO…!

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Primeiro grande destaque, VAN GOGH, 1991. Este foi um filme de que acompanhei a produção e pós-produção e, na altura da sua estreia mundial no Festival de Cannes, numa cópia de trabalho, escrevi o artigo que agora recuperei e considero ser o ponto de vista que podia muito bem assinar hoje. Por isso mesmo aqui o reproduzo com pequenas alterações, reanimando e reforçando a mais completa admiração por uma inequívoca obra-prima de Maurice Pialat: “Em certas ocasiões, a história da fabricação de um filme pode ser uma interessante base de trabalho para a posterior análise da sua matéria específica. No panorama da produção cinematográfica francesa, VAN GOGH pode ser considerado um exemplo fascinante de como se processa a transformação de uma obra no interior de uma conjuntura que procura estabelecer uma ponte entre os espectadores que dela usufruem e os autores que lhe dão corpo, situada no quadro de um tema universal, o pintor e os seus modelos, e em torno de uma figura com um percurso existencial por demais divulgado junto do grande público. Neste caso, a ficção investe na memória dos últimos dias em França, mais precisamente em Auvers-sur-Oise, do pintor holandês Vincent Van Gogh e nas suas relações com outras tantas personagens presentes aqui e além, com destaque desigual, em algumas das suas biografias. Mas será que essa ilusória sensação de reconhecimento transforma qualquer personalidade, controversa ou não, num ser de que não se pode dar outra perspectiva que não seja a da realidade pura e simples? Maurice Pialat certamente pensou neste assunto quando decidiu envolver o destino e a dimensão moral do seu Van Gogh numa atmosfera que contraria a ideia feita de que o artista viveu na mais acabada das privações económicas, evitando também o estereótipo do pintor louco, produtor febril de uma obra plena de sinais, dirão alguns, reveladores de perturbações esquizofrénicas. De facto, uma das primeiras subversões deste filme genial encontra-se no modo como a produção pictórica que vemos materializar-se diante dos nossos olhos em longos planos de cor, luz e movimento, nos devolve, através dos pormenores visuais e sonoros da sua gestação, a tranquilidade interior de um génio visionário, quer ela seja uma imagem verdadeira, porque mimética dos traços originais, ou apenas uma imagem subjectivada pelo realizador, ele próprio intérprete dos gestos que estabelecem a composição final do quadro, sempre por interposta pessoa, isto é, o actor. Voltemos ao pressuposto inicial e vejamos como neste domínio a escolha do protagonista veio influenciar os principais aspectos da proposta do realizador. Numa primeira fase, Maurice Pialat contactou Lambert Wilson, depois Daniel Auteuil, e por fim chamou Jacques Dutronc. Não podia ser mais acertada a opção, uma vez que as características emocionais da sua representação pressupõem uma carga de mínimo efeito espectacular, convidando-nos a olhar a alma do homem e não somente a parte visível da mesma, ou seja, os seus quadros. Estamos aqui nos antípodas do Van Gogh de Vincente Minnelli em LUST FOR LIFE (A VIDA APAIXONADA DE VAN GOGH), 1956, personificado por um enérgico Kirk Douglas e mais próximo da lenda que em seu redor se instalou, sobretudo para consumo digestivo de literaturas condensadas. De qualquer modo, justiça seja feita, Vincente Minnelli assinou então um admirável melodrama, que não trouxe mal nenhum ao mundo, ao cinema e muito menos ao retrato possível do pintor. Tratava-se apenas da leitura particular das motivações interiores de uma personagem real. O pior que podem fazer a um artista é transformá-lo num objecto unidimensional, atribuir-lhe o estatuto reverencial. Todavia, VAN GOGH não se fica pela exposição subjectiva e ao mesmo tempo quase documental de uma vida, ou dos últimos meses da mesma. Vai mais longe, enquadrando o pintor na sua época, o final do século XIX, no pitoresco e nas contradições subjacentes a um país que ainda vinte anos antes vivera as jornadas revolucionárias da Comuna de Paris. Magníficas são as sequências de exteriores, o admirável travelling junto ao rio onde Van Gogh passeia ao lado daquela que o tenta redimir pelo amor, Marguerite Gachet, segunda e fundamental personagem no seio da estrutura dramática e narrativa, interpretada por Alexandra London. Fundamentais são todos os momentos em que nos recolhemos perante o espectro de Vincent Van Gogh, mais vivo do que nunca de cada vez que Jacques Dutronc e a Direcção de Fotografia de Emmanuel Machuel, Gilles Henry e Jacques Loiseleux nos dirigem o olhar e a emoção para as telas e para os modelos do homem que as produziu e, ao mesmo tempo, do realizador que as vampirizou. Diga-se que, no caso presente, estamos na companhia de um cineasta que, sendo também um pintor, soube utilizar o ecrã de cinema como o plano animado do seu evidente modelo, Vincent Van Gogh.

Van Gogh
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Van Gogh, em análise
Van Gogh

Movie title: Van Gogh

Director(s): Maurice Pialat

Actor(s): Jacques Dutronc, Alexandra London, Bernard Le Coq, Gérard Séty

Genre: Drama, 1991, 158min

  • João Garção Borges - 100
100

Conclusão

PRÓS: Magníficos valores de produção. Mais do que certeira a escolha de Jacques Dutronc como protagonista, justamente

galardoado com o Prémio César de Melhor Actor em 1992.

Há filmes que são produzidos sob o brilho de um Sol redentor. Este é um deles!

CONTRA: Nada, absolutamente nada…!

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