JUDAICA ’17 | Weiner, em análise

Entre escândalos sexuais, o vislumbre de uma tragédia matrimonial e cruéis epílogos, Weiner é um dos documentários mais interessantes do ano passado e chega agora aos cinemas portugueses graças à JUDAICA ’17.

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A 28 de outubro de 2016, no último mês da campanha presidencial dos EUA, o FBI veio divulgar que, aquando de uma investigação focada em possíveis mensagens de teor sexual trocadas entre Anthony Weiner e uma menor, foram encontrados vários e-mails enviados e recebidos de uma conta privada pertencente a Hilary Clinton. Isto deveu-se ao facto do computador de Weiner ser partilhado com a sua esposa, Huma Abedin que era uma das principais conselheiras de Clinton. Assim foi reaberta a investigação sobre os infames servidores privados de Hilary Clinton. A tão pouco tempo das eleições e com alguns territórios a possibilitarem a votação antecipada, este escândalo foi visto por muitos como um golpe político pela parte do FBI, uma tentativa de desacreditar a candidata democrata que, durante este processo, apelou à rapidez da investigação. O FBI só viria a divulgar as suas conclusões e a encerrar novamente a investigação no dia 6 de novembro. Dois dias depois, Donald Trump foi eleito o 45º presidente dos EUA.

Não queremos insinuar que o reacender do escândalo dos e-mails despoletado pela investigação a Anthony Weiner foi a causa da derrota de Clinton. No entanto, todo este imbróglio terá afetado não só a campanha do Partido Democrata como a imagem pública já muito denegrida de Weiner. Outrora uma estrela do panorama político, Weiner era por outubro de 2016 uma vergonha e uma anedota, mas os eventos que já descrevemos fizeram-no parecer algo mais próximo de uma maldição sobre o Partido Democrata, uma infeção venérea que se recusa a ser curada ou um rumor maldoso que nunca mais cai na obscuridade. A sua ligação à dinastia Clinton (Bill Clinton oficiou o casamento de Anthony e Huma) apenas veio exacerbar esta noção e tudo isso pesa sobre o filme que estamos aqui a examinar – o documentário de Josh Kriegman e Elyse Steinberg intitulado Weiner.

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Talvez seja preciso um pouco de contexto mais específico sobre quem é Anthony Weiner. Ele foi um Congressista democrata do estado de Nova Iorque que se tornou famoso pelas suas enraivecidas pontificações tingidas por um fervor quase religioso. A sua atitude e cortante verbosidade garantiram-lhe um seguimento no Youtube, mas foi a sua luta por causas de justiça social que o tornou numa pequena celebridade dentro do Partido Democrata. Apesar disso, as redes sociais provaram ser a sua desgraça quando, em 2011, ele partilhou por acidente, uma foto da sua ereção destinada a uma mulher que o tinha começado a seguir no Twitter. Foi revelado que Anthony Weiner tinha por hábito trocar mensagens sexuais com as suas admiradoras e o escândalo levou à sua demissão do Congresso. Decidido a reentrar no mundo da política e a reabilitar a sua imagem pública, Weiner candidatou-se à presidência da câmara de Nova Iorque em 2013 e até deixou que dois realizadores o seguissem durante o que deveria ter sido a sua gloriosa história de redenção.

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Se formos honestos, durante a primeira parte deste documentário, a campanha de Weiner parece ser um verdadeiro sucesso. Ele faz discursos cheios de sentimento que demonstram não só os seus valerosos ideais políticos como o seu carisma inato, ele desfila durante as celebrações Pride com uma bandeira LGBT, ele ganha popularidade pela sua equipa inclusiva e etnicamente diversa e por aí a fora. Apesar dos realizadores tentarem escrutinar a sua persona privada, o máximo que conseguimos ver nestes instantes de sucesso é um homem obcecado com a sua imagem aos olhos do público, vitimizado pela sua própria arrogância mas também pela voracidade dos media que parecem apenas prestar atenção à sua figura, quando sentem o aroma de um escândalo no horizonte. Por muito que o próprio Weiner possa discordar, há uma considerável reticência da parte dos cineastas em explorar a fundo as complexidades do seu sujeito.

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Pelo menos é assim até à grande reviravolta que muda não só a vida de Weiner como o documentário que tem o seu nome. É que, a 23 de julho de 2013, mais um escândalo sexual se abateu sobre Anthony Weiner, quando foi revelado que ele tinha andado a trocar mensagens e fotografias com uma mulher que alegadamente tinha entrado em contacto com o ex-congressista para o criticar devido aos seus comportamentos amorais. A partir daí, toda a campanha entrou numa queda livre caótica e os realizadores de Weiner filmam tudo isso, inclusive a desesperante atitude do protagonista desta história, que parece julgar que ainda tem controlo sobre a sua narrativa pública e que o renovado interesse dos media pode ser uma benesse. Ele não se apercebe é que, para além da indignação moralista que geraram, as suas mentiras e vácuas negações aniquilaram a sua arma mais forte no panorama eleitoral – a ideia de autenticidade sem filtros. Apesar de tudo isto, o filme tem uma intensidade viciante e é impossível desviar os olhos da catástrofe andante que é Anthony Weiner.

Ainda mais fascinante é a figura de Huma. Na primeira parte do filme, a sua presença esporádica parecia sublinhar alguma da hipocrisia latente à indignação pública que nasce deste tipo de escândalo, onde o ato do perdão parece tornar a esposa numa proscrita antes de a iluminar como uma santa. Na segunda metade, quando Anthony passa o tempo livre a escrutinar vídeos do Youtube protagonizados por si mesmo, há algo de acutilante na figura de Huma que insiste em ficar nas margens e cuja mera inclusão no filme causou problemas legais para os cineastas. Em termos de entretenimento e observação humana, ainda bem que os realizadores a mantiveram no filme como singular voz da razão no meio de uma tempestade de melodrama e egotismo tóxico. A certa altura, a dinâmica matrimonial, que nunca é explorada diretamente, torna-se o elemento mais interessante de Weiner, como que um filme de Ingmar Bergman a desenrolar-se nas margens de uma paródia política.

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E assim, apesar dos cineastas raramente inquirirem o seu sujeito com perguntas minimamente interessantes, começa a surgir um retrato poderoso no centro de Weiner. Esse é um retrato pintado pela fricção entre uma imagem pública em constante mutação e uma vida privada sempre coberta por uma indefinição ambivalente. Na política moderna da era da internet, equipas profissionais tentam eliminar essa fricção e apresentar a imagem pública do político como sua singular cara. Fazem isso pois sabem que qualquer sugestão de uma discrepância entre essas duas facetas normalmente resulta no caos, na ofuscação das ideias políticas pelas manchetes dos tabloides e por comentários maliciosos no Facebook. Mas, ao mesmo tempo, é necessário que as câmaras estejam em cena para capturar o discurso do político, para difundir as suas ideias. Se um político faz uma genial argumentação mas ninguém filma e divulga o momento, isso vale de alguma coisa no panorama geral?

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Anthony Weiner é um paradoxo do mundo político americano. Um homem que parece entender os conceitos de imagem pública e privada explorados no parágrafo anterior mas que, ao mesmo tempo, está sujeito a comportamentos autodestrutivos irracionais. Na mesma linha de pensamento, é precisamente essa falta de controlo que deu origem aos discursos apaixonados que o tornaram numa figura admirável no mundo da política. As armas da sua subida ao poder são as mesmas da sua queda e Weiner, a pessoa e o filme, parecem estar numa constante luta interna entre o conhecimento resignado desse facto e a incompreensão arrogante. No final, podemos sentir a fricção entre o público e o privado, mas Anthony mantém-se elusivo, dissimulador e calculista, mesmo nos momentos de maior aflição. Em conclusão, Weiner é sempre um político nato e o seu filme, que agora é marcada por um epílogo desprezível, tem o sabor de uma tragédia clássica em que o individuo valeroso é levado à sua desgraça pela mão da sua própria húbris.

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O MELHOR: O reticente retrato matrimonial.

O PIOR: A falta de curiosidade ou insistência crítica ou jornalística da parte do realizador que de tão perto acompanhou a espiral autodestrutiva deste homem. Weiner é um bom filme, mas sentimos sempre que os cineastas podiam ter ido bem mais longe na sua investigação.



Título Original:
Weiner
Realizador:
Josh Kriegman, Elyse Steinberg
Documentário | 2016 | 96 min

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